quarta-feira, 27 de novembro de 2024

O retrato do povo português.

 


«Sendo o Português no geral bondoso, sofredor, espanta que se transmude intrepidamente em violento e cruel.

É a "ira do manso", a pior, segundo Unamuno. Outros autores assinalaram esse aspecto revelado em certas páginas breves, mas extremamente brutais da nossa História, em que há lances de cólera cega. Tais episódios parecem desmentir a brandura do carácter e dos costumes, a baixa criminalidade do nosso povo.

(...) A brandura, o carácter amoroso, a generosidade humana dos Portugueses parece-nos uma constante, certificada em todas as épocas, mediante literatura, arte, obras pias e o trato com a restante Humanidade. Outra constante, por igual certificada pelos séculos, é a do heroísmo, da bravura no combate.

Já a violência é intermitente, por explosivismo dos recalques de um povo sofredor e resignado, por atiçamento passional sobre as circunstâncias que destemperam a nossa peculiar sensibilidade, quais sejam o cálculo pérfido, a traição, a usura desapiedada. Isso exprime-se em condescendência beneficiária daqueles que, perdendo a razão por decepções sentimentais, acaso foram cruéis; dos violentos cheios de razão; dos que, possuídos por um idealismo apaixonado, esquecendo-se de si próprios, também puderam incorrer nalgumas desatenções ou desvios de sensibilidade

Dispensamo-nos de apresentar exemplos, visto que são flagrantes; de uma História Pátria que é das menos sangrentas ressaltam com nitidez as violências perdoadas e as não perdoadas. E pelas razões expostas».

Francisco da Cunha Leão («Ensaio de Psicologia Portuguesa»)

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