quinta-feira, 13 de novembro de 2025

Kaulza de Arriaga - Operação Nó Górdio.

 



«A Operação "Nó Górdio" e as Operações que a Precederam e Seguiram



(...) Na realidade, quando assumi o Comando-Chefe das Forças Armadas de Moçambique, em fins de Março de 1970, a situação em Cabo Delgado, e apenas em Cabo Delgado, tinha acentuada gravidade. O inimigo mostrava-se em plena força, bem enraizado no terreno, considerando as suas "bases" inexpugnáveis, com grande domínio sobre as comunicações terrestres. Acabava de lançar a sua grande ofensiva - a operação "Estrada" - que tinha por objectivos o isolamento das nossas unidades, através do lançamento maciço de minas, e uma profunda progressão para Sul. Visava, seguidamente, formar ou consolidar um "exército de libertação" com base na etnia maconde, e, com ele, atingir o coração de Moçambique, separando a Província em três partes - Tete, o norte e o Sul. De início não poucas das nossas unidades foram efectivamente isoladas e a Frelimo progrediu realmente para Sul, bordejando os aldeamentos do rio Messalo.

Em consequência, desde logo tive de determinar disposições e acções urgentes e de mandar preparar um plano de fundo que neutralizasse e destruísse as intenções do inimigo e trouxesse a iniciativa para o lado português.

Assim, depressa foi executada uma grande operação de reabastecimento aéreo das unidades isoladas e foi reforçada a faixa de aldeamentos do rio Messalo. Seguidamente foi realizada uma também grande operação de levantamento de minas e foi lançada a primeira operação heli-móvel ao longo do rio Rovuma da qual resultou a destruição e ocupação das bases fronteiriças da Frelimo. Outras operações de menor vulto, mas de acentuado interesse, tiveram ainda lugar.

Mais tarde, na sequência do plano de fundo acima referido, lançou-se a maior operação que talvez tenha tido lugar no Ultramar Português - a operação "Nó Górdio". A operação, na qual se utilizaram novas tácticas com fundamento, por um lado, em tropas mecanizadas de engenharia e em tropas especiais de assalto e, por outro lado, no heli-assalto, foi um sucesso. Destruíram-se e ocuparam-se todas as bases significativas do inimigo e este foi completamente desarticulado e posto em fuga. As suas baixas, se bem que infligidas no menor número possível, foram muito volumosas. Não mais alguém pensou no "exército maconde" nem na sua progressão para sul. Restabeleceu-se o domínio português sobre as comunicações terrestres e as nossas forças passaram a ter inteira liberdade de acção e plena iniciativa. Na exploração do sucesso, levada a efeito sobretudo por forças aeromóveis, o inimigo restante em Cabo Delgado quase desapareceu, refugiando-se na Tanzânia. Por outro lado, a operação foi extremamente rendosa pois aqueles, diria espectaculares, resultados custaram às nossas tropas, não os cento e tal mortos e inúmeros feridos imaginados por Costa Gomes, mas sim 26 mortos e 27 feridos graves.

O conjunto de todas estas operações, iniciadas com o reabastecimento aéreo e terminadas com a exploração do sucesso da operação "Nó Górdio", venceu drasticamente a Frelimo em Cabo Delgado [a Frelimo foi, nesta ocasião, salva de destruição total pela proximidade imediata do "Santuário" da Tanzânia] - o que foi confirmado após o "25 de Abril", por elementos qualificados desta Frelimo, como consta do livro "País Sem Rumo" do General Spínola. E os seus dirigentes em Dar-es-Salaam entraram em estado de choque e desvario. Começaram, em tentativa de justificação da sua derrota, por afirmar ser eu, Kaúlza de Arriaga, o segundo melhor perito do Mundo em guerra subversiva, logo a seguir a Giap - célebre chefe militar nas guerras da Indochina e do Vietname. Depois, puseram-me a cabeça a prémio, considerando que, enquanto eu vivesse, a Frelimo não tinha qualquer "chance", facto confirmado, já depois do que se chama a independência de Moçambique, também por elementos qualificados da Frelimo, na presença de oficiais portugueses. Finalmente levaram todo o seu problema à Organização da Unidade Africana.



E foi nesta Organização, distante dos acontecimentos, mais calma, mas menos realista, que, em face da situação em Cabo Delgado e do início da construção da barragem de Cabora-Bassa, se decidiu uma mudança de manobra da Frelimo no sentido de transferir o esforço principal, até aí feito, com base na Tanzânia, directamente em Cabo Delgado, para, igualmente com base na Tanzânia, mas agora através da Zâmbia, o fazer, como última hipótese de sucesso, em Tete ou mais precisamente sobre aquela barragem e acessos, tentando impedir a sua construção. A manobra, dadas as grandes distâncias entre as bases tanzanianas da Frelimo, através da Zâmbia e parte de Tete, até aos objectivos, teria só por si forçosamente de esgotar a já enfraquecida Frelimo, o que realmente estava sucedendo [A Frelimo foi, agora, salva pela 2.ª vez da destruição, pelo "25 de Abril"]. Esta situação foi, também, confirmada depois do "25 de Abril", igualmente por elementos qualificados da Frelimo, como é referido no mesmo livro "País em Rumo".


A Estratégia de Costa Gomes


No respeitante à estratégia de Costa Gomes, e os seus contagiados, desejavam que eu seguisse em Moçambique, repudiei-a imediatamente. Contudo, ouvi com isenção o Estado-Maior do Comando-Chefe, e pus a questão no Conselho de Defesa, presidido pelo Governador-Geral, em Lourenço Marques, tendo todos emitido espontaneamente pareceres concordantes com o meu. Houve mesmo quem considerasse a estratégia que nos queriam impor uma estratégia de inépcia ou de traição.

Naturalmente que, conhecida a nova manobra da Frelimo, quase no momento da sua decisão e, assim, antecipadamente em relação à sua execução, graças à eficácia da DGS em informações externas, foram transferidas numerosas forças para Tete e garantida a segurança de Cabora-Bassa. Mas tudo sem que se abandonasse território algum a Norte do rio Messalo ou em qualquer outro ponto, dado nada a tal obrigar nem sequer vagamente aconselhar, e dado, pelo contrário, a criação por aquele abandono, se tivesse tido lugar, de áreas "libertadas" e nelas a natural formação, para nós com gravidade evidente, de um governo frelimista no Norte de Cabo Delgado.


O Sucesso em Moçambique


O facto é que no Rovuma, isto é, na fronteira com a Tanzânia, continuaram a nossa acção e trabalhos, agora muito mais dirigidos a convencer a inteligência das populações e a conquistar os seus corações, do que ao ataque de terroristas quase inexistentes. Foram os casos da interessante e promissora operação "Fronteira" e de tantas outras. Era a continuação do sucesso em Cabo Delgado.

E o facto é que uma Delegação da Comissão dos 24 da ONU, querendo convencer-se da existência de áreas "libertadas" em Tete, acompanhada e supostamente protegida por numerosos elementos da Frelimo, vinda da Zâmbia, tentou atravessar a fronteira e, através daquelas inexistentes áreas, penetrar no interior de Tete. Durante perto de um mês e em mais de doze pontos diferentes, tentou aqueles atravessamento e penetração, tendo sido sempre em absoluto impedida de o fazer pelas tropas portuguesas e acabando por retirar, derrotada, para Nova Iorque. Também a construção de Cabora-Bassa prosseguiu sem um segundo de atraso, em relação ao calendário de começo previsto. Era o sucesso em Tete.

A verificação de algumas infiltrações, em Cabo Delgado e, torneando Cabora-Bassa, a Sul e Sudeste desta, que afinal deram apenas lugar a actos terroristas esporádicos, não tinha nem teve importância real, dado em terrorismo esses actos serem sempre possíveis e em nada afectarem a situação geral. Acresce que o esgotamento da Frelimo, atrás referido, impossibilitava a sua continuação e, por maioria de razão, qualquer sua intensificação.

Tudo evidenciou o êxito das operações que precederam e seguiram a operação "Nó Górdio", e desta própria, e o acerto na não-aceitação de alterações estratégicas.


A Operação "Fronteira"


Contudo, cabe aqui um comentário à operação "Fronteira". Esta operação de construção, em termos racionais e modernos, de vilas de populações fiéis ao longo da fronteira com a Tanzânia, decorria por vezes e sem que isso se devesse a qualquer acção inimiga, com lentidão excessiva, circunstância que em mais de uma ocasião me ocupou. Hoje sou levado a admitir ter sido talvez, em Moçambique e em meados de 1973, o único caso em que se verificaria já, além da má vontade do Ministério do Ultramar, oriunda, quero crer, em Costa Gomes, influência sabotadora de alguns futuros capitães do "25 de Abril"».

Kaúlza de Arriaga («Guerra e Política. Em Nome da Verdade. Os Anos Decisivos»).

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