sábado, 13 de dezembro de 2025

O Anticolonialismo dos Amigos Americanos.

 




O anticolonialismo norte-americano

No conjunto geral dos acontecimentos desenrolados, no decurso da metade do século, no domínio colonial, ou, melhor, no processo que, de facto, representa o desmembramento dos impérios coloniais, os Estados Unidos da América desempenharam um importante papel.

Nascidos eles mesmos da sublevação anticolonialista, os Estados Unidos da América destacaram o «anticolonialismo» como um dos elementos dominantes entre princípios da nação. Seria uma larga história a participação norte-americana nos movimentos anticolonialistas, desde a ajuda proporcionada aos movimentos revolucionários na Hispano-América, dirigidos contra a Espanha até à política actual norte-americana neste domínio. Todos os movimentos hispano-americanos dirigidos contra a Espanha e a sua presença no continente americano, gozaram de apoio oficial norte-americano, bem como da ajuda de personalidades de entidades privadas do dito país.

Este anticolonialismo norte-americano está oficialmente inspirado por razões e sentimentos justificados com uma argumentação muito humanitária e altruísta, mas a realidade demonstrou que, por detrás desta fachada demagógica, existem razões mais materialistas e egoístas. Um dos factos dominantes da história mundial na primeira metade do século actual é a rápida ascensão dos Estados Unidos da América ao posto de primeira potência do mundo ocidental. Potência política e económica, os Estados Unidos criaram um império económico e para isso tiveram de minar a potência económica de outros impérios. A expansão económica norte-americana e o rápido desenvolvimento da sua produção industrial impuseram a necessidade de procurar novos mercados e novas fontes de matérias-primas. Quando se sabe que a nação americana, cuja população representa 6% da população total mundial, produz quase 50% das riquezas industriais do mundo, é muito compreensível este afã de expansão económica.

Todavia, na actual situação, e com a ofensiva desencadeada pelo mundo comunista para conseguir a dissolução dos impérios coloniais e, através disso, debilitar o mundo ocidental e, sobretudo, a Europa, privando-a do seu apoio económico, o anticolonialismo norte-americano, compreendendo idêntico fim, ainda que com diferentes propósitos, representa, de facto, uma contribuição para o esforço comunista neste campo. Daqui, é natural que surja a situação de uma aliança «objectiva» entre os Estados Unidos da América e o mundo comunista com relação à política colonial.



Esta conclusão não escapou a certos círculos norte-americanos que demonstraram ultimamente por ela os seus reparos e inquietações. Em Março de 1958, a conhecida revista norte-americana Time fazia-se eco deste estado de espírito e publicava um artigo sob a significativa epígrafe: «O colonialismo e os Estados Unidos: conflito do ideal e da realidade». O autor do mesmo lamenta-se de que o anticolonialismo norte-americano não seja suficientemente apreciado nos países do regime colonial ou protector a que os tinham submetido as potências europeias. Em alguns destes países - diz o artigo - existe um forte ressentimento e receio pelos Estados Unidos. Na indonésia, o presidente Bourguiba acusa-os de cúmplices da França porque esta não poderia continuar a sua guerra de repressão na Argélia sem a ajuda financeira dos Estados Unidos. A mentalidade dos americanos na questão de Chipre incita os gregos. Em todos os lados pensa-se que pouco ou nada fizeram pela liberdade dos países. O citado semanário exibe o que poderíamos chamar a «folha de serviços» dos Estados Unidos, que demonstra o papel decisivo que exerceram na «descolonização» do mundo: serviços que, no juízo dos outros, são desmeritórios porque a eles se deve atribuir certa parte da actual situação do mundo, que não seria tão confusa nem perigosa se à grande questão do comunismo russo e anticomunismo ocidental não se tivesse unido a efervescência antieuropeia que reina, como diz o Time, desde as extensões arenosas do Norte de África até às selvas do seu Sudoeste asiático.

«Até ao final da primeira guerra mundial - começa o Time - a direcção dos Estados Unidos na luta contra o colonialismo era reconhecida universalmente. Woodrow Wilson, chefe da primeira colónia que alcançou a sua independência da Europa, nos tempos modernos, proclamou o direito de os povos se governarem a si  mesmos, como um estandarte sob o qual podiam acolher-se os caudilhos dos povos nativos de toda a parte. Na segunda guerra mundial, o presidente Franklin Roosevelt acusa de tal maneira Churchill sobre as possessões coloniais da Inglaterra que, durante uma conferência, Churchill exclamou: "Sr. Presidente: eu creio que está a tentar desfazer o Império Britânico". Em 1942, quando Sir Stafford Cripps tentava inutilmente chegar a um acordo com os nacionalistas da Índia, um representante dos Estados Unidos tomou parte nas negociações - um passo que, unido ao constante aguilhoar de Roosevelt sobre os ingleses, estimulou Gandhi e Nehru na sua luta, acelerando-se, desse modo, a independência da Índia e do Paquistão.



Em 1945, Roosevelt declarou que apoiaria os sírios e os libaneses na sua luta contra a França, por todos os meios, excepto a força. E, na conferência de Casablanca, Roosevelt impulsionou a completa independência de Marrocos nas suas conversações com o sultão, hoje Mohamed V. Depois da guerra, os Estados Unidos concederam a independência das Filipinas. Na Indochina, ainda que apoiando o esforço militar da França contra o imperialismo comunista no Sudeste da Ásia, exerceram sobre ela constante pressão para que concedesse a independência do Vietname do Sul, Laos e Camboja. Quando a Holanda intentou reconquistar a Indonésia, o Senado dos Estados Unidos «mostrou o seu jogo com um projecto de lei que suspendia a ajuda económica a toda a nação cuja conduta não se ajustasse com a Carta das Nações Unidas. Estas ameaças e a diplomacia de Merle Cochran obrigaram os holandeses a entrar em negociações das quais resultou a independência da Indonésia. Dulles disse que a República Indonésia existe, em grande parte, como resultado do interesse dos Estados Unidos.

Quando os egípcios, em 1951, iniciaram uma campanha de terrorismo para expulsar os ingleses da zona do canal de Suez, os Estados Unidos demonstraram claramente que as suas simpatias estavam com o Egipto. Depois que os ingleses acederam, em 1954, às reclamações egípcias, Sir Anthony Eden queixou-se de as negociações se terem complicado pelo facto de, enquanto se desenhava um acordo, o embaixador dos Estados Unidos, Jefferson Caffery, excitar o Egipto a pedir melhores concessões. Dois anos mais tarde, quando a Inglaterra e a França tratavam de voltar a ocupar a zona do canal de Suez pela força, os Estados Unidos condenaram publicamente os seus mais antigos e mais íntimos aliados, numa demonstração, por certo única na história, de fidelidade de princípios».

Depois desta citação, os Estados Unidos não podem negar a sua responsabilidade na actual situação do mundo. Mas os norte-americanos surpreendem-se de que, apesar de todo o apoio à independência dos países afro-asiáticos, a recompensa seja a ingratidão. Na opinião do Time, as causas são várias, mas podem reduzir-se a uma: que as novas nações saídas do regime colonial irritam-se porque os Estados Unidos não apoiam todas as suas aspirações, por mais irrealistas que sejam.

«Muitos esperavam que a independência os levaria ao bem-estar material que sempre lhes faltou e acusam os Estados Unidos quando a independência se mostra incapaz de subministrá-lo». Confessa o Time alguns erros. Por exemplo: «A julgar pelo caos que agora reina na Indonésia, acaso os Estados Unidos terão posto o seu peso na balança da independência?». Mas não se refere às complicações actuais no Médio Oriente, derivadas em grande parte da política norte-americana no Egipto e no conflito do Suez. Há motivo para se perguntar se com outra política se teria formado a República Árabe Unida e o rei Saud - o mais estreitamente ligado aos Estados Unidos - não teria sido forçado a delegar os seus poderes no emir Feisal.



Reconhece o Time que, se há dez anos os cidadãos dos Estados Unidos podiam compartilhar do conceito norte-americano do colonialismo como opressão e exploração, hoje os dirigentes dos Estados Unidos dão-se conta de que o colonialismo foi amiúde um instrumento do progresso e que os problemas do mundo não se podem resolver tomando uma posição anticolonial em todas as circunstâncias.

Mas há outra questão mais importante. Em muitas partes «o idealismo dos Estados Unidos enfrentou uma amarga verdade com o objectivo supremo deste país de defender o mundo livre contra a agressão comunista; tanto o bom senso como a conveniência levam a deixar aquela para segundo plano». Talvez já se tenha posto tanto em primeiro, que hoje seja demasiado tarde para conter «a onda de comunismo» que sobe misturada com a do nacionalismo, estimulado, como temos visto, pelos Estados Unidos.

O erro essencial não é nenhum dos que citam o Time, mas antes a crença optimista de que os nacionalistas seriam agradecidos. Parece, no entanto, condição natural dos nacionalistas o serem ingratos.

Quem os favorecer, confiado na sua gratidão, receberá a mesma paga que hoje amargura os Estados Unidos.

É de deplorar que o mencionado artigo fique somente a metade do caminho, deixando a outra metade na sombra. Com efeito, ao longo de toda a página do Time não há nem uma só alusão à «aliança objectiva» entre os Estados Unidos e a URSS no que se refere a esta política anticolonialista. Tão-pouco existe uma visão realista da situação. Ao fim e ao cabo, o anticolonialismo dos Estados Unidos da América actua somente num sentido ou, melhor, no que se refere aos mesmos Estados Unidos. Certas terras consideradas actualmente como Estados norte-americanos são fundo de uma política de colonização por parte da grande nação americana, ainda que com sentido bem mais político e, poderíamos dizer (com o perigo de utilizarmos o vocabulário comunista), «imperialista». De facto, que são Porto Rico, Alasca e as ilhas Havai (sem falarmos das «zonas» americanas do canal do Panamá e das distantes ilhas de Guam e Okinawa)? Colónias que, além do mais, não foram colonizadas pelos americanos, mas sim por outras nações, e conquistadas pelos Estados Unidos, como aliás foram conquistadas à Espanha as amplas regiões da parte meridional do território norte-americano, países donde o norte-americano não varreu as raízes hispânicas, tal como de outras regiões dos Estados Unidos não foram ainda varridas as raízes da civilização britânica ou francesa... 

Alejandro Botzàris in África e o Comunismo.


Sem comentários:

Enviar um comentário

O Anticolonialismo dos Amigos Americanos.

  O anticolonialismo norte-americano No conjunto geral dos acontecimentos desenrolados, no decurso da metade do século, no domínio colonial,...