«(...) Duas palavras, agora, sobre o problema político.
O Sr. Presidente do Ministério [General Domingos de Oliveira] declarou que iam ser preparadas, finalmente, a reforma da Constituição política e a organização nacional destinada a continuar e completar a restauração geral do País. A sua autoridade de chefe de Governo e de oficial general, com larga folha de serviços, marcou nitidamente uma posição, que está em correspondência com as superiores necessidades do Estado e com o pensamento – quero crê-lo – de todos aqueles que ligam à Ditadura a devida significação. Peço licença para apresentar sucintamente as razões da minha concordância com este modo de ver.
Pode afirmar-se que entre os homens que pensam nas coisas públicas em Portugal se encontram três posições diversas, relativamente a este problema. Condensá-las-ei nas três proposições seguintes:
1.ª a Ditadura nada tem que ver com a política;
2.ª a própria Ditadura é a solução do problema político;
3.ª a Ditadura deve resolver o problema político português.
Examinemos, pela sua ordem, estas três atitudes.
É, sobretudo, fora dos elementos afectos à Ditadura e entre os seus inimigos que se defende a primeira tese – a Ditadura nada tem que ver com a política. Segundo estes, a Ditadura teria como única razão de ser a necessidade de uma obra administrativa, concluída a qual nada mais haveria a fazer do que restabelecer a ordem constitucional, suspensa ou violada desde 28 de Maio de 1926. Quem pensar um pouco nesta atitude mental descobre facilmente que ela se apoia sobre dois outros conceitos – um acerca da administração, outro acerca da natureza ou da origem dos males de que enfermava o País.
Na verdade, se a Ditadura só há-de fazer administração e não política, é que a administração se pode separar da política. Isto não corresponde à realidade dos factos.
É apenas verdade que se pode fazer administração fora de toda a política partidária, mas neste sentido estrito não se há-de dizer pode-se, há-de de dizer-se – deve-se. Quando, porém, se tem em mente a verdadeira, a alta acepção da palavra política, julgo impossível fazer-se, sem esta, administração que se imponha e valha. Fora do pequeno expediente, a execução a bem dizer material duma regra, pode afirmar-se que a verdadeira administração tem sempre atrás de si um conceito de Estado, finalidade social, de poder público e suas limitações, de justiça, de riqueza e das funções desta nas sociedades humanas, quer dizer, uma doutrina económico-política, se quereis mesmo, uma filosofia. Ai dos governos, melhor, ai dos povos cujos governos não podem definir os princípios superiores a que obedece a administração pública que fazem.
Mas não é este o único conceito erróneo que está na base dos que recomendam a ditadura simplesmente administrativa. O outro é julgar-se que todos os males nacionais provinham dos homens a quem estava confiado o ónus do governo, e que, afastados esses e substituídos por outros, estaria resolvido o problema. Reduz-se assim a uma defeituosa arrumação partidária uma das mais delicadas e complexas questões nacionais.
Sou dos que, tendo meditado longamente sobre os vários acidentes da vida pública portuguesa, lançam sobre os homens do passado responsabilidades, ainda que grandes, menores que as que vulgarmente se lhes assacam; e nunca pude compreender que sejam eles mesmos a preferir se atribua a incompetência, a desonestidade e a ambição o que mais fundadamente se deve supor derivado de vícios de organização ou de deficiências de fórmulas políticas.
Daqui deduzo que a ditadura que governa e que administra não é, nem pode ser, no campo dos princípios ou no das realidades nacionais, simples parêntese da vida política partidária.
Passemos adiante. A segunda proposição afirma que a Ditadura é de si mesma a solução do problema político. Parece-me que também aqui há erro ou exagero.
Sem dúvida que a ditadura, mesmo considerada apenas como a concentração no governo do poder de legislar, é uma fórmula política: mas não se pode afirmar que represente a solução duradoura do problema político; ela é essencialmente uma fórmula transitória.
Porque as ditaduras bastas vezes nascem do conflito entre a autoridade e os abusos da liberdade, e vulgarmente lançam mão de medidas repressivas da liberdade de reunião e da liberdade de imprensa, confundem muitos ditadura e opressão. Não é isto da essência da ditadura, e compreendida a liberdade (única noção para mim exacta) como a garantia plena do direito de cada um, a ditadura pode até, sem sofisma, suplantar sob esse aspecto muitos regimes denominados liberais. Ela é em todo o caso um poder quase sem fiscalização, e este facto faz dela instrumento delicado que facilmente se gasta e de que facilmente se pode abusar. Por tal motivo não é bom que a si mesma se proponha a eternidade.
Somos assim chegados à terceira proposição, única, a meu ver, verdadeira: a Ditadura deve resolver o problema político português.
Porque há-de fazê-lo? Porque a experiência demonstrou que as fórmulas políticas que temos empregado, plantas exóticas importadas aqui, não nos dão o governo que precisamos, lançaram-nos uns contra os outros em lutas estéreis, dividiram-nos em ódios, ao mesmo tempo que a Nação na sua melhor parte se mantivera, em face do Estado, indiferente, desgostosa e inerte.
Para que há-de fazê-lo? Para que a sua obra reformadora se não inutilize e se continue, para que o seu espírito de trabalho e de disciplina se consolide e se propague, para que se crie a mentalidade nova que é indispensável à regeneração dos nossos costumes políticos e administrativos, à ordem social e jurídica, à paz pública, à prosperidade da Nação.
Como há-de fazê-lo? Por meio duma obra educativa que modifique os defeitos principais da nossa formação, substitua a organização à desorganização actual e integre a Nação, toda a Nação, no Estado, por meio de novo estatuto constitucional.
Pode fazê-lo? Se todos os portugueses de boa vontade, a quem nos dirigimos, quiserem ajudar-nos, isso pode fazer-se. Quero exprimir-me melhor: isso tem de fazer-se, porque é impossível admitir que este País arraste uma existência miserável entre os dois únicos governos – demagogia e ditadura mais ou menos parlamentar – e em face dos quais a Nação só costuma ter duas atitudes: ou de rojo ou de costas, ambas indignas de si.
Não nos ocultemos que é árdua a tarefa e que vai para o futuro ser mais dura ainda a batalha. Mas quem alguma vez venceu sem que lutasse?»
Oliveira Salazar («Ditadura Administrativa e Revolução Política», in «Discursos, 1928-1934», na Sala do Risco, em 28 de Maio de 1930, onde oficiais do Exército e da Armada se reuniram com o Governo para comemorar o 4.º aniversário da Ditadura Nacional).
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