quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Salazar e a campanha anti-colonialista.

 


«Um dos ventos que dominantemente sopra no mundo é o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potências o direito de administrar e civilizar territórios não limítrofes - parece que toda a questão está aqui - e vai até negar os próprios benefícios da acção colonizadora.

O sovietismo tem a sua posição tomada no problema por motivos que se ligam à estratégia da revolução comunista ou à expansão do império russo. Mas o movimento concilia o apoio de muitos outros a ele ligados pela invocação de razões históricas ou pela influência de vagas ideologias. Estes últimos deviam considerar se, em vez de libertações generosas, não estão nalguns casos a promover a penetração de influências que buscam exactamente a linha de menor resistência das independências frágeis.

O que está em causa no momento é apenas o domínio de certas potências europeias nos territórios africanos, visto poder afirmar-se que a Ásia está quase completamente isenta de direcção política europeia. É para ali que sobretudo se voltam as atenções; é com esse objectivo sobretudo que a campanha se transmuda em organização estruturada.

Ora tomada a colonização como um processo de valorização económica de territórios submetidos a esse regime, bem como da sucessiva ascensão das respectivas massas populacionais a formas superiores de convívio social e de governo, não se verifica uma solução única dos problemas que o fenómeno suscita, e pelo menos três grandes linhas de acção se podem enunciar.

Assim a Inglaterra tem actuado no sentido da independência completa dos territórios, esforçando-se por mantê-los no seio da Comunidade. O processo é facilitado pelo carácter tradicional da colonização britânica, onde a miscigenação é inexistente e a fixação da população branca bastante escassa. Definidos os quadros da administração, servidos pelos elementos aborígenes, a questão da declaração da independência dos territórios não apresenta dificuldade de maior. Não se dirá o mesmo daquelas regiões onde o europeu se fixou em larga escala, organiza e dirige o trabalho e constitui o esboço mais ou menos desenvolvido do governo local. Nesta hipótese a eventual constituição em Estado independente será vista a luz diferente por países como os Estados Unidos e a União Indiana, por exemplo, porque aquele propenderá a olhar para a emancipação do colonizador, enquanto esta não verá no facto a emancipação do colonizado.

A França caminha noutro sentido - a formação de estados federados com a Metrópole francesa. Parece ser esta a orientação definida ainda que neste momento não possa dizer-se que existe aqui ou ali um estado perfeito, membro do Estado federal, tal qual o conhecemos na América ou na Europa.

Quanto a nós, o caminho seguido define-se por uma linha de integração num Estado unitário, formado por províncias dispersas e constituídas de raças diferentes. Trata-se, se bem interpreto a nossa história, de uma tendência secular, alimentada por uma forma peculiar de convivência com os povos de outras raças e cores que descobrimos e a que levámos, com a nossa organização administrativa, a cultura e a civilização comuns aos portugueses, os mesmos meios de acesso à civilização. Só a nível desta pode ser o meio de diferenciação do regime jurídico atribuível a uns e a outros. Além disso a equiparação dos territórios a províncias, a representação destas diversas parcelas na única Assembleia representativa e a intercomunicação dos elementos do funcionalismo por todos os territórios independentemente de origem e de raça são traços dominantes do sistema.

Este esboço de classificação não pretende confrontos ou críticas, porque só a história poderá autorizar um juízo. Nós cremos que há raças, decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação às quais perfilhámos o dever de chamá-las à civilização - trabalho de formação humana a desempenhar humanamente. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir a teia de rancores ou de organizações subversivas que se apresentem a negar e aprestem a substituir a soberania portuguesa. Este facto conhecido e revelado por todos os observadores deve estar ligado ao convívio fundamente humano estabelecido pelo português com o indígena em toda a parte, e até por certa interpenetração de culturas, quando se podia dizer que localmente havia uma cultura.

Tem-se apresentado contra o conceito português das províncias ultramarinas a objecção da separação geográfica, da falta de contiguidade territorial. O argumento não pode ser decisivo, desde que no Atlântico os Açores são ilhas adjacentes, Cabo Verde aspira ao mesmo regime, e desde que há numerosos Estados constituídos por parcelas distanciadas mais do que Lisboa está de algumas das províncias do Ultramar. Trata-se de factos ou criações históricas para as quais se procuram debalde ajustamentos a teorias lineares.

Se uma das mais flagrantes realidades do nosso tempo é a formação de grande número de Estados independentes, outra é o aspecto que nos oferecem de um nacionalismo por vezes exaltado e exclusivista. Este é certamente filho da sementeira de ódios em que a libertação houve de processar-se, tratando-se de movimentos emocionais que esperamos sejam transitórios e de pouca duração. O pior é que por aquele motivo se está a tolher nesses Estados a solução dos seus problemas económicos e consequentemente políticos. Como se trata de mancha extensiva a grandes zonas, valerá talvez a pena dar ao assunto um momento de atenção.

Um nacionalismo construtivo e colaborante devia satisfazer-se com uma condição - a integração na economia nacional dos factores - técnica, capital e trabalho - que se disponham a valorizá-la. Salvaguardada esta reserva, todas as mais garantias me parece jogarão contra os interesses do País na mesma medida em que joguem contra os interesses alheios. Estou a raciocinar na base de que os factores da produção que se transfiram para valorização económica de uma região ou nação são de ordem privada ou, sendo públicos, não prescindem de certas garantias. Creio que será este o estado da questão durante muito tempo. A ideia de que os povos considerados ricos devem colocar ao dispor da comunidade internacional gratuitamente os capitais necessários ao desenvolvimento dos vários países está tão longe das bases da organização e do espírito geral que não constituirá por ora solução prática. Os fundos desinados a melhoramentos, investimentos etc., de organismos internacionais são tão diminutos em relação às necessidades existentes que mais se devem considerar gestos de boa vontade, representando o que a dádiva representa na vida, do que meio eficaz de resolver as dificuldades.

Ora o recurso a capitais e factores privados arrasta consigo o problema das garantias e das compensações. Os novos nacionalismos reagem violentamente a exigências económicas e a compensações políticas que diminuam ou atinjam a plena capacidade de determinação dos seus governos. Não seremos nós quem estranhe o facto ou lhes recuse o direito de se oporem a essas condições, mas há um mínimo para além do qual se não recuará - é o limite representado pela eficiência e seriedade da administração pública, sobre as quais assentam a estabilidade de condições económicas e a rentabilidade dos capitais. Isto no fundo significa a existência de uma soberania que por elas responda. Fora desta linha, ou nada se há-de realizar ou não se fugirá a novas formas de imperialismo, mas com este ou outro nome o fenómeno reaparecerá.

Parecem-me por isso inconsistentes muitas aspirações ou requerimentos trazidos aos organismos internacionais, ilusórias muitas esperanças, desmedidas muitas ambições. Dois ou três países podem no momento competir entre si nas liberalidades concedidas neste domínio - a Rússia com mais possibilidades práticas do que outras nações de diferente estrutura económica. Isso se pode continuar a fazer com fins especiais; mas as exigências da economia mundial quando se lhe dá precisamente por alvo o aumento indefinido do nível de vida da população do globo não podem ser razoavelmente satisfeitas dentro dos limites naturalmente restritos destas competições.

Eis porque a emancipação não pode deixar de representar maioridade e consciência, aptidão para organizar o trabalho, condições para cumprir internacionalmente os deveres assumidos, senão nelas teremos a origem de novas servidões. A economia é bem a vida para que possa julgar-se que pode desprender-se da política ou esta daquela como se queira. Não. As grandes realidades que são as necessidades humanas, o trabalho, a produção impõem limites à acção dos homens, e as ideologias não bastam para matar a fome dos povos.

A França continua a ser a mais importante abastecedora de capitais e técnica dos países a que se estende a sua soberania, ou que, libertos dela, vivem dos laços de um passado recente. Tudo o que é ainda Comunidade Britânica, continua a ter em Londres o possível apoio económico e financeiro. E bem é que assim seja, porque quando se viu que a ruptura de laços políticos importou a estiolação dos laços económicos e financeiros ou por ter desaparecido toda a garantia de solvabilidade ou pelo despertar de sentimentos agressivos que tornam impossível a colaboração, não se viu como a situação pudesse ser remediada. Há tantos exemplos recentes que decerto cada um os tem debaixo dos olhos.

Quero dizer, em resumo, que todo este vento de agitações ou de subversão que vai pelo mundo atende à maturidade e condições de vida dos povos que visa, arrisca-se a satisfazer apenas em muitos casos ambições, mas não postula por si a satisfação das necessidades daqueles. Desperta movimentos emocionais que podem até apresentar-se invencíveis mas deixam no seu rasto problemas que não podem por si resolver».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais», 1957).

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