Chegados os dias cinzentos e o desconforto de uma ventania ou chuvada, assoma-se à alma um sentimento de melancolia e nasce uma tendência natural para o recolhimento. Não que não aconteça durante o resto do ano. Mas agora, com os frios e as neblinas e a vasta paleta da natureza quase reduzida a tons pardos, o convite ao recolhimento é mais apelativo e a inclinação bem mais profunda.
Em pousio é como quero ficar. Quase em estado letárgico para quem me vê por fora e serenamente activa para quem me vê por dentro. Na solidão e no silêncio do meu ser quero descansar. E explorar, descobrir o novo.
É que tudo muda. Tudo menos o lavrar do homem. Lavrou outrora assim, e qual jumento embezerrado, jamais experimentou lavrar assado. Lavrou sempre a mesma terra, cansando-a. Lavrou sempre da mesma maneira, ainda que mudasse o aspecto das alfaias. Colheu sempre o mesmo, porque semeou sempre o mesmo. Mudaram os tempos, as épocas. Passaram os anos, os séculos. E o homem a lavrar e a colher sempre da mesma maneira. Jamais permaneceu em pousio, nem a terra lavrada pelo homem, nem o homem lavrado pela terra.
Porque não fica em pousio é que o homem é tonta e frivolamente activo por fora. Cruel e violentamente activo por fora. E por dentro, desoladamente hibernante, inconscientemente ignorante. Tristemente cego e surdo para uma eventual primavera que o possa despertar.
E enquanto o homem persiste no contínuo e desenfreado aperfeiçoar das alfaias, no ridículo manter na moda das albardas e no obtuso impedir do descanso da terra, eu busco, no inverno, no terreno fértil da solidão e do silêncio, sementes novas que hei-de deitar à terra. Sementes que, na primavera, germinarão na mudança que eu própria gerei, serenamente activa por dentro, quase letárgica por fora.
Isabel Conde
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