quinta-feira, 6 de novembro de 2025

O papel civilizador de Portugal.

 



«Saído de regiões onde enfrentou, em especial, a frustração psicológica derivada, principalmente, da antinomia entre a ideologia e as realidades e do desajustamento mental do homem à nova ordem estabelecida, o educador - seguindo o itinerário demarcado - entra na África Portuguesa.

Fa-lo-á, talvez, um pouco sugestionado por frases como estas, pronunciadas por Nkrumah: "A desagregação social e a escravatura causadas pelo regime português em África atingiram o máximo" [L'Afrique Doit s'Unir]. Mas, se tiver lido, antes, o livro de Robert Andres, "L'Afrique Africaine", verá um capítulo encimado por este epíteto: "Milagre da colonização portuguesa - a sociedade multirracial".

Depois concluirá ser entre os extremos de um "crime" e de um "milagre" que oscila a ignorância da realidade do mundo português.


Entre os dois marcos vai fazendo carreira, também, a campanha de difamação que nos moveram, estimulada por aquela mesma Europa conluiada com o pan-africanismo; pan-africanismo que muitos responsáveis já reconhecem ser "uma mistura de mitos e de elementos contraditórios que serve de pretexto a um neocolonialismo africano, hipocritamente camuflado com o manto da unidade africana".

Crime? Será milagre descobrir territórios, valorizá-los, introduzir técnicas até aí desconhecidas, defender as populações de si próprias e desenvolver as suas capacidades originais, incutindo-lhes a noção da utilidade do trabalho?

Milagre? Será milagre o que adveio de um processo civilizacional por excelência e visa, acima de tudo, impelir o homem para o aproveitamento integral das suas virtualidades latentes?

"Crime", para uns, "milagre" para outros, a verdade é existir um quadro sociológico onde o o "anti-racismo" e o respeito pelos valores étnicos locais não são mitos; onde o homem não sofre passivamente as influências do meio e sobre elas reage, modificando-as e submetendo-as às exigências do seu desenvolvimento; e onde a convivência dos elementos não é estática mas dinâmica, produzindo, a todo o momento, resultados que valorizam os bens dados e recebidos.

Nkrumah, no seu último livro, Le Consciencisme - que representa um esforço notável mas improfícuo de procurar dar conteúdo renovado ao pan-africanismo decadente -, diz ser "preciso distinguir numa situação colonial uma acção positiva e uma acção negativa. A acção positiva representa a soma das forças que visam estabelecer a justiça social, abolindo a exploração e a opressão impostas por uma oligarquia. A acção negativa denuncia, por seu turno, a soma das forças que visam prolongar a sujeição e a exploração coloniais".

Se o político ganês - a quem não faltam audácia intelectual e cultura - aceitasse o convite - insistentemente feito pelo nosso Governo ao Secretário-Geral da O.N.U. e aos Chefes de Estados dos países africanos - e fosse visitar os territórios portugueses, veria, sem grande esforço, resultar toda a obra aí realizada de um somatório de actos tendentes a estabelecer a "justiça social" e a abolir "a exploração e a opressão impostas por uma oligarquia".

E depois teria de vislumbrar, para ser honesto consigo próprio, a tal "acção positiva" que, também no seu entender, "deve promover todas as ideias progressistas" E essas ideias progressistas as encontraria, igualmente, no ultramar português, com a única diferença de que não se desajustam nem à realidade sócio-económica dos territórios nem à idade mental das populações.

Africanismo! Não será africanismo ter o maior respeito pelo manifestar dos valores estéticos, morais e religiosos dos diversos e, por vezes, heterogéneos grupos que integram o mundo luso-africano? Sim, mas africanismo no bom e único sentido que, cultural e moralmente, pode e deve entender-se.

Quer dizer: dinamizando esses valores, fazendo-os coexistir e interpenetrar com outros trazidos de fora, que os vêm enriquecer mas não destruir, e que também recebem deles influências, por forma a criar-se uma síntese harmoniosa, susceptível de permitir o alvorecer de um novo mundo e de um novo homem.

Não tendo razão, pois, Aujoulat, quando, no seu livro Aujourd'hui l'Áfrique, diz que "o processo português de colonização é um processo inquietante, na medida em que implica a hegemonia de uma cultura, que não se crê somente superior mas única".

Não tem razão porque, para ser como ajuíza, havíamos de destruir primeiro o homem africano, em virtude de a cultura ser na essência obra sua e um fenómeno social por natureza.

Ora, o homem africano faz parte integrante e viva do mosaico étnico do mundo português e, portanto, também participa por forma activa no processo criador do luso-africanismo, que é o resultado do contacto de culturas e de civilizações várias - tantas quantos os tipos suficientemente diferenciados de existência social».

Oliveira e Castro («A Nova África», 1967).

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Histórias de um Portugal em lenta agonia!!!

 



HISTÓRIAS DA MINHA VIDA PROFISSIONAL, CURIOSAS E QUE MOSTRAM QUE ENTRE IDEIAS BEM-INTENCIONADAS E O PRAGMATISMO DOS QUE SABEM DA VIDA... VAI UM MUNDO...
1984. Fui nomeado CMDT Distrital da PSP de Viseu. Por inerência de funções fui também nomeado Presidente da Comissão Liquidatária do Albergue Distrital de Viseu.
Por decisão do poder político, os Albergues Distritais foram então, sumariamente, liquidados em todo o País. Mortos e enterrados. Coisa salazarenta, disseram.
Porquê? Questionei.
Declararam arrogantemente que a caridade dos Albergues era incompatível com as novas filosofias da segurança social; a solidariedade social iria substituir a caridadezinha salazarista, atentória da dignidade dos mais carenciados.
E o Albergue Distrital de Viseu, tal como todos os outros, foi liquidado. A quinta agrícola em que este se localizava e as suas instalações foram entregues à GNR/BT.
O Albergue Distrital de Viseu, tal como todos os outros, tinha custos Zero absoluto para o Estado e, eficácia igualmente total e absoluta, para as misérias sociais que a PSP identificava nas suas patrulhas e não só.
As instalações do Albergue Distrital tinham sido Doação dum filantropo, vivia de dádivas particulares e de rendimentos próprios da exploração agrícola anexa e era administrado pela PSP, a título gracioso; os Administradores eram o CMDT Distrital da PSP e agentes da PSP na reforma. Ninguém tinha qualquer salário ou benefício. Altruísmo puro.
Com a liquidação do Albergue Distrital, a Segurança Social assumiu assim, gloriosa e superiormente, as responsabilidades sociais dos albergues distritais.
O Albergue Distrital era então o Lar, de portas permanentemente abertas, noite e dia, para todos os sem abrigos, os mendigos, os desvalidos, os psiquicamente menos capazes de sobreviver, etc….
... todos ali tinham sempre e de imediato, a troco de nada, cama, mesa, banho, roupa lavada… ocupação e trabalho… se assim o desejassem e pudessem.
A Polícia quando referenciava mendigos, famintos, vagabundos, necessitados… ébrios, drogados, entregava os aos cuidados do Albergue… e ali podiam ficar para sempre. Se o quisessem.
Problema de polícia e social resolvidos ao minuto.
Em substituição dos Albergues nada, excepto um edifício gigante, o arranha-céus, dito da segurança social, muitas assistentes, inquéritos, entrevistas, resultados…. muitos empregos para os assistentes sociais.
Exemplos por mim vividos da Segurança Social versus Albergue Distrital ou a solidariedade social versus caridade e vice-versa.
Casos concretos, tal como ocorreram, sumários. (1984 e 1985)
Um dia uma senhora pede para falar com o comandante distrital da PSP. Recebi-a e disse-me. Tenho 27 anos, sou viúva, 3 filhos. Não tenho casa, nem trabalho, nem pão para os filhos.
Bati a todas as portas em Viseu, Segurança Social, Câmara Municipal, Governo Civil, Misericórdia e todas as portas se fecharam.
Procurei trabalho e nada. Não posso deixar morrer os filhos á fome.
Snr Cmdt, venho aqui dizer lhe, que a partir de amanhã vou ali para a circunvalação ganhar o pão como prostituta. Não deixe os seus polícias prenderem-me.
A PSP contactou a Segurança Social, nada, tinham pago uns meses de pensão e comida para a viúva e os 3 filhos, e não podiam mais.
As outras instituições depois de contactadas confirmaram nada poderem também.
A PSP descobriu familiares da viúva em Lisboa, contactou-os e predispuseram se a ajudar.
No entretanto, sem qualquer alojamento ou meios de subsistência e durante 8 dias, a PSP instalou a senhora e filhos nas celas (prisão) da PSP, alimentou-os nas messes e pagou os bilhetes de autocarro para Lisboa, Setúbal.
A Segurança Social não podia fazer nada… os polícias pagaram dos seus bolsos…
Outo caso, mais tarde…
A Directora da Segurança Social, revoltadíssima, telefona ao Cmdt Distrital da PSP e diz-me, parece impossível, uma idosa mendiga dormiu esta noite ali na rua direita ao frio, (era Dezembro), e a PSP nada fez…
... questionei a esquadra que me informou ser a mendiga conhecida da PSP desde há muito, ia e vinha de Tabosa frequentemente e dormia na rua, ... antes levavam-na para o Albergue, agora não havia para onde…
... foram buscá-la e mandei levá-la em carro da PSP/Viseu a Tabosa, contra as regras… a Directora esqueceu o facto de terem liquidado o Albergue e já não haver qualquer alternativa para a PSP poder ajudar…
... revistada a mendiga, tinha num saquinho de pano, umas centenas de escudos, que a Segurança Social lhe tinha dado por diversas vezes que a PSP a tinha lá levado…. prova da absoluta inutilidade prática da Segurança Social para resolver alguns casos…
E foram muitos, muitos mais…
A filosofia, a utopia, os sonhos, as fantasias quando se encontram com a realidade prática da vida não passam disso mesmo, sonhos, só sonhos, sempre só sonhos... a vida é outra coisa... menos azul ou cor de rosa.
JOSÉ LUIZ DA COSTA E SOUSA

Salazar, o ultramar português e a ONU.

 



«Não critico nem acuso; não há mesmo novidade na afirmação que não desvenda qualquer segredo. Foram por essa altura [no Conselho de Segurança de 6 a 9 de Junho de 1961] feitas pelos representantes oficiais dos Estados Unidos declarações que pretenderam definir uma nova política da grande nação americana em relação à África, e nessas declarações se fizeram críticas expressas à nossa administração ultramarina, às ideias retrógradas que seriam as nossas em confronto com as dos novos tempos, e se falou precisamente de Angola, como exemplo de uma obra de colonização atrasada, degradante para as populações, mesquinha para os territórios (não transcrevo, reproduzo o sentido geral).

Simplesmente, simplesmente estas acusações e estas atitudes de 13 a 15 de Março parece que foram recebidas por certos países africanos como de concordância para apoiarem abertamente a acção terrorista que desabou sobre Angola. Bem se sabe que os Estados Unidos não aconselhariam nem preparariam directa ou indirectamente actos terroristas. Os elementos subversivos vinham sendo de longe instruídos, catequizados, enquadrados dentro e sobretudo fora da Província, com o confessado auxílio dos países afro-asiáticos e de outros Estados na linha de orientação traçada pelo comunismo internacional. Mas no estado actual de África e dada a situação geográfica e política de Angola, para passar à acção, impulsionando-a do exterior, tinha inegável vantagem que da parte de uma grande potência ocidental e anticomunista houvesse uma palavra e uma atitude. Houve-as e infelizes.

Os Estados Unidos têm quanto à Rússia comunista e aos perigos da sua expansão uma política bem assente: apoiar com toda a força do seu poderio as potências do Ocidente Europeu, com as quais colaboram sem regatear meios através do Tratado do Atlântico Norte. Este Tratado é considerado, aliás sem ultrapassar os limites de uma aliança defensiva, a base da política americana contra o expansionismo soviético. Em boa hora criada, a organização pôde impedir, apesar de deficiências conhecidas, o ataque frontal às nações europeias. Aliás talvez este não estivesse na linha de acção russa quanto ao desmoronamento do Ocidente e à expansão do regime comunista no mundo.

Tem a Rússia, desde os tempos dos seus grandes doutrinadores, uma política igualmente bem definida quanto à África: a sua subversão como meio de contornar a resistência da Europa. O trabalho de subversão e desintegração africana tem sido sistemática e firmemente conduzido pela Rússia e nesta primeira fase, que é apenas expulsar a Europa de África e subtrair quanto possível os povos africanos à influência da civilização ocidental, estão à vista os resultados obtidos.

Ora, talvez por força do seu idealismo, talvez também por influência do seu passado histórico que aliás não pode ser invocado por analogia, os Estados Unidos vêm fazendo em África, embora com intenções diversas, uma política paralela à da Rússia. Mas esta política que no fundo enfraquece as resistências da Europa e lhe retira os pontos de apoio humanos, estratégicos ou económicos para a sua defesa e defesa da própria África, revela-se inconciliável com a que se pretende fazer através do Tratado do Atlântico Norte. Esta contradição essencial da política americana já tem sido notada por alguns estudiosos, mesmo nos Estados Unidos, e é grave, porque as contradições no pensamento são possíveis mas são impossíveis na acção.

Quando se hostiliza e enfraquece a França, ou a Bélgica ou Portugal, por força da política africana, ao mesmo tempo que se atinge a confiança recíproca dos aliados na Europa, diminui-se-lhes também a sua capacidade. As tropas retiradas para a Argélia não combaterão no Oder ou no Reno; mesmo as modestas forças que nós fazemos seguir para o Ultramar deixarão um vazio, pequeno que seja, no sector ou nas acções que nos fossem destinados. E a América, presa de esquematismos ideológicos, penso virá também a ser vítima - a última - desta contradição, se nela persistir.

A surpresa ante o ressentimento do povo português e a reacção que por toda a parte se verificou contra as atitudes e resoluções da ONU, levam-me a crer que os Estados Unidos cuja política tem sido sempre connosco de inteira compreensão e amizade, se encontraram diante de uma realidade diversa da que tinham pressuposto. Houve manifestamente grave equívoco em considerar o Ultramar português como território de pura expressão colonial; equívoco em pensar que a nossa Constituição Política podia integrar territórios dispersos sem a existência de uma comunidade de sentimentos suficientemente expressiva da unidade da Nação; equívoco em convencer-se de que Angola, por exemplo, se manteria operosa e calma, sem polícia, sem tropa europeia e com a força de 5000 africanos, comandados e enquadrados por dois mil e poucos brancos, se a convivência pacífica na amizade e no trabalho não fosse a maior realidade do território. E, havendo boa fé, todo o equívoco havia de desfazer-se em face da atitude de homens brancos e de cor que, vítimas de um terrorismo indiscriminado, clamam que não abandonarão a sua terra e que a sua terra é Portugal.

Alguns dos oradores da ONU, sem bem cuidarem dos termos da Carta, deram a entender não desejar outra coisa senão que as populações exprimam claramente a sua opção por Portugal, embora esta esteja feita desde recuados tempos, e constitucionalmente admitida e consolidada. Isso se chama a autodeterminação, princípio genial de caos político nas sociedades humanas. Pois nem assim quero fugir ao exame do problema, e em vez de embrenhar-me em divagações teóricas, restringir-me-ei ao exame prático do caso português.




Em pleno Oceano e já para sul da linha que define os limites políticos do Atlântico Norte, situam-se as dez ilhas de Cabo Verde. Vão de Lisboa a S. Vicente ou à Praia 2 900 quilómetros e de Washington às ilhas Hawai 8 mil, de modo que na teoria que se dispõe a contestar pelas distâncias a validade de uma soberania nacional parece não estarmos mal colocados. A superfície do arquipélago é de 4 mil quilómetros quadrados e a população orça pelos 200 mil habitantes. O aspecto geral é de secura e aridez. As manchas de terra seriam fecundas se houvesse água, mas o arquipélago não tem água e a chuva é escassa e incerta, além de que a erosão é activa. A incerteza e limitações da vida impelem à emigração para as costas fronteiras de África, sobretudo para a Guiné. Deste facto de vizinhança e interpenetração de populações advém terem surgido, na pujante floração actual de movimentos de libertação, um movimento para a Guiné e outro para a Guiné e Cabo Verde em conjunto. Como aquelas terras foram achadas desertas e povoadas por nós e sob nossa direcção, o fundo cultural é diferente e superior ao africano, e a instrução desenvolvida afirma essa superioridade, pelo que explica a ambição de alguns e a desconfiança dos restantes instalados na terra firme. Deste modo a independência de Cabo Verde teria de restringir-se ao Arquipélago, e não é viável.

Mesmo não considerados os anos de seca e de crise, Cabo Verde está sendo alimentado pela Metrópole quanto a investimentos e subsidiado pelo Tesouro para cobertura das despesas ordinárias. Daqui vem que os cabo-verdianos que vemos nos mais altos cargos da diplomacia, do governo ou da administração pública por toda a parte onde é Portugal, nunca pensaram em avançar no sentido de uma utópica independência mas no da integração, ao advogarem a passagem para o regime administrativo dos Açores e da Madeira. Assim o movimento é puramente fantasioso.

Dos valores de Cabo Verde um porém se destaca e de importância para a defesa do Atlântico Sul - é a sua posição estratégica, e esse valor pode ser negociado, evidentemente dentro de um quadro político e ético que não é o nosso. A tal independência que por outros motivos qualifiquei de inviável teria logo à nascença de ser hipotecada ou vendida, negando-se a si mesma, para obter o pão de cada dia. Mas para a transacção, desde que o Brasil não esteja interessado no negócio, só existe um pretendente possível.

Deixo de lado as pequenas ilhas de S. Tomé e Príncipe de que conheço as dificuldades económicas e deficiências financeiras, mas em relação às quais me parece não se terem instalado ainda em território estrangeiro os empreiteiros da sua hipotética libertação. E passamos à Guiné - à volta de um terço em superfície do território continental, com 600 mil habitantes. O clima faz que seja o autóctone a cultivar a terra e o europeu ou o levantino, do Líbano sobretudo, que movimenta o comércio. A administração tem sido prudente e modesta como o impõem as condições, mas nalguns sectores, como no da saúde e assistência, tão rasgada e competente que a Organização Mundial da Saúde classificou a campanha contra a lepra como a melhor de toda a África. Seja quais forem as aspirações das populações nativas a melhor nível de vida, uma coisa é certa: o seu amor à terra em propriedade individual observa com o maior receio as inovações que sob inspiração chinesa se preparam para além das fronteiras; e o trabalho livre a que se habituaram parece-lhes ameaçado pelas formas introduzidas em países vizinhos. De modo que os perigos que ameaçam a Guiné portuguesa não são propriamente os despertados pelo movimento de libertação do território.

Os seus representantes mesmo que portadores de algum mandato ou ambição legítima trabalham por conta alheia, pois nada poderiam contra forças de que poderá ajuizar-se, observando no mapa os Estados vizinhos e lendo na imprensa e ouvindo na rádio o eco das suas ambições. Enganam-se os que pensam para um futuro próximo em quaisquer soluções federativas ou outras para remediar os desconcertos da África actual: alguns dos novos chefes daqueles Estados não surgiram para se entenderem; a sua tendência será para se alargarem mas à custa dos outros, e todos sob o enganoso signo da libertação dos povos africanos.

O Estado da Índia, pequenino que é com os seus 650 mil habitantes e 4 mil quilómetros quadrados para preencher os quais são precisos quatro ou cinco territórios dispersos, não há dúvida que constitui uma individualidade distinta na Península do Industão. Aí se operou uma fusão de raças e culturas e, sobretudo, se criou um género de vida tal que por toda a parte o goês, como o comprovam as notações estatísticas internacionais, se distingue e não pode ser confundido com o indiano. Este continuará a arrastar consigo a divisão e irredutibilidade das castas, a confusão das línguas, o lastro da sua cultura oriental; enquanto o goês recebeu do Ocidente uma luz nova que, em harmoniosa síntese com os valores de origem, iluminou toda a vida individual e colectiva e caldeou, através cinco séculos de permanência e vida comum, a sua ancestralidade de sangue, com novo sangue, costumes e tradições. Compreende-se Goa a fazer parte da Nação portuguesa, porque nas crises o Estado português a apoia, a guia e financeiramente a sustenta; mas não podia o Estado da Índia assegurar por si a sua própria independência, apesar da típica individualidade que depois de tantas tergiversações acabaram todos em reconhecer-lhe. Assim os representantes mais categorizados do "movimento da libertação de Goa" foram levados pela força de circunstâncias evidentes a confessar que só exigem a independência dos territórios para integração na União Indiana.

O que chamamos província de Macau é quase só a cidade do Santo Nome de Deus, lugar de repouso e refúgio do Extremo-Oriente, incrustada na China continental. A província tem atravessado períodos de prosperidade e decadência, esta agora devida ao bloqueio americano da China que tirou a Macau a parte mais importante do seu comércio. E, como não pode estender-se, sofre das suas limitações naturais. A existência de Macau como terra sujeita à soberania portuguesa funda-se em velhos tratados entre os Reis de Portugal e os Imperadores da China, de modo que, se estes textos jurídicos mantêm, como deve ser, o seu valor, através de mutações dos regimes políticos, está assegurada a individualidade daquele território e a sua integração em Portugal. Mas se saíssemos do terreno da legalidade para fazer apelo a outros factores, certo é que Macau, fosse qual fosse o valor da nossa resistência, acabaria por ser absorvida na China de que depende inteiramente na sua vida diária. E o mundo ocidental ficaria culturalmente mais pobre.

Nas Índias Orientais há uma pequena ilha que se chama Timor, metade da qual partilhámos com a Holanda e desde 1945 com a República da Indonésia. Perdido entre as mil ilhas deste Estado, Timor não tem condições de vida independente. À parte o que tem sido necessário gastar ali para desenvolver o território e elevar o nível social das populações por meio de dispêndios extraordinários em planos de fomento, a vida ordinária não se basta e o Tesouro vê-se obrigado a cobrir parte importante das despesas correntes. Apesar de tudo a população, quando liberta de pressões ou influências estranhas, leva tranquilamente a sua vida e nas crises mais graves a dedicação dos povos para com a Nação portuguesa toca as raias do heroísmo.

Quando as forças japonesas na última guerra devastaram sem justificação nem utilidade o Timor português e a autoridade que representava a soberania no território ficou privada de meios para exercício efectivo do poder, foram quase só os timorenses a marcar ali por muitos modos a presença de Portugal. É curioso notar que se deve precisamente aos Estados Unidos a reentrega de Timor: por força de compromissos tomados connosco, sem dúvida, mas contra interesses que então seriam porventura de considerar se se não tratasse de Portugal.

Não se pode saber o que daria neste caso sob pressões estranhas a autodeterminação. Aquele pequeno grupo de cuja autenticidade duvidamos e que finge em Jacarta trabalhar pela libertação de Timor não pode pretendê-la senão para a trespassar à República da Indonésia que não teria então os escrúpulos de agora em aceitá-la. Port Darwin fica porém a uma hora de avião de Díli e alguém haveria de perturbar-se, ao menos tanto como nós, com o acontecimento.

Quer dizer: em todos os casos considerados e dadas as actuais circunstâncias, sempre que as Nações Unidas advogam a autodeterminação como acesso possível a soluções diversas, só podem de facto chegar à independência dos territórios, e, quando conseguissem a independência destes, ser-lhes-ia vedado querer coisa diferente da sua integração noutros Estados, isto é, a transferência da soberania para algumas delas. Ora, sendo esta a questão, devo dizer, sem arriscar confrontos desagradáveis, que em qualquer das hipóteses não podemos ser considerados nem menos dignos, nem menos aptos para o Governo sobre os povos de raças diferentes que constituem as Províncias de além-mar. Tentar despojar-nos dessa soberania seria pois um acto injusto, e, além de injusto, desprovido de inteligência prática. E explico porquê.

Nós somos uma velha Nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e para civilizar pagar com o suor do rosto o trabalho da colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória internacional, talvez se pudesse, à luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo - a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e se não dá, se larga. Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a O.N.U.»).


O Anti-colonialismo dos amigos americanos!!!

 

~


«Um factor que contribuiu para [a] aceleração [da "descolonização" em geral] foi a assinatura da Atlantic Charter em 12 de Agosto de 1941. O mentor do documento, o Presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, queria assegurar a independência dos territórios controlados pelos Impérios Coloniais e defendia o direito de todas as nações à independência, paz, desenvolvimento económico e a não sujeição a situações de tirania, à semelhança do que os EUA se preparavam para fazer em relação às Filipinas. A bondade, não do documento em sim mas da intenção é controversa conhecendo-se a natureza do capitalismo norte-americano».

Tenente-General José Francisco Nico (in «Guerra d'África 1961-1974: Estava a Guerra Perdida?»).

Salazar e a campanha anti-colonialista.

 


«Um dos ventos que dominantemente sopra no mundo é o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potências o direito de administrar e civilizar territórios não limítrofes - parece que toda a questão está aqui - e vai até negar os próprios benefícios da acção colonizadora.

O sovietismo tem a sua posição tomada no problema por motivos que se ligam à estratégia da revolução comunista ou à expansão do império russo. Mas o movimento concilia o apoio de muitos outros a ele ligados pela invocação de razões históricas ou pela influência de vagas ideologias. Estes últimos deviam considerar se, em vez de libertações generosas, não estão nalguns casos a promover a penetração de influências que buscam exactamente a linha de menor resistência das independências frágeis.

O que está em causa no momento é apenas o domínio de certas potências europeias nos territórios africanos, visto poder afirmar-se que a Ásia está quase completamente isenta de direcção política europeia. É para ali que sobretudo se voltam as atenções; é com esse objectivo sobretudo que a campanha se transmuda em organização estruturada.

Ora tomada a colonização como um processo de valorização económica de territórios submetidos a esse regime, bem como da sucessiva ascensão das respectivas massas populacionais a formas superiores de convívio social e de governo, não se verifica uma solução única dos problemas que o fenómeno suscita, e pelo menos três grandes linhas de acção se podem enunciar.

Assim a Inglaterra tem actuado no sentido da independência completa dos territórios, esforçando-se por mantê-los no seio da Comunidade. O processo é facilitado pelo carácter tradicional da colonização britânica, onde a miscigenação é inexistente e a fixação da população branca bastante escassa. Definidos os quadros da administração, servidos pelos elementos aborígenes, a questão da declaração da independência dos territórios não apresenta dificuldade de maior. Não se dirá o mesmo daquelas regiões onde o europeu se fixou em larga escala, organiza e dirige o trabalho e constitui o esboço mais ou menos desenvolvido do governo local. Nesta hipótese a eventual constituição em Estado independente será vista a luz diferente por países como os Estados Unidos e a União Indiana, por exemplo, porque aquele propenderá a olhar para a emancipação do colonizador, enquanto esta não verá no facto a emancipação do colonizado.

A França caminha noutro sentido - a formação de estados federados com a Metrópole francesa. Parece ser esta a orientação definida ainda que neste momento não possa dizer-se que existe aqui ou ali um estado perfeito, membro do Estado federal, tal qual o conhecemos na América ou na Europa.

Quanto a nós, o caminho seguido define-se por uma linha de integração num Estado unitário, formado por províncias dispersas e constituídas de raças diferentes. Trata-se, se bem interpreto a nossa história, de uma tendência secular, alimentada por uma forma peculiar de convivência com os povos de outras raças e cores que descobrimos e a que levámos, com a nossa organização administrativa, a cultura e a civilização comuns aos portugueses, os mesmos meios de acesso à civilização. Só a nível desta pode ser o meio de diferenciação do regime jurídico atribuível a uns e a outros. Além disso a equiparação dos territórios a províncias, a representação destas diversas parcelas na única Assembleia representativa e a intercomunicação dos elementos do funcionalismo por todos os territórios independentemente de origem e de raça são traços dominantes do sistema.

Este esboço de classificação não pretende confrontos ou críticas, porque só a história poderá autorizar um juízo. Nós cremos que há raças, decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação às quais perfilhámos o dever de chamá-las à civilização - trabalho de formação humana a desempenhar humanamente. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir a teia de rancores ou de organizações subversivas que se apresentem a negar e aprestem a substituir a soberania portuguesa. Este facto conhecido e revelado por todos os observadores deve estar ligado ao convívio fundamente humano estabelecido pelo português com o indígena em toda a parte, e até por certa interpenetração de culturas, quando se podia dizer que localmente havia uma cultura.

Tem-se apresentado contra o conceito português das províncias ultramarinas a objecção da separação geográfica, da falta de contiguidade territorial. O argumento não pode ser decisivo, desde que no Atlântico os Açores são ilhas adjacentes, Cabo Verde aspira ao mesmo regime, e desde que há numerosos Estados constituídos por parcelas distanciadas mais do que Lisboa está de algumas das províncias do Ultramar. Trata-se de factos ou criações históricas para as quais se procuram debalde ajustamentos a teorias lineares.

Se uma das mais flagrantes realidades do nosso tempo é a formação de grande número de Estados independentes, outra é o aspecto que nos oferecem de um nacionalismo por vezes exaltado e exclusivista. Este é certamente filho da sementeira de ódios em que a libertação houve de processar-se, tratando-se de movimentos emocionais que esperamos sejam transitórios e de pouca duração. O pior é que por aquele motivo se está a tolher nesses Estados a solução dos seus problemas económicos e consequentemente políticos. Como se trata de mancha extensiva a grandes zonas, valerá talvez a pena dar ao assunto um momento de atenção.

Um nacionalismo construtivo e colaborante devia satisfazer-se com uma condição - a integração na economia nacional dos factores - técnica, capital e trabalho - que se disponham a valorizá-la. Salvaguardada esta reserva, todas as mais garantias me parece jogarão contra os interesses do País na mesma medida em que joguem contra os interesses alheios. Estou a raciocinar na base de que os factores da produção que se transfiram para valorização económica de uma região ou nação são de ordem privada ou, sendo públicos, não prescindem de certas garantias. Creio que será este o estado da questão durante muito tempo. A ideia de que os povos considerados ricos devem colocar ao dispor da comunidade internacional gratuitamente os capitais necessários ao desenvolvimento dos vários países está tão longe das bases da organização e do espírito geral que não constituirá por ora solução prática. Os fundos desinados a melhoramentos, investimentos etc., de organismos internacionais são tão diminutos em relação às necessidades existentes que mais se devem considerar gestos de boa vontade, representando o que a dádiva representa na vida, do que meio eficaz de resolver as dificuldades.

Ora o recurso a capitais e factores privados arrasta consigo o problema das garantias e das compensações. Os novos nacionalismos reagem violentamente a exigências económicas e a compensações políticas que diminuam ou atinjam a plena capacidade de determinação dos seus governos. Não seremos nós quem estranhe o facto ou lhes recuse o direito de se oporem a essas condições, mas há um mínimo para além do qual se não recuará - é o limite representado pela eficiência e seriedade da administração pública, sobre as quais assentam a estabilidade de condições económicas e a rentabilidade dos capitais. Isto no fundo significa a existência de uma soberania que por elas responda. Fora desta linha, ou nada se há-de realizar ou não se fugirá a novas formas de imperialismo, mas com este ou outro nome o fenómeno reaparecerá.

Parecem-me por isso inconsistentes muitas aspirações ou requerimentos trazidos aos organismos internacionais, ilusórias muitas esperanças, desmedidas muitas ambições. Dois ou três países podem no momento competir entre si nas liberalidades concedidas neste domínio - a Rússia com mais possibilidades práticas do que outras nações de diferente estrutura económica. Isso se pode continuar a fazer com fins especiais; mas as exigências da economia mundial quando se lhe dá precisamente por alvo o aumento indefinido do nível de vida da população do globo não podem ser razoavelmente satisfeitas dentro dos limites naturalmente restritos destas competições.

Eis porque a emancipação não pode deixar de representar maioridade e consciência, aptidão para organizar o trabalho, condições para cumprir internacionalmente os deveres assumidos, senão nelas teremos a origem de novas servidões. A economia é bem a vida para que possa julgar-se que pode desprender-se da política ou esta daquela como se queira. Não. As grandes realidades que são as necessidades humanas, o trabalho, a produção impõem limites à acção dos homens, e as ideologias não bastam para matar a fome dos povos.

A França continua a ser a mais importante abastecedora de capitais e técnica dos países a que se estende a sua soberania, ou que, libertos dela, vivem dos laços de um passado recente. Tudo o que é ainda Comunidade Britânica, continua a ter em Londres o possível apoio económico e financeiro. E bem é que assim seja, porque quando se viu que a ruptura de laços políticos importou a estiolação dos laços económicos e financeiros ou por ter desaparecido toda a garantia de solvabilidade ou pelo despertar de sentimentos agressivos que tornam impossível a colaboração, não se viu como a situação pudesse ser remediada. Há tantos exemplos recentes que decerto cada um os tem debaixo dos olhos.

Quero dizer, em resumo, que todo este vento de agitações ou de subversão que vai pelo mundo atende à maturidade e condições de vida dos povos que visa, arrisca-se a satisfazer apenas em muitos casos ambições, mas não postula por si a satisfação das necessidades daqueles. Desperta movimentos emocionais que podem até apresentar-se invencíveis mas deixam no seu rasto problemas que não podem por si resolver».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais», 1957).

quarta-feira, 22 de outubro de 2025

O progresso de Angola durante a Guerra Colonial

 


Acentue-se que, antes de 1961, a imigração de portugueses da Métropole insuflara o incremento da agricultura, da indústria e do comércio. As zonas urbanas de Luanda e de outras cidades cresceram muito para além das previsões mais espectaculares. Sem exagero, um gigantismo quase assustado.

O terrorismo pouco fez paralisar - e menos ainda retroceder - essa febril actividade, de que nasceram as fábricas, aumentaram as áreas cultivadas, abriram lojas de perfeito cariz europeu. Dia a dia, mês a mês, a paz retomava os seus direitos. Voltou-se aos tempos antigos, de trabalho e lazer. Muitíssimo mais de trabalho, valha a verdade, pois cerca de setenta mil militares destacados para Angola implicavam esforços suplementares, que não eram regateados, ao invés, se aceitavam com alegria.

A celebrada frase de que se deveria erguer um "monumento ao terrorismo" teve o seu quê de realístico, face à atenção com que a Metrópole se viu obrigada a olhar o Ultramar. É justo, porém, reconhecer que, se o terrorismo, paradoxalmente, incrementou o progresso de Angola, também Portugal recolheu benefícios, porque, ao enviar tropas para África, houve que modificar e ampliar estruturas, que foram desde o vestuário, à alimentação e ao material de guerra.

Inevitavelmente, esquece-se o lado positivo do conflito, agora designado, em termos pejorativos, de "guerra colonial". Apontam-se-lhe atrasos na economia da Metrópole. Creio que, em termos de fria contabilidade, não se fizeram contas. Se assim tivesse acontecido, talvez o saldo fosse lucrativo para os portugueses da Europa.

De qualquer modo, a questão parece-me iníqua. Entre cidadãos da mesma Pátria que falavam uma só língua, que se abrigavam à sombra de uma única bandeira, que seguiam idênticos costumes, que respeitavam e se orgulhavam de tradições comuns, em suma, que formavam uma Nação, os prós e os contras não se podem computar nas colunas do "deve" e do "haver", como vulgar balanço comercial. O que estava em causa eram os sentimentos, era a integridade territorial do País.

Entretanto, doa a quem doer, a economia da colónia sustentou as necessidades da guerra e ainda sobraram divisas que aproveitaram à Metrópole.

Escuso-me a citar estatísticas, porque elas são como os fatos de banho: escondem o que mais interessa. E as estatísticas da Metrópole sempre pecaram por defeito. Nós, os angolanos, jamais compreendemos as motivações dos governantes para esconderem valores e números; até a densidade da etnia branca, fácil de balancear através dos elementos significativos fornecidos pelos centros urbanos.

Pompílio da Cruz («Angola: Os Vivos e os Mortos»).

terça-feira, 21 de outubro de 2025

Oliveira Salazar - O Ultramar Português e a O.N.U.

 

Avenida Pinheiro Chagas, Lourenço Marques.

«Há porém as outras grandes Províncias de África, dotadas, pela sua extensão, população e riquezas, de muito maiores possibilidades. Estas possibilidades não significam que estejam isentas de graves crises, que não seja o Estado a facultar-lhes os meios para o fomento ou que não tenha o Tesouro de acudir-lhes com fundos e empréstimos gratuitos para as equilibrar financeiramente. Mas porque a sua grandeza as torna especialmente cobiçadas, ocupamo-nos delas à parte e temos de fazer referência aos vários aspectos que mais possam interessar-nos hoje.

As diatribes lançadas de altas tribunas por pessoas responsáveis contra a obra colonizadora portuguesa, à parte o que se deve a atitudes emocionais e interesses inconfessados, assentam seguramente no desconhecimento do que sejam Angola e Moçambique. Algumas responsabilidades nos caberão no facto, a nós que, absorvidos no nosso trabalho, as não apresentamos devidamente ao mundo. A ignorância parece generalizada, tantos são os que falam como se elas se encontrassem como em quatrocentos, abandonadas à incapacidade de seus naturais.

Em contrapartida, as pessoas que as visitam sem preconceitos admiram-se da floração e beleza das cidades e das vilas, do progresso das explorações agrícolas, das realizações industriais, do ritmo da construção, dos característicos aspectos da vida social.

Não vou ocupar-me do estado económico e social das suas Províncias, mas estou a olhar para umas estatísticas oficiais estrangeiras, algumas da ONU, e respigo ao acaso algumas indicações. Ponho de lado a África do Sul onde nascem ouro e diamantes e onde a massa branca numerosa pôde dar aos territórios um desenvolvimento sem comparação no Continente. Mas vejo, por exemplo, o número de edifícios construídos nalguns territórios de África: Angola encontra-se largamente à cabeça da antiga África Ocidental Francesa, do Quénia, do Tanganica, de Uganda. O número de metros quadrados de área coberta construída por mil habitantes foi em Angola em 1959 de 76,8 contra 6,3 ou 51,3 ou 14,2 ou 17,8 nas outras regiões citadas.

Em quilómetros de via férrea por mil quilómetros quadrados de superfície, Moçambique é igual ao Ghana e só é suplantado pela Serra Leoa, o Togo, o Daomé, todos de diminuta superfície; Angola, iguala o antigo Congo Belga e tem abaixo de si os Camarões, as antigas África Equatorial e África Ocidental Francesas e Madagáscar. Quanto a veículos (locomotivas, carruagens e vagões) Moçambique só é excedida pela Federação das Rodésias, pelo Ghana, pela África Oriental Britânica; Angola está em bom lugar quando por seu turno a comparamos com os outros territórios ao sul do Saará.

Relativamente a potência instalada e a energia produzida, por habitante, embora com representação honrosa, pois que em 57 superámos a Federação da Nigéria, estamos largamente ultrapassados pela Federação das Rodésias, pelo Congo ex-Belga e pelos Camarões ex-franceses; mas é de notar que tanto em Angola como em Moçambique as cifras duplicaram, pelo menos, de 1957 para cá e depois da conclusão de Cambambe os nossos números serão muito mais favoráveis ainda.

Luanda-1970


Nas costas ocidental e oriental de África, em qualidade de instalações fixas e apetrechamento, os grandes portos de Angola  - Luanda e Lobito - e de Moçambique - Lourenço Marques e Beira - ombreiam com os melhores daquele Continente. Em tráfego, de entre os portos de África do Sul do Saará, da Mauritânia pelo Cabo até ao Sudão, Lourenço Marques só é ultrapassado por Durban, e a Beira por estes dois e pelo Cabo.

Em questões de saúde somos os precursores em África das campanhas de acção sanitária e fomos de igual modo os precursores da assistência materno-infantil. Não vou cansar dando nota aliás impressionante dos nossos estabelecimentos hospitalares nas províncias de África, mas apresentarei alguns números fornecidos pela Organização Mundial da Saúde relativamente à lepra em vários territórios africanos: assim Moçambique, com 5.647.000 habitantes tem 80 mil gafos e em tratamento para cima de 60 mil; o Tanganica, para uma população de 8.800.000 habitantes, tem 100 mil gafos e em tratamento apenas 34 mil; Ghana tem em 4.200.000 habitantes 50 mil gafos e em tratamento 26 mil; o Quénia para uma população de 6.250.000 habitantes tem 25 mil gafos mas só 350 em tratamento; a Nigéria para uma população de 25 milhões de habitantes tem 540 mil gafos e em tratamento apenas metade ou seja precisamente 274.790, etc. Daqui se deduz que a percentagem dos doentes tratados é muito superior em Moçambique à dos territórios que indiquei.

E apesar de tudo não podemos considerar-nos satisfeitos. A vastidão dos territórios por si própria sugere empreendimentos sem conta e arrisca-se mesmo a fazer perder a muitos o sentido das proporções e das possibilidades materiais ou humanas para que se possam realizar, em curto prazo. Em todo o caso, em face do exame imparcial de muitos problemas, parece-me que dois ou três devem ser destacados e receber, em primeira prioridade, impulso mais decisivo para a sua solução. Refiro-me especialmente ao sistema de comunicações, à multiplicação de escolas primárias e técnicas, à maior divulgação de postos ou serviços sanitários.

As estradas devem considerar-se naqueles territórios o mais forte veículo do progresso. Podendo circular, os homens fazem por si muito do restante. Com a saúde teremos aumentado o bem-estar das gentes e a sua capacidade produtora. Os naturais mostram-se sedentos de instrução, porque nela vêem o meio de valorizar-se, de melhoria económica e mesmo de ascensão política. Há que matar-lhes a sede, sem esquecer equilibrar as escolas nos graus médios e superiores com o desenvolvimento económico geral, sob pena de criar-se perigosamente um proletariado intelectual, dado à agitação pelo desemprego e à política pela ambição. Se não fora ter-nos sido imposto o esforço de debelar o terrorismo, nós devíamos dedicar-nos àquele programa, como o de maior rendimento para as Províncias Ultramarinas. Nas actuais circunstâncias porém só com suprimentos externos o poderemos fazer.

Estação ferroviária da Beira, Moçambique em 1970.

Estas são coisas materiais que têm muita importância mas não deviam ser tomadas por decisivas, porque numa sociedade de homens o que acima de tudo importa é o tipo de relações humanas. A maneira de ser portuguesa, os princípios morais que presidiram aos descobrimentos e à colonização fizeram que em todo o território nacional seja desconhecida qualquer forma de discriminação e se hajam constituído sociedades plurirraciais, impregnadas do espírito de convivência amigável, e só por isso pacíficas. A integração política não derivaria de uma assimilação completa, mas sobretudo da confraternização estabelecida sem distinção de credos ou de cores, e da criação de uma consciência de nação e de pátria comum, naturalmente mais vasta que o pequeno horizonte em que os indivíduos e as suas tribos podiam mover-se.

Ora é facto indesmentível e de observação corrente a existência em Angola e Moçambique de uma comunidade de raças vivendo em perfeita harmonia e compreensão, sem mais diferenças na vida pública ou privada que as que nas outras sociedades são marcadas pela diversidade de níveis económicos e de aptidões pessoais. De muito longe compreendemos que, só nestas condições, o branco pouco numeroso em relação ao negro e ao mestiço, podia, excluída a sujeição violenta, exercer a acção que lhe competia, dirigir o trabalho da comunidade, criar trabalho pelos investimentos que não estão ao alcance da massa, elevar esta ao seu próprio nível de civilização.

Nestas circunstâncias parece inútil discutir se é possível uma sociedade plurirracial, pois que existe, e nada demonstra mais cabalmente a possibilidade do que ser. Mas serão de discutir as formas de coexistência? Teoricamente, sim, mas como se trata já de factos e de situações estabelecidas, a melhor luz a que pode examinar-se a questão é ver as consequências a que levaria a destruição daquelas.

Os novos Estados africanos discriminam contra o branco, e isso o podem fazer nos territórios em que a obra colonizadora obedeceu a moldes diferentes e o branco, se trabalhava para viver, não estava instalado para ficar. Ora nós estamos precisamente no limite do racismo negro que vem estendendo-se até ao Zaire e que pelo Tanganica e pela Niassalândia atinge o Norte e Noroeste de Moçambique. Esse racismo negro tem-se revelado de tal modo violento e exclusivista que as sociedades mistas existentes ao sul se lhe não podem confiar. Pode-se, matando ou expulsando o branco, eliminar o problema, mas este não o pode resolver o racismo, se o branco, porque tem ao menos os mesmos títulos e goza de pelo menos igual legitimidade, pretende ficar naquela terra que é também a sua.

Avenida da República, Lourenço Marques, 1970


Pouco importa que alguns sorriam da nossa estrutura constitucional que admite províncias tão grandes como Estados e Estados tão pequenos como províncias, e se entretenham a pôr em dúvida soberanias, aliás indiscutíveis, ou a menosprezar civilização e cultura incontestavelmente superiores, ou a desconhecer necessidades de defesa ligadas a territórios sob a autoridade ocidental. O grande problema subsiste, resultante da instalação definitiva da população branca e do facto de se encontrar nas suas mãos quase exclusivamente a direcção do trabalho, o financiamento das empresas, a administração do bem público. Esta, sim, esta é uma questão que merece a atenção de estadistas e não duvido de que, se nela atentassem, não mais nos estorvariam de encaminhar um problema que, nos nossos territórios, só nós, pelos nossos métodos, somos capazes de resolver.

As fórmulas políticas, quaisquer que sejam, não podem desconhecer as circunstâncias de facto que aí ficam apontadas. Estamos em face de sociedades, em evolução forçosamente lenta, que eu creio há o maior interesse em salvar e fazer progredir. Elas apoiam-se moralmente no princípio da igualdade racial mas política e juridicamente não podem abstrair, para defesa própria e garantia de progresso, da diferença de méritos individuais. Para que estes princípios funcionem sem a indevida sujeição de grandes massas ao escol branco ou preto, é necessário que estejam garantidas a todos as mesmas possibilidades de acesso económico ou cultural. Ou a não discriminação está presente em toda a acção pública e privada, ou o edifício ruirá. Por outro lado sem se atingir um grau elevado de homogeneidade, fisiológica ou moral, das populações, a construção não poderá manter-se sem o apoio que há-de assegurar a genuinidade dos princípios e a vida da comunidade no equilíbrio que presidiu à sua própria formação.

Ouço às vezes falar de soluções políticas, diferentes da nossa solução constitucional e possivelmente inteligíveis em séculos vindouros. Não desperdicemos tempo a apreciá-las, porque o essencial agora é o presente e o presente é tão simples como isto: o que seria de Angola na actual crise, se Angola não fosse Portugal?

Isto vem a dizer que a estrutura actual da Nação portuguesa é apta a salvar de um irredentismo suicida as parcelas que a constituem e que outra qualquer as poria em risco de perder-se não só para nós mas para a civilização.

A estrutura constitucional não tem aliás nada que ver, como já uma vez notei, com as mais profundas reformas administrativas, no sentido de maiores autonomias ou descentralizações, nem com a organização e competência dos poderes locais, nem com a maior ou menor interferência dos indivíduos na constituição e funcionamento dos orgãos da Administração, nem com a participação de uns ou outros na formação dos orgãos de soberania, nem com as alterações profundas que tencionamos introduzir no regime do indigenato. Só tem que ver com a natureza e a solidez dos laços que fazem das várias parcelas o Todo nacional.

Abusei demasiado da vossa paciência mas vou terminar já.

Deve ter-se notado que me ocupei do que era essencial na atitude da ONU para connosco mas não do teor das suas deliberações. Achei que não valia a pena. Toda a gente terá reparado no que aquelas contêm de abusivo em relação aos termos expressos da Carta e falho de razão em relação aos factos e ao comportamento que perante eles deve ter um governo responsável.

A insistência em menosprezar o princípio fundamental da não intervenção nos assuntos internos dos Estados membros mereceu tais reparos e causa tais apreensões aos que ainda depositam alguma confiança no futuro da Organização que é de prever esta venha a alterar a sua conduta, no caso de desejar sobreviver.

Barragem de Cabora Bassa, Moçambique


O convite às autoridades portuguesas para cessarem imediatamente as medidas de repressão é uma atitude, digamos, teatral do Conselho de Segurança e que ele não tem a menor esperança de ver atendida, tão gravemente ofende os deveres de um Estado soberano. Desde os meados de Março não acharam nem o Conselho nem a Assembleia oportunidade para ordenar aos terroristas que cessassem os seus morticínios e depredações, e tantos dos seus membros o podiam ter feito com autoridade e eficácia. Mas quando intervém a autoridade cuja obrigação é garantir a vida, o trabalho e os bens de toda a população, essa obrigação ou primeiro dever do Estado não haverá de ser cumprido, porque é necessário que os terroristas continuem impunemente a sua missão de extermínio e de regresso à vida selvagem.

A consideração de que a situação em Angola é susceptível de se tornar uma ameaça para a paz e para a segurança internacionais, essa, sim, pode ter algum fundamento, mas só na medida em que alguns dos votantes se decidam a passar do auxílio político e financeiro que estão dando, para o auxílio directo com as suas próprias forças contra Portugal em Angola. Tudo começa a estar tão do avesso no mundo que os que agridem são beneméritos, os que se defendem são criminosos, e os Estados, cônscios dos seus deveres, que se limitam a assegurar a ordem nos seus territórios são incriminados pelos mesmos que estão na base da desordem que ali lavra. Não. Não levemos ao trágico estes excessos: a Assembleia das Nações Unidas funciona como multidão que é e portanto dentro daquelas leis psicológicas e daquele ambiente emocional a que estão sujeitas todas as multidões. Nestes termos é-me difícil prever se o seu comportamento se modificará para bem ou não agravará ainda para pior. Se porém virmos este sinal no céu de Nova Iorque, é meu convencimento que estão para breve catástrofes e o total descalabro da Instituição.

Muitas pessoas, em face dos votos contrários a Portugal e das abstenções, inferem do seu número um isolamento perigoso para o nosso país no convívio internacional. Espero que não nos intimidemos os que estamos seguros de ter razão e estamos convencidos de poder demonstrá-la. A vida internacional não é toda feita na ONU e os votos são mais o resultado de um processo competitivo que ali se estabeleceu do que a expressão de um juízo válido sobre questões internacionais ou ultramarinas. Verifica-se – é certo isso – em muitos países como que uma onda de pânico e de intimidação, correlativa da falta de fé nos princípios, que continuo a considerar válidos, da civilização ocidental. Agora quem parece ter razão são os Estados afro-asiáticos. Mas com um pouco de coragem da nossa parte, eles acabariam por compreender que há limites a não ultrapassar.

Liceu Salazar, Lourenço Marques


Embora sob a acção de uma intensa campanha de difamação internacional, muito bem dirigida pela Rússia comunista que aliás nos obsequiou declarando a sua posição, vemos que a mesma não conseguiu obscurecer muitas das melhores inteligências nem arrastar consigo a opinião dos países representados. Veja-se, por exemplo, como tem reagido o escol intelectual do Brasil, em face do ataque a Angola, a província africana que, por várias vicissitudes da história comum, quase considera como fazendo parte do seu património moral. Veja-se, por exemplo, se a Espanha que nesta crise nos tem acompanhado momento a momento com a vivacidade do seu temperamento e o fervor da sua afeição fraternal, veja-se se ela não compreende bem que o ataque a Portugal foi apenas o aproveitar de uma oportunidade e tanto podia ser contra nós como contra ela, ou será uma vez contra ela e outra contra nós. Até que os europeus compreendam, contra este sudoeste da Europa continuarão a desferir-se golpes sob todos os pretextos, porque é necessário fazê-lo ruir para cair tudo o mais.

Sejam quais forem as dificuldades que se nos deparem no nosso caminho e os sacrifícios que se nos imponham para vencê-las, não vejo outra atitude que não seja a d
ecisão de continuar. Esta decisão é imperativo da consciência nacional que eu sinto em uníssono com os encarregados de defender lá longe pelas armas a terra da Pátria. Esta decisão é-nos imposta por todos quantos, brancos, pretos ou mestiços, mourejando, lutando, morrendo ou vendo espedaçar os seus, autenticam pelo seu mesmo martírio que Angola é terra de Portugal».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a O.N.U.», 1961).

terça-feira, 16 de setembro de 2025

Testemunhos que ficam para a História.

 



UM HINO DE LOUVOR AOS SOLDADOS RASOS PORTUGUESES,
pelo General dos EUA, William C. Westmoreland, em discurso ao Congresso dos EUA:

"(...) Querem vencer o Vietname, senhores? Dêem-me 8.000 soldados desta gente, e ainda este ano o comunismo cai nas terras da Indochina.”

“Eu vi corpos de tropas mais numerosos, batalhas mais disputadas, mas nunca vi, em nenhuma parte, homens mais valentes, nem soldados mais brilhantes que os do exército português, em cujas fileiras vi desprezar o perigo e combater dignamente pela causa sagrada dum Império condenado.

Quantas vezes fui tentado a patentear ao mundo os feitos assombrosos que vi realizar por essa viril e destemida gente portuguesa, que sustenta, há mais de dez anos em três frentes de guerra, contra uma poderosa força oculta, a mais encarniçada e gloriosa luta.

Aqueles homens que desconheciam os efeitos de uma bomba H ou o simples apoio dos helicópteros, provêm de terras desde as montanhas às planícies, cada um com seu conto pessoal e motivação para ali, a 10.000 kms de casa, irem defender os ideais de uma nação há muito esquecida numa Europa dividida.

Tentado fiquei, pois, a dizer que nessa mesma Europa existiam três verdadeiros poderes, cada qual com a sua sombra no Mundo: - A Europa Americana, a Europa Russa, e Portugal.

E é essa raia de gente a quem se pede tanto por tão pouco que, com meios tão escassos e de modos bem simples, carregando na alma a sombra do Império Português, não precisavam do sabor da Coca-Cola, da experiência da droga ou de cultura hippie para combater.

Simplesmente faziam-no, e não abandonavam as armas por uma causa errada, mas defendiam-na não só pela gente lá de casa, mas pela casa lá da gente.

De Portugal, o canteiro mais velho da Europa, vi frutos verdes ou maduros a lutarem lado a lado com igual coragem, como se o combate fosse o ganha-pão dessa gente.

Querem vencer o Vietname, senhores? Dêem-me 8.000 desta gente, e ainda este ano o comunismo cai nas terras da Indochina.”

General William C. Westmoreland, em relatório ao Congresso dos EUA após a visita ao Quartel-General Português de Nampula, em Moçambique, 1971.

O papel civilizador de Portugal.

  «Saído de regiões onde enfrentou, em especial, a frustração psicológica derivada, principalmente, da antinomia entre a ideologia e as real...