Legionários! Além do que possa significar a minha presença entre vós - pouco ou muito, vós o avaliareis - para mais não vim que para ouvir, gritada a toda a força dos pulmões sadios e do entusiasmo viril, a palavra que sôbre tudo o que pudesse dividir, nos une na mesma aspiração, na mesma luta e cremos firmemente que na mesma vitória: Portugal! Não vim para mais nada, repito, mas porque vim, terei de dizer algumas palavras, muito poucas e certamente desnecessárias para quem não precisa de encorajamentos e revela tal consciência do dever que prescinde mesmo de louvores.
Nós não somos uma força destinada só a batalhar; nós somos uma força destinada a vencer e a manter intacta a vitória; e é por isso que em cada peito legionário, em cada bandeira, em cada quartel ou acampamento há-de poder ler-se, gravada por vontade de aço, esta legenda simples: aqui não reside o temor. Vieira escreveu magistralmente: «a audácia é a metade da vitória e quem temeu ao inimigo já vai vencido». Eis onde eu veria um risco enorme; por isso, antes de apelar para o sentimento, não fujo, segundo a minha predilecção, a fazer apelo à inteligência, e desta solicito as razões de não temer.
Uma das maiores fontes do temor é a ignorância do inimigo: não saber quem seja, qual o seu número, a sua força, as armas de que dispõe, as suas posições, a direcção dos seus ataques paralisa ou enfraquece os mais esforçados ânimos. Nenhum general se arrisca a dar batalha sem ter colhido e estudado as informações mais minuciosas; e de não serem suficientes ou precisas se arriscam ou perdem muitas vitórias.
Ora a primeira vantagem que temos na luta e a primeira razão de não temer é que o inimigo - o grande inimigo a cuja sombra se agitam alguns aliados ocasionais que importa não confundir com ele - é perfeitamente conhecido; e neste ponto não tivemos nunca as ilusões que embalaram muitos outros. Nunca nos iludiu quando se esforçou por parecer pacifista em Genebra, condescendente em Londres, humanitarista em Espanha, cordato nas chancelarias, civilizado nas cortes europeias. E porque nunca nos iludiu, nada perdemos nos negócios e financiamentos, não fomos obrigados a dar foros de legitimidade à sua propaganda oficial, não sofremos o desaparecimento de homens entregues confiadamente à nossa protecção, nem sentimos o desgosto de ver passar diplomatas das recepções das Necessidades para o cadafalso dos criminosos ou dos desgraçados.
O inimigo é conhecido e não sei por que espécie de trágica cegueira se não viu que tem de sê-lo por necessidade da sua mesma existência, por lógica irremovível dos seus princípios, quando não pela natural força de expansão dos erros que acordam, no espírito dos homens, baixos instintos adormecidos ou acorrentados por séculos de civilização.
Mas não deixando já lugar a quaisquer dúvidas, atirando fora as confusões possíveis, desistindo de diáfanas separações estabelecidas e fingidamente aceites entre orgãos de Estado e organismos revolucionários, o homem que parece depositário do maior poder efectivo no Império russo, claramente, expressivamente retoma a tese da revolução universal para defesa e consolidação dos sovietes, e prega e promete ajudar a luta civil em todos países para a implantação do comunismo. Temos de reconhecer-nos obrigados!
Andam por aí uns pobres homens que por já não saberem onde hão-de ter as mãos as estendem pressurosos aos operários, aos proprietários rurais, aos donos das empresas, aos tímidos conservadores e até aos católicos e a velhos caudilhos monárquicos. E é bom que por inequívoca confissão dos responsáveis saibam todos donde vem a ordem para a guerra civil, donde é inspirado o internacionalismo contra a Pátria, o domínio estrangeiro contra a independência da Nação, a propaganda contra a beleza e o valor da vida, o ódio a Deus e ao próximo, a ditadura execranda da ininteligência e da insensibilidade moral. O inimigo é pois conhecido, e mais do que conhecido, confessado - «tu o dizes». E aqui temos a primeira razão para não o temer.
Conhecendo o inimigo e o alvo dos seus ataques, importa ter igualmente presentes a qualidade e têmpera das suas armas.
O inimigo tem do seu lado dinheiro com que procura comprar consciências e armamento, técnica com que busca vencer as dificuldades, a eterna fascinação do mal, absoluta independência de regras morais, o ódio - ódio ao homem, ao pai, ao filho, à mulher, à inteligência, à cultura, à bondade, o ódio que parece não cansar, que parece não se satisfazer nunca e desdobra sobre as nações desprevenidas o manto negro da crueldade e do terror. Armas temíveis, sem dúvida; melhores que as nossas? Não o direi: sobretudo diferentes.
A guerra não é estado permanente mas colapso da paz; o ódio não pode ser eterno, pois os corações anseiam pelo amor e rendem-se facilmente à bondade; o terror nem sempre paralisa as vontades: do paroxismo do medo brotam com o desprezo da vida rasgos de heroísmo. Para sustentar a crueldade, o comunismo tem-se visto obrigado a substituir a cada passo os algozes, convertendo estes em vítimas; e montes de cadáveres não têm evitado que sobre eles muitos outros tenham de ser lançados também.
Parece a alguns que o nosso poder ofensivo é afectado exactamente porque nem pregamos o ódio nem prescindimos de nobreza e dignidade na luta. Mas seria incompreensível que adoptássemos os mesmos processos que combatemos; nem a experiência deixou de revelar ainda a força, o ascendente especial de ter sempre razão. Fazemos constantemente apelo a sentimentos superiores, a motivos elevados de acção e de luta; haurimos da consciência recta a força com que batalhamos e tiramos das próprias veias - não de outras - o sangue dos sacrifícios; e certamente a Providência abençoa estas armas, pois temos sempre vencido.
O último motivo de não temer é conhecermos as posições que o inimigo ocupa e aquelas que se esforça por ocupar. Ele está em muita parte, sem dúvida, e até em nós mesmos, se não sabemos medir a gravidade desta hora nem cumprir todo o nosso dever. Está o inimigo ainda na repartição pública, está ainda no ensino, está ainda na imprensa, está ainda no teatro e no cinema, no boato, na má língua, no desalento dos derrotistas. Fixa-se ou muda conforme as circunstâncias e as necessidades; vai do campo para a cidade e da cidade para as aldeias em segredos alvoraçados, e propagandas dissolventes, em resistências e más vontades. Neste ou naquele momento ora se manifesta aqui, ora surge de além. Simplesmente nós também estamos, estamos sempre e em toda a parte. Estamos sempre na vigilância, na contradita, na acção; estamos em toda a parte - nos cafés, nos teatros, nos serviços públicos ou particulares, nos comboios, nas serras, nos campos, nas cidades, nas praças e nas ruas, e depois que nos mostrámos dispostos a ocupá-las, nunca mais o inimigo conseguiu apoderar-se delas.
Como poderia pois haver medo, se não há razão para o temor? E como poderia o inimigo vencer-nos, se não temos medo dele? - Eis porque desde o princípio me pareceram inúteis estas palavras.
Legionários! Quem vive? - PORTUGAL!
... O Portugal de nossos avós - de Afonso Henriques, de D. João I, do Infante de Sagres, dos Gamas, dos Albuquerques, de Camões; dos descobrimentos, da restauração; conquistador de reinos, fundador de impérios, pregoeiro e defensor nos outros continentes da civilização latina e da palavra de Cristo!
Legionários! Quem vive? - PORTUGAL!
... O Portugal de nossos pais, explorador de sertões, fundador de colónias a repetir-se e multiplicar-se pelo Mundo - pedaços da sua alma, da sua carne e do seu sangue - tirando dos revesses da fortuna, dos azares da sorte e até da desconsideração alheia a revolta e orgulho que nos transmitiu a nós!
Legionários! Quem vive? - PORTUGAL!
... O Portugal de vossos filhos, redimido no sacrifício e na dor, nas privações, no trabalho, na angústia destes calamitosos tempos, mas salvo, honrado, belo, forte, engrandecido, como o divisamos já na aurora de amanhã!
(Alocução aos Legionários, no Ginásio do Liceu Camões, em 11 de Março de 1938, in Discursos e Notas Políticas, III, 1938-1943, Coimbra Editora, pp. 15-22).
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