A partir de 1966 [ P. W. Botha] foi um ministro da Defesa cujas opiniões e posições tinham o poder de afectar toda a África Austral. Ficou fascinado com Salazar e as suas concepções sobre o declínio da Europa, mas disse-lhe que Portugal ia perder a guerra porque subestimava o desenvolvimento económico e o progresso social. Aconselhou-o também a não confiar nos militares. Comungou com o seu amigo Ian Smith o desejo de intervir mais em Moçambique e em Angola para suprir as insuficiências portuguesas. Elevou a um novo patamar a cooperação militar tripartida (África do Sul, Rodésia e Portugal) e o intercâmbio entre os respectivos serviços secretos: BOSS, CIO, PIDE-DGS. Conheceu Caetano em Lisboa e achou-o debilitado pelas lutas internas. Nega que a África do Sul, ao colaborar secretamente com Portugal, quisesse abrir uma terceira frente de hostilidade, através do ataque à Tanzânia. Culpa os Estados Unidos e os promotores de uma satânica nova ordem mundial a ser criada pelo homem, sem Deus. Pieter Willem Botha, o lendário PW, primeiro-ministro (1978-1984) e presidente da República (1984-1989), foi um «peso pesado» da política regional durante a guerra na África lusófona.
Veio a Portugal no final de 1966 e no ano seguinte foi condecorado pelo Governo português com a grã-cruz da Ordem Militar de Cristo. Esteve com Câmara Pina, Salazar, Franco Nogueira. Então um jovem e impulsivo ministro sul-africano, criticou em São Bento a política de assimilação. Mas era mais forte aquilo que o unia a Salazar - a luta contra o comunismo.
Tive contactos directos e indirectos, antes de me tornar ministro da Defesa, com as autoridades portuguesas de Moçambique e Angola. Fui a Luanda e a Lourenço Marques. No final de 1966, quando já era ministro da Defesa, fui a Portugal para conversações bilaterais. O meu principal anfitrião foi o general Câmara Pina, um homem charmoso e interessante, altamente inteligente. E enquanto tínhamos discussões sobre matérias militares de interesse mútuo, com o ministro da Defesa e outros oficiais, o general Câmara Pina perguntou-me se eu gostaria de conhecer Salazar. Claro que sim, disse eu, se fosse possível, mas pensando que isso não seria possível. Câmara Pina disse que ia tratar do caso. Suponho que levantei a Câmara Pina uma objecção quando ele me sugeriu que me encontrasse com Salazar. Quando entrei na residência de Salazar, às seis e meia da tarde, fiquei numa pequena sala do tamanho de um estúdio. Lembro-me que nas estantes havia livros sobre África. Comigo estavam o general Câmara Pina e, segundo creio, o director da polícia política. O assunto principal da reunião era a cooperação entre Portugal, Moçambique e a África do Sul no plano económico, na área militar e ao nível político. Nós já tínhamos boas relações com Portugal. O ministro dos Negócios Estrangeiros do anterior governo da África do Sul era um bom amigo de Franco Nogueira, e tinha-me falado bastante de Salazar, que conhecera pessoalmente. Fiquei impressionado com a personalidade de Salazar como estadista. Falava devagar, de modo gentil, foi honesto na sua abordagem dos problemas. A certa altura da reunião levantei-me e disse: «Bem, acho que é tempo de me ir embora». Ele insistiu: «Não, não, quero falar mais consigo». E falámos durante mais de uma hora. Tinham-me dito que ele costumava estar com as pessoas só um quarto de hora, no máximo.
Eu quis saber de Salazar o que é que podíamos fazer para estreitar a troca de informações secretas entre os governos de Portugal e da África do Sul. Salazar perguntou-me o que é que eu pensava da situação na África Austral em geral e da situação em Angola e Moçambique em particular. Dei-lhe uma resposta franca, porque eu era então um jovem ministro impulsivo e uma pessoa franca: «Penso que vocês vão perder a guerra». Ele perguntou porquê. Eu disse que era porque Portugal advogava um sistema político baseado na assimilação, mas na verdade não praticava esse sistema.
Tinha estado em Moçambique e cheguei à conclusão de que os responsáveis cometiam erros na relação com as populações. Era preciso haver nos territórios portugueses maior desenvolvimento económico, um maior ajustamento, uma maior cooperação. Salazar escutava muito abertamente o que eu dizia, e ia fazendo perguntas. E depois perguntou-me se eu podia repetir ao ministro do Ultramar, Silva Cunha, o que tinha dito a ele, Salazar. Eu disse que sim e ficou combinada uma reunião para a manhã seguinte. Mas enquanto Salazar me ouviu abertamente e me pôs questões, Silva Cunha não me pareceu muito ansioso em ouvir-me. Fiquei com a impressão de que estava a falar por cima da cabeça de Silva Cunha.
Mas a conversa com Salazar foi muito interessante e não me esqueço dela. Ele expressou os seus pontos de vista sobre a situação no mundo. O seu grande tema era «o declínio da Europa», como lhe chamou. Segundo ele, a Europa tinha entrado num processo de declínio e África teria gravíssimos problemas por causa disso. «A África está em fogo», disse-me Salazar. E mais: «Estou a avisá-lo. O senhor é jovem e, se viver o suficiente, verá o dia em que a África será dividida em duas: uma a norte, de Dar-es-Salaam até à bacia do Congo; outra, a África Austral, que ficará isolada». E disse mais: «Se não soubermos agir, os Estados Unidos ficarão isolados do resto do mundo livre». E o senhor sabe uma coisa? Aqui, onde estou sentado a falar consigo, já pensei muitas vezes nas palavras de Salazar, porque o que ele me disse está a tornar-se verdade.
Salazar foi um visionário. E era também uma pessoa agradável, de quem se gostava pessoalmente. Não faço segredo desta opinião sempre que falo com alguém sobre Salazar. Digo sempre: «Ele foi uma das mais importantes e mais impressivas personalidades que conheci na minha carreira política». Isto foi no final de 1966 e foi a única vez que me encontrei com Salazar. Ele deu depois instruções aos ministros para que cooperássemos na troca de informações e para nos mantermos em contacto. Com o meu homólogo, Sá Viana, tínhamos essa cooperação que foi fortalecida por iniciativa de Salazar. Rebelo veio à África do Sul e eu fui outra vez a Portugal a seu convite. Quando me condecoraram em Portugal, penso que foi o general Gomes de Araújo que me condecorou, fui a um jantar oferecido pelo Governo e Franco Nogueira estava lá. Ele conhecia muito bem a África do Sul porque era amigo do antigo ministro dos Negócios Estrangeiros da África do Sul. Pareceu-me que Nogueira era um homem brilhante, com uma disposição positiva em relação à África do Sul e muito franco. Se ele discordava de algo dizia-o em termos muito francos, não era hipócrita, era um homem brilhante e civilizado.
P. W. Botha encontrou-se também com Caetano e recolheu uma ideia de intranquilidade. Foi-se tornando mais preocupante a situação militar em Angola e em Moçambique, onde o MPLA e a Frelimo se aliavam aos guerrilheiros que atacavam a África do Sul e a Rodésia. Ian Smith e P.W. Botha encontraram-se em Salisbúria e decidiram pressionar Lisboa a uma maior cooperação trilateral no plano militar.
Penso que depois da morte de Salazar as forças à volta de Caetano interpretaram a situação em África de uma maneira diferente. Mas lembro-me de ter dito a Salazar que ele não podia confiar nas suas Forças Armadas. A nossa perspectiva era divergente num ponto: eu pensava em termos de manter a ordem, mas ao mesmo tempo pensava numa administração civil forte e apropriada e na necessidade de haver desenvolvimento económico. Salazar não pensava assim. O que nós fizemos foi, a certa altura, dar ao Governo português uma série de aviões Dakota. Mas quanto aos Mirage, que o senhor diz que seriam para atacar as bases na Tanzânia, isso não sei. Tínhamos poucos Mirage disponíveis e estávamos a desenvolver a nossa indústria de material de guerra. O caso da Tanzânia é capaz de ter sido discutido com as autoridades portuguesas. Talvez tenhamos expressado a nossa concordância com esse tipo de cooperação. Se a ideia foi discutida - e aqui não estou a recorrer a notas mas apenas à minha memória - foi uma ideia vinda dos portugueses, que queriam proteger Moçambique dos ataques que vinham das bases. Mas a África do Sul, por ela própria, não tinha interesse na Tanzânia. A Tanzânia era o principal santuário da Frelimo, mas nós já estávamos a lutar em duas frentes. Tínhamos problemas originários em Angola e na frente oriental e para a África do Sul era muito importante não abrir uma terceira. Talvez Ian Smith partilhasse essa minha opinião. Eu estava realmente inquieto quanto ao modo como os portugueses faziam a guerra. Fui muito firme durante as nossas conversações e expressei os nossos pontos de vista. Mas devo lembrar que Portugal era muito orgulhoso da sua soberania e da sua independência e a nós, como nação independente, não nos cabia prescrever as soluções a Portugal. Sempre pensámos que Portugal tinha boas relações com a Grã-Bretanha e que era membro da NATO e não interferíamos porque sabíamos que o comunismo era um perigo na África Austral. Perigo em que Salazar acreditava, eu acreditava e ainda hoje acredito.
Olhando para trás, e agora estou só a teorizar e a filosofar, sem as minhas notas e os meus documentos, penso que Portugal era um elo importante entre a África Austral e a Europa. Era. E com um homem como Salazar no poder, esse laço estava a fortalecer-se. Porque a perspectiva de Salazar não era a de um ditador cruel. Era a perspectiva de uma cooperação entre o mundo ocidental e África. E de tornar África disponível através da Europa Ocidental. Salazar, na minha opinião, não confiava nos Estados Unidos. Eu também não tinha confiança nas políticas dos Estados Unidos. Um certo senador americano visitou-me e esteve aí sentado, na mesma cadeira em que o senhor está: «Mr. Botha, o que é que pensa dos Estados Unidos?» Eu perguntei-lhe: «Quer uma resposta diplomática ou uma resposta franca?» Ele disse que preferia uma resposta franca. Então eu disse que os americanos, como indivíduos, eram agradáveis e aceitáveis. Mas como país, como nação, não eram. «Porquê?», perguntou ele. Disse-lhe que pensava na história dos Estados Unidos para formular a minha opinião. Sob George Washington, eles tinha lutado pela liberdade. Mas desde então alguma coisa mudou no caminho dos Estados Unidos. Tornaram-se polícias de todo o globo. Hostilizaram De Gaulle na Segunda Guerra Mundial. Ele não gostava deles. Traíram a China de Chang Kai-Chek. Não trataram a Formosa (Taiwan) correctamente. «E por isto tudo», disse ao senador, «eu não gosto de vocês como nação, embora, como indivíduos, vocês possam ser aceitáveis». Não tenho comigo as notas nem os documentos para poder demonstrar o que vou afirmar, mas sei que havia enormes forças a trabalhar a partir de Moscovo, através de certos países do Ocidente e mesmo nos Estados Unidos, para criar uma nova ordem mundial. E eu não acredito numa nova ordem mundial. Não me interessa o que o senhor possa pensar sobre isto, mas eu não acredito numa nova ordem mundial criada pelo Homem. Não acredito que os seres humanos sejam capazes de criar uma nova ordem mundial. Acredito em Deus todo-poderoso, em Jesus Cristo e no Espírito Santo. Não acredito é que os seres humanos possam fazer esse trabalho por Deus. Portanto, não sou um seguidor da ideia de uma nova ordem mundial. O humanismo não pode ser um substituto para o Criador e para as ideias do Criador sobre a humanidade.
(In José Freire Antunes, A Guerra de África - 1961-1974, Círculo de Leitores, Vol. I, 1995, pp. 225-230).