«Saído de regiões onde enfrentou, em especial, a frustração psicológica derivada, principalmente, da antinomia entre a ideologia e as realidades e do desajustamento mental do homem à nova ordem estabelecida, o educador - seguindo o itinerário demarcado - entra na África Portuguesa.
Fa-lo-á, talvez, um pouco sugestionado por frases como estas, pronunciadas por Nkrumah: "A desagregação social e a escravatura causadas pelo regime português em África atingiram o máximo" [L'Afrique Doit s'Unir]. Mas, se tiver lido, antes, o livro de Robert Andres, "L'Afrique Africaine", verá um capítulo encimado por este epíteto: "Milagre da colonização portuguesa - a sociedade multirracial".
Depois concluirá ser entre os extremos de um "crime" e de um "milagre" que oscila a ignorância da realidade do mundo português.
Entre os dois marcos vai fazendo carreira, também, a campanha de difamação que nos moveram, estimulada por aquela mesma Europa conluiada com o pan-africanismo; pan-africanismo que muitos responsáveis já reconhecem ser "uma mistura de mitos e de elementos contraditórios que serve de pretexto a um neocolonialismo africano, hipocritamente camuflado com o manto da unidade africana".
Crime? Será milagre descobrir territórios, valorizá-los, introduzir técnicas até aí desconhecidas, defender as populações de si próprias e desenvolver as suas capacidades originais, incutindo-lhes a noção da utilidade do trabalho?
Milagre? Será milagre o que adveio de um processo civilizacional por excelência e visa, acima de tudo, impelir o homem para o aproveitamento integral das suas virtualidades latentes?
"Crime", para uns, "milagre" para outros, a verdade é existir um quadro sociológico onde o o "anti-racismo" e o respeito pelos valores étnicos locais não são mitos; onde o homem não sofre passivamente as influências do meio e sobre elas reage, modificando-as e submetendo-as às exigências do seu desenvolvimento; e onde a convivência dos elementos não é estática mas dinâmica, produzindo, a todo o momento, resultados que valorizam os bens dados e recebidos.
Nkrumah, no seu último livro, Le Consciencisme - que representa um esforço notável mas improfícuo de procurar dar conteúdo renovado ao pan-africanismo decadente -, diz ser "preciso distinguir numa situação colonial uma acção positiva e uma acção negativa. A acção positiva representa a soma das forças que visam estabelecer a justiça social, abolindo a exploração e a opressão impostas por uma oligarquia. A acção negativa denuncia, por seu turno, a soma das forças que visam prolongar a sujeição e a exploração coloniais".
Se o político ganês - a quem não faltam audácia intelectual e cultura - aceitasse o convite - insistentemente feito pelo nosso Governo ao Secretário-Geral da O.N.U. e aos Chefes de Estados dos países africanos - e fosse visitar os territórios portugueses, veria, sem grande esforço, resultar toda a obra aí realizada de um somatório de actos tendentes a estabelecer a "justiça social" e a abolir "a exploração e a opressão impostas por uma oligarquia".
E depois teria de vislumbrar, para ser honesto consigo próprio, a tal "acção positiva" que, também no seu entender, "deve promover todas as ideias progressistas" E essas ideias progressistas as encontraria, igualmente, no ultramar português, com a única diferença de que não se desajustam nem à realidade sócio-económica dos territórios nem à idade mental das populações.
Africanismo! Não será africanismo ter o maior respeito pelo manifestar dos valores estéticos, morais e religiosos dos diversos e, por vezes, heterogéneos grupos que integram o mundo luso-africano? Sim, mas africanismo no bom e único sentido que, cultural e moralmente, pode e deve entender-se.
Quer dizer: dinamizando esses valores, fazendo-os coexistir e interpenetrar com outros trazidos de fora, que os vêm enriquecer mas não destruir, e que também recebem deles influências, por forma a criar-se uma síntese harmoniosa, susceptível de permitir o alvorecer de um novo mundo e de um novo homem.
Não tendo razão, pois, Aujoulat, quando, no seu livro Aujourd'hui l'Áfrique, diz que "o processo português de colonização é um processo inquietante, na medida em que implica a hegemonia de uma cultura, que não se crê somente superior mas única".
Não tem razão porque, para ser como ajuíza, havíamos de destruir primeiro o homem africano, em virtude de a cultura ser na essência obra sua e um fenómeno social por natureza.
Ora, o homem africano faz parte integrante e viva do mosaico étnico do mundo português e, portanto, também participa por forma activa no processo criador do luso-africanismo, que é o resultado do contacto de culturas e de civilizações várias - tantas quantos os tipos suficientemente diferenciados de existência social».
Oliveira e Castro («A Nova África», 1967).
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