segunda-feira, 20 de abril de 2020

O 25 de Abril, por António Quadros.


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«Nesse dia [25 de Abril] do ano de 1974, um golpe de Estado militar alterava pois drasticamente o rumo histórico nacional, tomando o poder com o duplo objectivo expresso (Programa do MFA) de restaurar a democracia e de promover a auto-determinação do Ultramar português.

Mas em 28 de Setembro do mesmo ano, com a resignação de Spínola e com a ascensão do sector revolucionário e marxista do Movimento das Forças Armadas, principiava a desfiguração daquele Programa inicial e começava a eliminação pessoal dos partidários da auto-determinação referendada e da democracia pluralista, lançando-se ao mesmo tempo uma operação de lavagem ao cérebro do povo português ou de agressão ideológica maciça, de proporções entre nós nunca vistas.

Em 11 de Março do ano seguinte, no seguimento de uma estratégia já experimentada com êxito noutros lugares, como a Checoslováquia e a Hungria, o mesmo grupo em fusão, assenhoreando-se dos postos-chaves do Governo, das Forças Armadas e dos Meios de Comunicação Social, estabelecia os fundamentos da Revolução comunista e do Estado totalitário, criando uma força policial-militar de repressão, o Copcon, encerrando os Partidos e os jornais sumariamente classificados de reaccionários e fascistas, efectuando prisões em massa sem culpa formada, realizando vertiginosamente a nacionalização de toda a Banca e das principais empresas e unidades industriais, precipitando ocupações de terras no Alentejo, criando unidades colectivas no modelo dos Kolkozes russos, organizando por todo o lado sovietes ou comissões de trabalhadores, de moradores, de soldados, de marinheiros, etc., ao mesmo tempo que lançava uma ofensiva de grande estilo contra a democracia "burguesa", aconselhava ostensivamente o voto em branco nas prometidas eleições para a Assembleia Constituinte e mais tarde deixava que os deputados fossem sequestrados dentro da própria Assembleia, por uma multidão manipulada e bem enquadrada.

Tudo isto foi possível devido à erosão do regime anterior, como já sublinhei, nomeadamente devido à despolitização, à impreparação e à inocência intelectual da maioria dos portugueses, ao que é preciso acrescentar os complexos de culpa, o oportunismo e o medo de muitos dirigentes políticos e militares que, não sendo comunistas, fizeram contudo o jogo comunista, tornando-se assim cumplíces conscientes ou inconscientes de uma tentativa totalitária que ia destruindo completamente o país e cujos efeitos foram de qualquer modo catastróficos. Efectivamente, numerosos foram os socialistas liberais, os sociais-democratas, os tecnocratas, os funcionários públicos, os cristãos-progressistas e os oficiais da Forças Armadas ontem conservadores, liberais ou patriotas, que aceitaram de braços cruzados ou até sancionaram uma política de terra queimada destinada patentemente à colectivização do país, à instauração de uma ditadura do proletariado e a uma descolonização sem referendo, sem garantia dos interesses portugueses e sem quaisquer concessões aos nossos colonos e assimilados, esses que mais tarde foram compelidos a fugir em massa das terras que desbravaram, das plantações que semearam e das cidades que edificaram, num dos êxodos mais pungentes e aviltantes da história contemporânea».

António Quadros («A Arte de Continuar Português»).


António Quadros | Blogue do Sítio do Livro

Lamentavelmente, mais um grande vulto da cultura portuguesa desconhecido da grande maioria, um dos grandes pensadores do século XX português, aqui fica uma nota biográfica deste grande senhor, infelizmente já desaparecido.
António Quadros foi um escritor e filósofo português. Nasceu em Lisboa a 14 de Julho de 1923 e morreu na mesma cidade no dia 21 de Março de 1993. Pertenceu ao grupo da Filosofia Portuguesa na companhia de Álvaro Ribeiro, José Marinho, Afonso Botelho, entre outros.
Foi director do Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, dirigiu as revistas de cultura e filosofia Acto57Espiral e ainda a colecção "Biblioteca Breve" (ICALP). Da sua vasta e diversificada bibliografia destacam-se A Existência Literária, (1959) O Movimento do Homem, (1963) Ficção e Espírito (1971) e os dois volumes de Portugal Razão e Mistério (1986-1987), para além da organização das obras de Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa.
António Quadros colaborou também nos jornais Diário de NotíciasDiário PopularJornal de Letras, bem como nas revistas LerRumoNova RenascençaPersonaO Tempo e o ModoColóquioContraventoLitoralTempo PresenteAtlânticoUnicórnio, etc. Foi um dos fundadores do I.A.D.E, instituto que dirigiu e onde leccionou a disciplina de História de Arte. Foi membro da I.N.S.E.A (International Society for Education through Art), órgão consultivo da UNESCO, de que foi delegado em Portugal até 1981,  membro da Fundação Europeia de Cultura, membro da Academia Internacional da Cultura Portuguesa e colaborador da VELBC.
Filho de Fernanda de Castro e de António Ferro, António Gabriel Quadros Ferro nasceu em Lisboa em casa dos seus avós paternos, na Rua dos Anjos a 14 de Julho de 1923.
Frequentou o Liceu Pedro Nunes e esteve, por influência do seu pai, matriculado na Faculdade de Direito de Lisboa. Viria no entanto a desistir do curso, para o qual dizia não estar vocacionado, para ser aluno na Faculdade de Letras no curso de Ciências Histórico-Filosóficas, curso que viria a concluir em 1948 com uma dissertação sobre arquitectura portuguesa. Na juventude conhece Artur Koestler, mas é Mircea Eliade quem mais admira.
Em 1947 já tinha publicado Modernos de Ontem e de Hoje, o seu primeiro livro. A sua obra poética chegaria nos dois anos seguintes com a publicação de duas colectâneas de versos, Além da Noite, (1949) e Viagem Desconhecida, (1950). Em 1946 começa a sua actividade profissional nos Serviços Culturais da Câmara Municipal de Lisboa. No ano seguinte casa com Paulina Roquette e em 1952 nasce António, o primeiro dos seus três filhos, que viria a ser director geral do IADE. Mafalda nasceria em 1953 e Rita, também escritora, em 1955.
1953 é um ano decisivo. António Quadros junta-se à tertúlia que dois filósofos portuenses, discípulos de Leonardo Coimbra na Faculdade de Letras do Porto, Álvaro Ribeiro e José Marinho, organizam na Brasileira do Rossio. Ali encontrou o que dizia não ter descoberto na faculdade: a filosofia viva e criadora, em verdadeira e visionária ebulição. Nessa altura já mantinha com Orlando Vitorino a revista Acto, e escrevia intensamente na imprensa, com especial destaque para as colaborações na página cultural do Diário de Notícias, na altura orientada por Natércia Freire. Neste período, é marcante a reflexão de António Quadros, Afonso Botelho e Orlando Vitorino, sobre a questão educativa, tema já herdado dos seus mestres Álvaro Ribeiro e Delfim Santos. Em 1956 António Quadros anima a Faculdade de Letras com a publicação de A Angústia do nosso Tempo e a Crise da Universidade, onde critíca os métodos e a orientação pedagógica e cultural da Universidade.
Em 1958 ingressa no recém-criado Serviço de Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian, sucedendo a Branquinho da Fonseca, onde viria a exercer funções por mais de 20 anos. Por iniciativa de António Quadros nasce, em 1957, o movimento de cultura portuguesa e com ele o jornal 57, (1957-1962) do qual foi director e um dos principais colaboradores. Com o denominado grupo da filosofia portuguesa promove os colóquios O que é o ideal português (1961) e Criação Artística (1962). As respectivas conferências, sobre O ideal português na filosofia e A criação poética, contam com a participação de outros artistas e intelectuais, como Domingos Monteiro, Cunha Leão, António Duarte, Bernardo Santareno e António de Macedo.
Em 1959 publica mais duas obras ensaísticas, A existência literária e Crítica e Verdade. No ano seguinte revela-se o António Quadros pessoano, com a publicação de Fernando Pessoa a Obra e o Homem. Nesse mesmo ano escreve o seu primeiro livro de contos, Anjo Branco, Anjo Negro e em 1963 publica o seu primeiro grande livro de Filosofia da História, O Movimento do Homem. No ano seguinte funda e dirige a revista de filosofia e cultura Espiral, da qual sairão 13 números publicados entre 1964 e 1966.
Em 1965 inicia a sua ligação ao Brasil e à Universidade de Brasília, onde, a convite de Agostinho da Silva, participa em diversas conferências sobre filosofia e cultura portuguesas. Nesse ano edita o volume de contos Histórias do Tempo de Deus, premiado com o Prémio Ricardo Malheiros da Academia de Ciências de Lisboa e o Prémio de Novelística da Casa da Imprensa. Em 1966 regressa à poesia com a publicação do volume de odes Imitação do Homem e um ano depois reúne ensaios literários e histórico-filosóficos no livro O Espírito da Cultura Portuguesa. Funda em 1969 o IADE, passando a director-geral em 1971, cargo que manterá até ao agravamento da doença que o vitimou.

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Naquela escola, lecciona durante vários anos as disciplinas de História de Arte e Cultura Portuguesa e Deontologia da Comunicação, disciplina que também ensinaria na Universidade Católica Portuguesa. Ficção e Espírito – Memórias Críticas, (“Um livro ensaístico, mas entrecortado de páginas memoralistas.”) é publicado em 1971. Dois anos depois publica Pedro e o Mágico, contos para crianças, galardoado com o Prémio Nacional de Literatura Infantil desse ano. Nos anos seguintes publica Portugal entre ontem e amanhã (1976) A Arte de Continuar Português (1978) dois volumes de Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (1982/1983) galardoados com o Prémio de Ensaio do Município de Lisboa, prémio que viria a receber novamente no ano seguinte com um novo estudo sobre Fernando Pessoa, Fernando Pessoa Vida Personalidade e Génio. Em 1986 e 1987 publica os dois volumes de Portugal Razão e Mistério, considerado por muitos uma das suas melhores obras, parte, aliás, de uma trilogia que nunca chegaria a completar. Em 1990, publica Uma Frescura de Asas, um romance inspirado no últimos dias da existência de Sampaio Bruno. Em 1991 publica Memórias das Origens, Saudades do Futuro e no ano seguinte, já gravemente doente, a obra Estruturas Simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa. António Quadros viria a morrer nesse mesmo ano, no dia 21 de Março de 1993, vítima de tumor cerebral. Pensador, crítico, tradutor e professor, também poeta e ficcionista, António Quadros foi também fundador da extinta Sociedade Portuguesa de Escritores, membro da comunidade científica da Universidade Católica Portuguesa, do Centro de Estudos de Pensamento Luso-Brasileiro (CELBRA), Membro-correspondente da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Filosofia e co-fundador do Instituto Luso-Brasileiro de Filosofia, sediado em Lisboa. Traduziu Albert Camus, Jean Paul Sartre, entre outros. De referir ainda as inúmeras obras prefaciadas, organizadas e anotadas. Quadros foi praticante de vários géneros, do ensaio à poesia, da ficção à reportagem e crónica e recebeu diversos prémios pela sua actividade literária sendo condecorado com a Ordem Britânica da Rainha Vitória. Três dias depois do seu falecimento a Assembleia da República manifesta o seu pesar e nesse mesmo ano o Instituto de Filosofia Brasileira reúne um importante conjunto de estudos sobre a sua vida e obra com textos de Afonso Botelho, António Braz Teixeira, João Bigotte Chorão, Paulo Borges, Jorge Preto, Francisco Soares, entre outros.

No dia 29 de Outubro de 1995 a Fundação Lusíada, organiza um colóquio sobre a vida e a obra do filósofo, com orações de Pinharanda Gomes, Orlando Vitorino, António Cândido Franco, Luís Furtado, Dalila Pereira da Costa, entre outros. Daqui resulta uma importante Sabatina de Estudos da obra de António Quadros e uma contribuição bibliográfica de enorme interesse.

Finalmente em Janeiro de 2009, por iniciativa de Mafalda Ferro e com o apoio de familiares, amigos, filósofos, escritores e artistas, nasce a Fundação António Quadros Cultura e Pensamento, que hoje reúne grande parte do espólio do escritor desenvolvendo actividades que têm vindo a promover o estudo da sua vida e obra.

Alexandre Sarmento

1 comentário:

  1. A leitura obrigatória Para todos. Os amais velhos para não esquecer os mais novos para aprender e não se deixar enganar. OB

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