quarta-feira, 19 de novembro de 2025

A Abrilada de 1961, Tentativa de Golpe de Estado.


 "O 13 DE ABRIL DE 1961" 



No primeiro semestre de 1960, as relações entre o Ministro da Defesa Nacional, General Botelho Moniz, e o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, Coronel Kaúlza de Arriaga, não cessaram de se agravar.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica sentia-se bloqueado e curto-circuitado. Bloqueado pela enorme demora com que o Departamento da Defesa Nacional considerava os assuntos relativos à Força Aérea e pelas muitas dificuldades que o mesmo Departamento punha na solução de tais assuntos. Curto-circuitado pelas directivas que, partindo do Ministro da Defesa Nacional, lhe não eram transmitidas, mas dadas pelo Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, General Beleza Ferraz, ao Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, General Albuquerque de Freitas.

Em Julho de 1960, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica voltou a manifestar pessoalmente ao Presidente do Conselho de Ministros, Prof. Dr. Oliveira Salazar, a suas preocupações sobre a defesa da África Portuguesa.

Em 3 de Agosto, enviou ao Presidente um "memorandum", no qual sintetizava aquelas preocupações e solicitava a convocação do Conselho Superior de Defesa Nacional para análise do assunto e definição de responsabilidades.

Pouco depois, teve efectivamente lugar a reunião daquele Conselho. Nele, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica desenvolveu o constante do referido "memorandum". O Ministro do Exército, Coronel Almeida Fernandes, e o Subsecretário de Estado do Exército, Coronel Costa Gomes, discordaram do exposto e preconizado pelo Subsecretário de Estado da Aeronáutica. O Ministro da Defesa Nacional discordou também e, decorridos alguns dias, enviou à Subsecretaria de Estado da Aeronáutica um documento, no qual confirmava a orientação até então seguida e repudiava as ideias novas do Subsecretário de Estado da Aeronáutica. O Presidente do Conselho de Ministros não se manifestou.

No último trimestre de 1960, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica e o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea decidiram enviar para Angola as primeiras forças aéreas. O Departamento da Defesa Nacional não se opôs e a decisão foi executada.

No final de 1960 e começo de 1961, tiveram lugar os acontecimentos da baixa de Cassanje, em Angola, e logo foi assaltado o paquete Santa Maria.

As forças militares que actuavam na baixa do Cassanje adquiriram a convicção de que a causa fundamental dos acontecimentos era a exploração dos trabalhadores pretos levada a efeito pelas empresas algodoeiras. E verificava-se tendência para se generalizar nas Forças Armadas o conceito errado de que, em África, defendiam não o País mas sobretudo os interesses de alguns capitalistas.

Dado existir realmente, na referida região de Cassanje, injustiça social e dado o perigo daquela tendência, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica focou o assunto no Conselho Superior Militar e pô-lo directamente ao Presidente do Conselho de Ministros. Este, surpreendido, prometeu formalmente que seriam alteradas as condições de trabalho na região em causa, por forma a passar a vigorar um sistema socialmente justo.

Em Fevereiro de 1961, teve lugar o assalto a um posto da Polícia de Luanda.

Em 25 de Fevereiro, os Chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas e do Estado-Maior do Exército, Generais Beleza Ferraz e Câmara Pina, partiram para Angola.

Em 15 de Março do mesmo ano, eclodiu a rebelião terrorista no distrito do Congo. Algumas, pouquíssimas, forças militares brancas existentes - ninguém no momento julgou conveniente o emprego de tropas negras - ajudadas pela população civil branca, tiveram de limitar-se à defesa dos principais centros populacionais, abandonando todo o resto do Congo aos terroristas.

Da Metrópole foram enviados alguns, muito reduzidos, reforços e o Ministério do Exército preparou um plano de envio de mais tropas. Este, dado os seus dilatados prazos, não podia considerar-se adequado.

A gravidade da situação aumentava.

Em 21 de Março, o Ministro do Ultramar, Almirante Lopes Alves, partiu também para Angola.

Pouco depois do regresso de Angola - 27 de Março - dos Chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas e do Estado-Maior do Exército, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica foi convocado, pelos procedimentos usuais, para uma reunião do Conselho Superior Militar.

Igual convocação recebeu o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea.

Quando, porém, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica chegou ao Departamento da Defesa Nacional, o Ministro da Defesa Nacional disse-lhe que devia haver qualquer mal entendido, pois que não era o Conselho Superior Militar mas sim o Conselho Superior do Exército que se reunia, para ouvir exposições dos Chefes do Estado-Maior General e do Estado-Maior do Exército, recém-chegados de África, sobre a situação em Angola.

O Subsecretário manifestou a sua surpresa, mas declarou que, sendo assim, se retirava juntamente com o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea. O Ministro respondeu que este, sim, estava convocado para assistir à reunião como observador, tal como sucedia com o Chefe do Estado-Maior da Armada, Almirante Sousa Uva.

No dia seguinte, o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea informou o Subsecretário de Estado da Aeronáutica de que, no final da reunião, tinham sido distribuídas, a todos ou quase todos os presentes, cópias de uma carta, datada de Março de 1961 e dirigida ao Presidente do Conselho de Ministros pelo Ministro da Defesa Nacional, na qual se faziam duras censuras à acção do Governo.

Os Chefes do Estado-Maior General e do Estado-Maior do Exército, em face do que observaram em Angola, consideravam, teimosamente, estar a situação militar praticamente resolvida, havendo apenas que realizar acções de limpeza e de policiamento.

Pelo contrário, o Comandante da 2.ª Região Aérea, Brigadeiro Pinto Resende, vinha enviando à Subsecretaria de Estado da Aeronáutica mensagens nas quais informava que a situação em Angola se agravava constantemente e que, em pouco tempo, atingiria o ponto de irreversibilidade. Enunciou mesmo o mínimo de meios necessários para que tal fosse evitado. Cópias de todas estas mensagens foram enviadas ao Departamento de Defesa Nacional. Também delas foi dado conhecimento ao Presidente do Conselho de Ministros. No Departamento da Defesa Nacional, chegou a pensar-se em tentar forçar o Subsecretário de Estado da Aeronáutica a exonerar o Brigadeiro Pinto Resende do Comando da 2.ª Região Aérea, dado considerar-se, naquele Departamento, que o Brigadeiro era excessivamente pessimista e tratava de assuntos que lhe não diziam respeito.

O Ministro do Ultramar, ainda em Angola, verificou a gravidade da situação, em tudo concordando com o Comandante da 2.ª Região Aérea. Enviou para Lisboa telegramas alarmantes. Em face das informações do Comandante da 2.ª Região Aérea e do Ministro do Ultramar, o Presidente do Conselho de Ministros promoveu uma reunião, para a qual foram convocados, na ausência dos Ministros da Defesa Nacional, descansando no Algarve, e do Ultramar, os Subsecretários de Estado da Administração Ultramarina, Prof. Adriano Moreira, e do Exército, e os Chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas e do Estado-Maior do Exército. Nesta reunião, o Presidente do Conselho de Ministros deparou com a opinião obstinada, dos Chefes do Estado-Maior General das Forças Armadas e do Estado-Maior do Exército, de que a situação militar estava resolvida e de que apenas deveriam continuar a ter lugar operações de limpeza e de policiamento.

O Chefe do Estado-Maior da Força Aérea partiu para os Estados Unidos da América em visita oficial.

No aeroporto da Portela e quando o Subsecretário de Estado da Aeronáutica dele se despedia, tomou a iniciativa de aludir às divergências existentes entre o Ministro da Defesa Nacional e o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, tendo dito a este último: "V. Ex.ª é que tem razão, estou inteiramente a seu lado".

Constava que o Ministro da Defesa Nacional advogava a ideia de que, a fim de se captarem as boas graças dos Estados Unidos da América, o Governo deveria fazer uma declaração, prometendo a autodeterminação a prazo das Províncias Ultramarinas.

Constava, também, que o Ministro havia nesse sentido contactado as Autoridades Americanas, através da CIA.

Sabia que o Presidente do Conselho de Ministros tinha em preparação uma remodelação ministerial. Contudo, essa remodelação demorava, o que provocava um crescente mal-estar.






Dia 10 de Abril


No dia 10 de Abril de 1961, após o jantar, diversos militares, entre os quais o Brigadeiro Santos Costa, telefonaram ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica, informando-o de que o Governador Militar de Lisboa, General Silva Domingues, tinha convocado os comandantes das unidades suas subordinadas e lhes tinha posto a hipótese do Prof. Oliveira Salazar ser exonerado compulsivamente das funções de Presidente de Conselho de Ministros, dado, sobretudo, a sua incapacidade para resolução do problema da África Portuguesa.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica telefonou ao Ministro do Exército, comunicando-lhe o que efectivamente se passava. Este Ministro, recém-chegado de Fátima, respondeu nada saber, mas prometeu pôr-se em contacto com o Governador de Lisboa. Cerca de uma hora depois, o Ministro do Exército telefonou ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica, dizendo-lhe que havia falado com o Governador Militar de Lisboa e que este o informara de que realmente tinha convocado os comandantes das unidades suas subordinadas, embora em pequenos grupos, mas que apenas lhes tinha recomendado a maior coesão, dada a situação difícil que o País atravessava. O Ministro acentuou que assim o Governador Militar de Lisboa tinha agido dentro da sua competência e por forma acertada.

Pouco depois, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica voltou a receber telefonemas pelos quais era informado mais pormenorizada e alarmantemente do que se havia passado no Governo Militar de Lisboa, confirmando-se que tinha sido considerada a hipótese de se forçar a demissão do Prof. Oliveira Salazar.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica tentou telefonar novamente ao Ministro do Exército, mas este revelou-se incontactável.

Durante a noite, voltou a confirmar-se que as reuniões do Governo Militar de Lisboa não tinham sido tão inofensivas quanto o Ministro dissera ao Subsecretário.


Dia 11 de Abril


Na manhã do dia 11 de Abril de 1961, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica dirigiu-se ao Ministério do Exército, tendo-se reunido com o Ministro.

Teve lugar a seguinte conversa:

a. O Subsecretário de Estado da Aeronáutica disse ao Ministro do Exército que, apesar do que este lhe havia afirmado, sabia ter o Governador Militar de Lisboa tido, com os seus comandantes de unidade, conversações de carácter subversivo ou, pelo menos, para-subversivo.

O Ministro respondeu nada mais saber do que dissera na véspera, mas que voltaria a falar com o Governador Militar de Lisboa, que mandou convocar.

b. O Subsecretário insistiu com o Ministro no sentido de saber se alguma coisa mais existia além das conversações no Governo Militar de Lisboa, pois não acreditava que o Governador tivesse agido por sua exclusiva iniciativa.

O Ministro acabou por dizer que realmente o Ministro da Defesa Nacional se encontrava ora muito deprimido ora sobre-excitado e que ele, Ministro do Exército era uma das poucas pessoas capazes de o acalmar.

O Subsecretário perguntou ao que poderia conduzir tal excitação.

O Ministro respondeu que esperava que nada sucedesse, mas que o estado de espírito do Ministro da Defesa Nacional poderia conduzi-lo a tentar um golpe de força contra o Presidente do Conselho de Ministros.

e. O Subsecretário disse que não imaginara que tal possibilidade pudesse ter lugar, mas que, em face dela, se via obrigado a pôr mais algumas questões:

- No caso do Ministro da Defesa Nacional tentar o referido golpe de força, qual a atitude do Ministro do Exército?

O Ministro respondeu que, embora lhe custasse muito, pois tinha o maior respeito e amizade pelo Ministro da Defesa Nacional, não o poderia acompanhar.

- No caso do Ministro da Defesa Nacional tentar o golpe de força e, como muito bem, o Ministro do Exército não o acompanhava, qual a atitude do Exército?

O Ministro respondeu que esperava que o Exército lhe obedecesse mas que não podia assegurá-lo.

- Sendo assim, poderia admitir-se a eclosão de uma guerra civil, seguindo algumas unidades o Ministro da Defesa Nacional e outras o Ministro do Exército?

O Ministro respondeu que assim realmente poderia suceder.

d. O Subsecretário perguntou se o Ministro do Exército estava consciente das suas enormes responsabilidades. Se estava ciente que a mais pequena escaramuça em Lisboa teria em Angola projecção catastrófica, provocando uma diminuição drástica no moral dos poucos defensores e um grande impulso no terrorismo, factos que, quase certamente, conduziriam à perda daquela Província.

O Ministro respondeu que estava plenamente consciente das suas responsabilidades.

Chegou o Governador Militar de Lisboa e o Subsecretário de Estado da Aeronáutica retirou-se antes deste entrar no gabinete do Ministro.

Durante toda a tarde de 11 de Abril, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica tentou comunicar telefonicamente com o Ministro do Exército, afim de conhecer o resultado da conversa havida com o Governador Militar de Lisboa.

O Ministro do Exército manteve-se, porém, de novo totalmente incomunicável.

No mesmo dia:

a. Após o almoço, o Prof. Costa Leite (Lumbralles) visitou o Subsecretário de Estado da Aeronáutica em casa deste, tendo ambos analisado a situação.

b. Durante a tarde, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica recebeu a informação de que o Exército estava de prevenção ou vigilância e de que o ajudante de campo do Subsecretário de Estado do Exército tinha ido à Academia Militar onde tivera, com alguns oficiais, conversações análogas às havidas no Governo Militar de Lisboa.

c. Antes do jantar, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República, General Humberto Pais, visitou o Subsecretário de Estado da Aeronáutica em casa deste, tendo ambos analisado a situação e sido considerado, pelo Subsecretário, a hipótese de, tal como o Exército, a Força Aérea entrar de prevenção ou vigilância.

d. Mais tarde, o Chefe de Estado, Almirante Thomaz, recebeu um pedido de audiência dos Ministros da Defesa Nacional e do Exército, a ter lugar após um desafio internacional de futebol militar, que se realizava no começo da noite. O Presidente da República marcou audiência para o dia seguinte, às 16 horas. Os dois Ministros insistiram, porém, de tal forma, que o Presidente acabou por aceder recebê-los por volta da meia-noite.

e. Após o jantar, o Presidente da República recebeu o Presidente do Conselho de Ministros em sua casa.

f. Pouco depois, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República telefonou ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica, dizendo-lhe, em nome do Chefe do Estado, que talvez fosse conveniente tomarem-se, na Força Aérea, algumas medidas de segurança.

g. O Subsecretário de Estado da Aeronáutica convocou, para sua casa, o General Mira Delgado, que substituía o General Albuquerque de Freitas, Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, ainda em missão oficial no estrangeiro, e os Generais da Força Aérea Francisco Chagas e Machado de Barros, expôs-lhes a situação e mandou que a Força Aérea entrasse de prevenção. A ordem foi prontamente executada.

h. O Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, que entretanto chegou a casa do Subsecretário de Estado da Aeronáutica, apoiou fortemente as medidas de segurança tomadas.

Pouco depois da meia-noite, o Presidente da República recebeu os Ministros da Defesa Nacional e do Exército.

Seguidamente, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República informou o Subsecretário de Estado da Aeronáutica do teor da conversa havida.

Em síntese:

a. O Ministro da Defesa Nacional advogou, durante cerca de 10 minutos, a necessidade, que dizia imposta pelo interesse nacional, particularmente no respeitante ao problema ultramarino, da exoneração do Prof. Oliveira Salazar de Presidente do Conselho de Ministros, e o Ministro do Exército glosou, durante mais de uma hora, as palavras do Ministro da Defesa Nacional.

b. O Presidente da República respondeu que, como era seu dever, ouvia sempre as opiniões dos portugueses responsáveis; que, desde logo, lhe não parecia ser solução adequada para os problemas nacionais a exoneração do Prof. Oliveira Salazar de Presidente do Conselho de Ministros; mas que iria pensar e que, oportunamente, daria a sua resposta definitiva.

c. Nesta conversa entre o Presidente da República e os Ministros da Defesa Nacional e do Exército, ocorreu ainda o seguinte:

- O Ministro da Defesa Nacional afirmou que, no relativo à exoneração do Prof. Oliveira Salazar de Presidente do Conselho de Ministros, tinha o apoio da grande maioria das Unidades do Exército.

- O Presidente da República respondeu que as suas informações eram diferentes e que, segundo elas, o número de Unidades referido era mínimo.

- O Ministro da Defesa Nacional perguntou onde tinha obtido o Presidente da República tais informações.

- O Presidente da República respondeu que se não sentia na obrigação de referir as fontes das suas informações até porque o Ministro da Defesa Nacional também o não fazia, mas poderia adiantar que uma de tais fontes era o Ministro do Exército, ali presente.

- Daqui resultou a discussão agreste entre o Ministro da Defesa Nacional e o Ministro do Exército, tendo o primeiro acusado este último de fornecer informações diferentes ao Presidente da República e a ele próprio.




Dia 12 de Abril


No dia 12 de Abril de 1961 e em consequência de convite anteriormente formulado, o Presidente da República almoçou com o Ministro e oficiais do Exército na Manutenção Militar.

O Ministro brindou com simpatia pelo Chefe do Estado.

Após o almoço, os Ministros da Defesa Nacional e do Exército receberam uma carta, em que o Presidente da República repudiava, por prejudicial ao interesse nacional, a exoneração do Prof. Oliveira Salazar de Presidente do Conselho de Ministros.

A meio da tarde, o Ministro da Defesa Nacional, por intermédio de um dos seus ajudantes de campo, convocou para o seu gabinete o Subsecretário de Estado da Aeronáutica.

Este, imprevidentemente, compareceu no Gabinete do Ministro da Defesa Nacional, onde também estava o Ministro do Exército.

Teve lugar a seguinte conversa, entre o Ministro da Defesa Nacional e o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, tendo-se o Ministro do Exército mantido rigorosamente calado:

a. O Ministro perguntou ao Subsecretário se era verdade estar a Força Aérea de prevenção.

O Subsecretário respondeu afirmativamente.

b. O Ministro perguntou quem dera a ordem de prevenção.

O Subsecretário respondeu ter sido ele próprio, Subsecretário.

O Ministro disse que só ele, Ministro, tinha autoridade para o fazer e que, em consequência, o Subsecretário tinha exorbitado.

O Subsecretário respondeu considerar-se com autoridade para tomar na Força Aérea as medidas de segurança que entendesse, o que de resto tinha sucedido já diversas vezes.

O Ministro repetiu que só ele, Ministro, tinha tal autoridade.

O Subsecretário manteve a sua posição.

c. O Ministro perguntou por que estavam forças pára-quedistas em Lisboa.

O Subsecretário respondeu que a prevenção na Força Aérea abrangia o deslocamento de forças pára-quedistas para as suas unidades de Lisboa.

d. O Ministro perguntou por que tinha o Subsecretário mandado entrar a Força Aérea de prevenção.

O Subsecretário respondeu, que estando o Exército de prevenção ou vigilância, considerava que a Força Aérea devia estar em situação semelhante.

e. O Ministro perguntou quem informara o Subsecretário de que o Exército estava de prevenção ou vigilância.

O Subsecretário respondeu que tal era do conhecimento comum.

O Ministro insistiu, repetindo a pergunta.

O Subsecretário respondeu que sabia ser isso verdade.

O Ministro voltou a insistir.

O Subsecretário deu a mesma resposta.

f. O Ministro pediu ao Subsecretário para sair e, estando este já de pé, descontrolou-se, tendo havido dura troca de palavras.

g. O Ministro disse ainda, em voz bastante alta, que ia pedir uma audiência imediata ao Presidente da República.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica deixou o gabinete do Ministro da Defesa Nacional e seguiu para a Presidência da República, onde relatou ao Chefe do Estado o que acabava de passar-se.

Pouco depois, chegou o pedido telefónico de audiência imediata a conceder pelo Chefe de Estado ao Ministro da Defesa Nacional. O Presidente recusou-se a conceber tal audiência.

A sensação, de que um golpe de força contra o Presidente do Conselho de Ministros, com as suas gravíssimas consequências em Angola, chefiado pelo Ministro da Defesa Nacional, mas tendo como principal promotor o Subsecretário do Exército, estava iminente, tornava-se cada vez mais nítida.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica pôs-se em contacto com o Ministro do Interior, Coronel Arnaldo Schulz, que, apesar de solicitado pelo Ministro do Exército, se mostrou firmemente ao lado do Prof. Oliveira Salazar e da sua política ultramarina. As forças de segurança mantinham a sua fidelidade.

Diligências feitas, nas unidades do Governo Militar de Lisboa, mostraram ser limitado o apoio ao Ministro da Defesa Nacional.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica manteve frequente contacto com o Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, Adriano Moreira, que sempre o apoiou e se manteve decididamente ao lado do Prof. Oliveira Salazar e da sua política ultramarina.

O Embaixador de Portugal em Madrid, General da Força Aérea Venâncio Deslandes, que entretanto se deslocara a Lisboa, procurou o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, tendo-lhe expresso o seu apoio e mostrado estar, também decididamente, ao lado do Prof. Oliveira Salazar e da mesma política ultramarina.

Em conversa havida em casa do Subsecretário de Estado da Aeronáutica, entre este, o Prof. Costa Leite (Lumbralles) e o Secretário de Estado do Comércio, Dr. Corrêa de Oliveira, admitiu-se a hipótese de, na remodelação ministerial em preparação, o Prof. Oliveira Salazar substituir o General Botelho Moniz no cargo de Ministro da Defesa Nacional. Mas a este respeito o Subsecretário de Estado da Aeronáutica manteve-se reservado.

Após o jantar, o Prof. Costa Leite telefonou ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica, pedindo-lhe a sua opinião sobre a designação do Brigadeiro Mário Silva, Tenente-Coronel Jaime da Fonseca e General Gomes de Araújo para o desempenho, respectivamente, dos cargos de Ministro do Exército, Subsecretário de Estado do Exército e do Estado-Maior General das Forças Armadas.

O Subsecretário respondeu nada poder dizer sobre as pessoas do Brigadeiro Mário Silva e do Tenente-Coronel Jaime da Fonseca, dado não as conhecer suficientemente, mas que, no que respeitava ao General Gomes de Araújo, considerava não poder encontrar-se melhor solução.

Nessa mesma noite, o Ministro da Marinha, Almirante Quintanilha de Mendonça, recém-chegado do estrangeiro, foi recebido pelo Presidente do Conselho de Ministros que o pôs ao corrente da situação que se vivia.

O Ministro da Marinha seguidamente foi buscar o Chefe do Estado-Maior da Armada a casa e ordenou que a Armada entrasse de prevenção.

Cerca da meia-noite, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica foi informado de que o Chefe do Estado-Maior da Força Aérea, que só deveria regressar dos Estados Unidos da América dentro de uma semana, chegava a Lisboa na madrugada seguinte, 13 de Abril.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica pediu ao General Mira Delgado que o fosse esperar e lhe dissesse que tinha urgência em lhe falar.

O General Albuquerque de Freitas, que chegou ao aeroporto de Lisboa por volta das 7 horas da manhã, foi desagradável para os Generais Mira Delgado e Francisco Chagas que o esperavam, e, em lugar de se apresentar ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica, dirigiu-se para a residência do Ministro da Defesa Nacional, acompanhado de um ajudante de campo deste que também o esperava.

O General Albuquerque de Freitas só às 10 horas se apresentou ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica.

Interrogado por este sobre a sua atitude, o General Albuquerque de Freitas disse o seguinte:

a. Tinha sido mandado regressar a Lisboa por telegrama do Ministro da Defesa Nacional.

b. Acabava de estar com este Ministro.

c. Às 17 horas, teria lugar uma reunião no Departamento da Defesa Nacional ou em casa do respectivo Ministro, à qual compareceriam, além deste e do Ministro e Subsecretário de Estado do Exército, os Chefes dos Estados-Maiores dos três ramos das Forças Armadas e alguns outros chefes militares.

d. Nesta reunião, se ponderaria se o Prof. Oliveira Salazar deveria ou não ser demitido e, no caso de unanimemente se decidir pela demissão, seria esta imposta ao Presidente da República que a aceitaria ou seria, também, afastado do seu cargo.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica chamou ao seu gabinete, instalado no Aeródromo-Base n.º 1, o Chefe da Casa Militar do Presidente da República e o Dr. Sollari Allegro, tendo-lhes exposto a situação e pedido que transmitissem urgentemente aos Presidentes da República e do Conselho de Ministros que se tornava imperioso que, no começo da tarde:

a. Fossem exonerados os General Botelho Moniz, Coronéis Almeida Fernandes e Costa Gomes e General Beleza Ferraz dos cargos de Ministro da Defesa Nacional e do Exército, Subsecretário de Estado do Exército e Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas.

b. Fossem designados para os mesmos cargos outras entidades.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica disse, ainda, que, caso tal não tivesse lugar, havia a maior probabilidade de, após as 17 horas, estarem presos os Presidentes da República e do Conselho de Ministros ou se estar em guerra civil.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica chamou, igualmente, ao seu gabinete o General Gomes de Araújo, tendo-lhe do mesmo modo exposto a situação e pedido para, logo que designado Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas, intervir junto dos chefes militares do Exército no sentido de evitar que estes comparecessem na reunião das 17 horas com o General Botelho Moniz que, então, já não deveria ser Ministro da Defesa Nacional.

Pouco depois das 15 horas, a Emissora Nacional anunciou a exoneração dos General Botelho Moniz, Coronéis Almeida Fernandes e Costa Gomes e General Beleza Ferraz dos seus cargos e a nomeação para os mesmos cargos dos Prof. Oliveira Salazar, Brigadeiro Mário Silva, Tenente-Coronel Jaime da Fonseca e General Gomes de Araújo.

O General Gomes de Araújo logo actuou junto dos chefes militares do Exército, tendo, em consequência, a maioria destes desistido de comparecer na reunião das 17 horas.

O Ministro da Marinha proibiu os chefes militares da Armada de comparecerem na mesma reunião.

O Subsecretário de Estado da Aeronáutica disse ao General Albuquerque de Freitas, único chefe militar da Força Aérea, nesta em serviço, que se prestava a participar na reunião em causa, que lhe permitia a sua comparência na reunião, mas que desta nada poderia resultar, dado já não terem qualquer autoridade as pessoas que a ela presidiam. O General Albuquerque de Freitas mostrou-se muito surpreendido com a remodelação ministerial verificada.

A reunião das 17 horas realizou-se, não tendo a ela comparecido a maioria dos chefes militares do Exército, nenhum chefe militar da Armada e, evidentemente, nenhum chefe militar da Força Aérea, com excepção do General Albuquerque de Freitas. Compareceu, porém, o Marechal Craveiro Lopes.

O General Albuquerque de Freitas, imediatamente após o termo da reunião, entregou directamente no gabinete no novo Ministro da Defesa Nacional um requerimento em que pedia a passagem à situação de reserva.

Em seguida, procurou o Subsecretário de Estado da Aeronáutica, tendo-o informado daquele requerimento e relatado o seguinte:

a. Na reunião das 17 horas, o General Botelho Moniz esperava pelos chefes militares convocados, quando o General Albuquerque de Freitas chegou.

b. Este disse que tinha a informação de que os principais chefes do Exército e todos os da Armada não compareceriam à reunião e pediu ao General Botelho Moniz para se certificar do facto.

c. Um dos ajudantes de campo do General Botelho Moniz confirmou telefonicamente que assim sucedia.

d. Então, o General Albuquerque de Freitas declarou que nenhuma decisão relativa a uma acção de força poderia ser tomada, dado não existir unanimidade nos chefes militares.

e. Após terem falado várias outras pessoas, a opinião do General Albuquerque de Freitas prevaleceu, tendo a reunião terminado.






Estava abortado o golpe de força


O Presidente do Conselho de Ministros e novo Ministro da Defesa Nacional telefonou, pouco depois das 18 horas, ao Subsecretário de Estado da Aeronáutica, dizendo-lhe que tinha em seu poder um requerimento de passagem à situação de reserva do General Albuquerque de Freitas e que sobre o assunto gostava de pessoalmente trocar impressões.

O Subsecretário aproveitou o telefonema para lembrar a conveniência do Presidente fazer, ainda nessa tarde ou noite, uma declaração ao País relativa aos acontecimentos verificados.

O Presidente mostrou dúvidas sobre tal conveniência pois considerava que apenas se tinha processado uma substituição de rotina de alguns membros do Governo.

Às 19 horas, o Presidente do Conselho de Ministros recebeu o Subsecretário de Estado da Aeronáutica.

Foi analisado o caso do General Albuquerque de Freitas, tendo-se concluído do acerto de deferir o seu requerimento de passagem à situação de reserva.

Relativamente aos acontecimentos que tiveram lugar, o Presidente apenas considerou que o Subsecretário tinha aspecto de cansado. Este disse que tinha dormido pouco nas noites anteriores, ao que Salazar respondeu: É natural, os senhores andam para aí a conspirar.

Momentos depois, o Presidente, que acabara por reconhecer a necessidade da declaração referida, dirigiu ao País uma curta mas expressiva mensagem.

Durante toda a crise, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica não teve com o Presidente do Conselho de Ministros contacto algum.

Terminada a crise, mas em relação a ela, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica apenas teve com o Presidente do Conselho de Ministros o contacto telefónico e o contacto pessoal atrás citados.

Após ter ouvido a mensagem do Presidente do Conselho de Ministros, o Subsecretário de Estado da Aeronáutica regressou a sua casa, onde encontrou o recém-nomeado Ministro do Ultramar, Prof. Adriano Moreira, eufórico perante o facto de ter sido abortada a acção de força que tinha estado iminente.

E, logo em seguida, o novo Ministro afirmou... mas meu caro Kaúlza, a sua carreira política vai terminar. O Prof. Oliveira Salazar não lhe poderá perdoar o serviço grande de mais que acaba de lhe prestar.

(in «Guerra e Política. Em Nome da Verdade. Os Anos Decisivos», Edições Referendo, 1987, pp. 199-215).

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