quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Histórias de um Portugal em lenta agonia!!!

 



HISTÓRIAS DA MINHA VIDA PROFISSIONAL, CURIOSAS E QUE MOSTRAM QUE ENTRE IDEIAS BEM-INTENCIONADAS E O PRAGMATISMO DOS QUE SABEM DA VIDA... VAI UM MUNDO...
1984. Fui nomeado CMDT Distrital da PSP de Viseu. Por inerência de funções fui também nomeado Presidente da Comissão Liquidatária do Albergue Distrital de Viseu.
Por decisão do poder político, os Albergues Distritais foram então, sumariamente, liquidados em todo o País. Mortos e enterrados. Coisa salazarenta, disseram.
Porquê? Questionei.
Declararam arrogantemente que a caridade dos Albergues era incompatível com as novas filosofias da segurança social; a solidariedade social iria substituir a caridadezinha salazarista, atentória da dignidade dos mais carenciados.
E o Albergue Distrital de Viseu, tal como todos os outros, foi liquidado. A quinta agrícola em que este se localizava e as suas instalações foram entregues à GNR/BT.
O Albergue Distrital de Viseu, tal como todos os outros, tinha custos Zero absoluto para o Estado e, eficácia igualmente total e absoluta, para as misérias sociais que a PSP identificava nas suas patrulhas e não só.
As instalações do Albergue Distrital tinham sido Doação dum filantropo, vivia de dádivas particulares e de rendimentos próprios da exploração agrícola anexa e era administrado pela PSP, a título gracioso; os Administradores eram o CMDT Distrital da PSP e agentes da PSP na reforma. Ninguém tinha qualquer salário ou benefício. Altruísmo puro.
Com a liquidação do Albergue Distrital, a Segurança Social assumiu assim, gloriosa e superiormente, as responsabilidades sociais dos albergues distritais.
O Albergue Distrital era então o Lar, de portas permanentemente abertas, noite e dia, para todos os sem abrigos, os mendigos, os desvalidos, os psiquicamente menos capazes de sobreviver, etc….
... todos ali tinham sempre e de imediato, a troco de nada, cama, mesa, banho, roupa lavada… ocupação e trabalho… se assim o desejassem e pudessem.
A Polícia quando referenciava mendigos, famintos, vagabundos, necessitados… ébrios, drogados, entregava os aos cuidados do Albergue… e ali podiam ficar para sempre. Se o quisessem.
Problema de polícia e social resolvidos ao minuto.
Em substituição dos Albergues nada, excepto um edifício gigante, o arranha-céus, dito da segurança social, muitas assistentes, inquéritos, entrevistas, resultados…. muitos empregos para os assistentes sociais.
Exemplos por mim vividos da Segurança Social versus Albergue Distrital ou a solidariedade social versus caridade e vice-versa.
Casos concretos, tal como ocorreram, sumários. (1984 e 1985)
Um dia uma senhora pede para falar com o comandante distrital da PSP. Recebi-a e disse-me. Tenho 27 anos, sou viúva, 3 filhos. Não tenho casa, nem trabalho, nem pão para os filhos.
Bati a todas as portas em Viseu, Segurança Social, Câmara Municipal, Governo Civil, Misericórdia e todas as portas se fecharam.
Procurei trabalho e nada. Não posso deixar morrer os filhos á fome.
Snr Cmdt, venho aqui dizer lhe, que a partir de amanhã vou ali para a circunvalação ganhar o pão como prostituta. Não deixe os seus polícias prenderem-me.
A PSP contactou a Segurança Social, nada, tinham pago uns meses de pensão e comida para a viúva e os 3 filhos, e não podiam mais.
As outras instituições depois de contactadas confirmaram nada poderem também.
A PSP descobriu familiares da viúva em Lisboa, contactou-os e predispuseram se a ajudar.
No entretanto, sem qualquer alojamento ou meios de subsistência e durante 8 dias, a PSP instalou a senhora e filhos nas celas (prisão) da PSP, alimentou-os nas messes e pagou os bilhetes de autocarro para Lisboa, Setúbal.
A Segurança Social não podia fazer nada… os polícias pagaram dos seus bolsos…
Outo caso, mais tarde…
A Directora da Segurança Social, revoltadíssima, telefona ao Cmdt Distrital da PSP e diz-me, parece impossível, uma idosa mendiga dormiu esta noite ali na rua direita ao frio, (era Dezembro), e a PSP nada fez…
... questionei a esquadra que me informou ser a mendiga conhecida da PSP desde há muito, ia e vinha de Tabosa frequentemente e dormia na rua, ... antes levavam-na para o Albergue, agora não havia para onde…
... foram buscá-la e mandei levá-la em carro da PSP/Viseu a Tabosa, contra as regras… a Directora esqueceu o facto de terem liquidado o Albergue e já não haver qualquer alternativa para a PSP poder ajudar…
... revistada a mendiga, tinha num saquinho de pano, umas centenas de escudos, que a Segurança Social lhe tinha dado por diversas vezes que a PSP a tinha lá levado…. prova da absoluta inutilidade prática da Segurança Social para resolver alguns casos…
E foram muitos, muitos mais…
A filosofia, a utopia, os sonhos, as fantasias quando se encontram com a realidade prática da vida não passam disso mesmo, sonhos, só sonhos, sempre só sonhos... a vida é outra coisa... menos azul ou cor de rosa.
JOSÉ LUIZ DA COSTA E SOUSA

Salazar, o ultramar português e a ONU.

 



«Não critico nem acuso; não há mesmo novidade na afirmação que não desvenda qualquer segredo. Foram por essa altura [no Conselho de Segurança de 6 a 9 de Junho de 1961] feitas pelos representantes oficiais dos Estados Unidos declarações que pretenderam definir uma nova política da grande nação americana em relação à África, e nessas declarações se fizeram críticas expressas à nossa administração ultramarina, às ideias retrógradas que seriam as nossas em confronto com as dos novos tempos, e se falou precisamente de Angola, como exemplo de uma obra de colonização atrasada, degradante para as populações, mesquinha para os territórios (não transcrevo, reproduzo o sentido geral).

Simplesmente, simplesmente estas acusações e estas atitudes de 13 a 15 de Março parece que foram recebidas por certos países africanos como de concordância para apoiarem abertamente a acção terrorista que desabou sobre Angola. Bem se sabe que os Estados Unidos não aconselhariam nem preparariam directa ou indirectamente actos terroristas. Os elementos subversivos vinham sendo de longe instruídos, catequizados, enquadrados dentro e sobretudo fora da Província, com o confessado auxílio dos países afro-asiáticos e de outros Estados na linha de orientação traçada pelo comunismo internacional. Mas no estado actual de África e dada a situação geográfica e política de Angola, para passar à acção, impulsionando-a do exterior, tinha inegável vantagem que da parte de uma grande potência ocidental e anticomunista houvesse uma palavra e uma atitude. Houve-as e infelizes.

Os Estados Unidos têm quanto à Rússia comunista e aos perigos da sua expansão uma política bem assente: apoiar com toda a força do seu poderio as potências do Ocidente Europeu, com as quais colaboram sem regatear meios através do Tratado do Atlântico Norte. Este Tratado é considerado, aliás sem ultrapassar os limites de uma aliança defensiva, a base da política americana contra o expansionismo soviético. Em boa hora criada, a organização pôde impedir, apesar de deficiências conhecidas, o ataque frontal às nações europeias. Aliás talvez este não estivesse na linha de acção russa quanto ao desmoronamento do Ocidente e à expansão do regime comunista no mundo.

Tem a Rússia, desde os tempos dos seus grandes doutrinadores, uma política igualmente bem definida quanto à África: a sua subversão como meio de contornar a resistência da Europa. O trabalho de subversão e desintegração africana tem sido sistemática e firmemente conduzido pela Rússia e nesta primeira fase, que é apenas expulsar a Europa de África e subtrair quanto possível os povos africanos à influência da civilização ocidental, estão à vista os resultados obtidos.

Ora, talvez por força do seu idealismo, talvez também por influência do seu passado histórico que aliás não pode ser invocado por analogia, os Estados Unidos vêm fazendo em África, embora com intenções diversas, uma política paralela à da Rússia. Mas esta política que no fundo enfraquece as resistências da Europa e lhe retira os pontos de apoio humanos, estratégicos ou económicos para a sua defesa e defesa da própria África, revela-se inconciliável com a que se pretende fazer através do Tratado do Atlântico Norte. Esta contradição essencial da política americana já tem sido notada por alguns estudiosos, mesmo nos Estados Unidos, e é grave, porque as contradições no pensamento são possíveis mas são impossíveis na acção.

Quando se hostiliza e enfraquece a França, ou a Bélgica ou Portugal, por força da política africana, ao mesmo tempo que se atinge a confiança recíproca dos aliados na Europa, diminui-se-lhes também a sua capacidade. As tropas retiradas para a Argélia não combaterão no Oder ou no Reno; mesmo as modestas forças que nós fazemos seguir para o Ultramar deixarão um vazio, pequeno que seja, no sector ou nas acções que nos fossem destinados. E a América, presa de esquematismos ideológicos, penso virá também a ser vítima - a última - desta contradição, se nela persistir.

A surpresa ante o ressentimento do povo português e a reacção que por toda a parte se verificou contra as atitudes e resoluções da ONU, levam-me a crer que os Estados Unidos cuja política tem sido sempre connosco de inteira compreensão e amizade, se encontraram diante de uma realidade diversa da que tinham pressuposto. Houve manifestamente grave equívoco em considerar o Ultramar português como território de pura expressão colonial; equívoco em pensar que a nossa Constituição Política podia integrar territórios dispersos sem a existência de uma comunidade de sentimentos suficientemente expressiva da unidade da Nação; equívoco em convencer-se de que Angola, por exemplo, se manteria operosa e calma, sem polícia, sem tropa europeia e com a força de 5000 africanos, comandados e enquadrados por dois mil e poucos brancos, se a convivência pacífica na amizade e no trabalho não fosse a maior realidade do território. E, havendo boa fé, todo o equívoco havia de desfazer-se em face da atitude de homens brancos e de cor que, vítimas de um terrorismo indiscriminado, clamam que não abandonarão a sua terra e que a sua terra é Portugal.

Alguns dos oradores da ONU, sem bem cuidarem dos termos da Carta, deram a entender não desejar outra coisa senão que as populações exprimam claramente a sua opção por Portugal, embora esta esteja feita desde recuados tempos, e constitucionalmente admitida e consolidada. Isso se chama a autodeterminação, princípio genial de caos político nas sociedades humanas. Pois nem assim quero fugir ao exame do problema, e em vez de embrenhar-me em divagações teóricas, restringir-me-ei ao exame prático do caso português.




Em pleno Oceano e já para sul da linha que define os limites políticos do Atlântico Norte, situam-se as dez ilhas de Cabo Verde. Vão de Lisboa a S. Vicente ou à Praia 2 900 quilómetros e de Washington às ilhas Hawai 8 mil, de modo que na teoria que se dispõe a contestar pelas distâncias a validade de uma soberania nacional parece não estarmos mal colocados. A superfície do arquipélago é de 4 mil quilómetros quadrados e a população orça pelos 200 mil habitantes. O aspecto geral é de secura e aridez. As manchas de terra seriam fecundas se houvesse água, mas o arquipélago não tem água e a chuva é escassa e incerta, além de que a erosão é activa. A incerteza e limitações da vida impelem à emigração para as costas fronteiras de África, sobretudo para a Guiné. Deste facto de vizinhança e interpenetração de populações advém terem surgido, na pujante floração actual de movimentos de libertação, um movimento para a Guiné e outro para a Guiné e Cabo Verde em conjunto. Como aquelas terras foram achadas desertas e povoadas por nós e sob nossa direcção, o fundo cultural é diferente e superior ao africano, e a instrução desenvolvida afirma essa superioridade, pelo que explica a ambição de alguns e a desconfiança dos restantes instalados na terra firme. Deste modo a independência de Cabo Verde teria de restringir-se ao Arquipélago, e não é viável.

Mesmo não considerados os anos de seca e de crise, Cabo Verde está sendo alimentado pela Metrópole quanto a investimentos e subsidiado pelo Tesouro para cobertura das despesas ordinárias. Daqui vem que os cabo-verdianos que vemos nos mais altos cargos da diplomacia, do governo ou da administração pública por toda a parte onde é Portugal, nunca pensaram em avançar no sentido de uma utópica independência mas no da integração, ao advogarem a passagem para o regime administrativo dos Açores e da Madeira. Assim o movimento é puramente fantasioso.

Dos valores de Cabo Verde um porém se destaca e de importância para a defesa do Atlântico Sul - é a sua posição estratégica, e esse valor pode ser negociado, evidentemente dentro de um quadro político e ético que não é o nosso. A tal independência que por outros motivos qualifiquei de inviável teria logo à nascença de ser hipotecada ou vendida, negando-se a si mesma, para obter o pão de cada dia. Mas para a transacção, desde que o Brasil não esteja interessado no negócio, só existe um pretendente possível.

Deixo de lado as pequenas ilhas de S. Tomé e Príncipe de que conheço as dificuldades económicas e deficiências financeiras, mas em relação às quais me parece não se terem instalado ainda em território estrangeiro os empreiteiros da sua hipotética libertação. E passamos à Guiné - à volta de um terço em superfície do território continental, com 600 mil habitantes. O clima faz que seja o autóctone a cultivar a terra e o europeu ou o levantino, do Líbano sobretudo, que movimenta o comércio. A administração tem sido prudente e modesta como o impõem as condições, mas nalguns sectores, como no da saúde e assistência, tão rasgada e competente que a Organização Mundial da Saúde classificou a campanha contra a lepra como a melhor de toda a África. Seja quais forem as aspirações das populações nativas a melhor nível de vida, uma coisa é certa: o seu amor à terra em propriedade individual observa com o maior receio as inovações que sob inspiração chinesa se preparam para além das fronteiras; e o trabalho livre a que se habituaram parece-lhes ameaçado pelas formas introduzidas em países vizinhos. De modo que os perigos que ameaçam a Guiné portuguesa não são propriamente os despertados pelo movimento de libertação do território.

Os seus representantes mesmo que portadores de algum mandato ou ambição legítima trabalham por conta alheia, pois nada poderiam contra forças de que poderá ajuizar-se, observando no mapa os Estados vizinhos e lendo na imprensa e ouvindo na rádio o eco das suas ambições. Enganam-se os que pensam para um futuro próximo em quaisquer soluções federativas ou outras para remediar os desconcertos da África actual: alguns dos novos chefes daqueles Estados não surgiram para se entenderem; a sua tendência será para se alargarem mas à custa dos outros, e todos sob o enganoso signo da libertação dos povos africanos.

O Estado da Índia, pequenino que é com os seus 650 mil habitantes e 4 mil quilómetros quadrados para preencher os quais são precisos quatro ou cinco territórios dispersos, não há dúvida que constitui uma individualidade distinta na Península do Industão. Aí se operou uma fusão de raças e culturas e, sobretudo, se criou um género de vida tal que por toda a parte o goês, como o comprovam as notações estatísticas internacionais, se distingue e não pode ser confundido com o indiano. Este continuará a arrastar consigo a divisão e irredutibilidade das castas, a confusão das línguas, o lastro da sua cultura oriental; enquanto o goês recebeu do Ocidente uma luz nova que, em harmoniosa síntese com os valores de origem, iluminou toda a vida individual e colectiva e caldeou, através cinco séculos de permanência e vida comum, a sua ancestralidade de sangue, com novo sangue, costumes e tradições. Compreende-se Goa a fazer parte da Nação portuguesa, porque nas crises o Estado português a apoia, a guia e financeiramente a sustenta; mas não podia o Estado da Índia assegurar por si a sua própria independência, apesar da típica individualidade que depois de tantas tergiversações acabaram todos em reconhecer-lhe. Assim os representantes mais categorizados do "movimento da libertação de Goa" foram levados pela força de circunstâncias evidentes a confessar que só exigem a independência dos territórios para integração na União Indiana.

O que chamamos província de Macau é quase só a cidade do Santo Nome de Deus, lugar de repouso e refúgio do Extremo-Oriente, incrustada na China continental. A província tem atravessado períodos de prosperidade e decadência, esta agora devida ao bloqueio americano da China que tirou a Macau a parte mais importante do seu comércio. E, como não pode estender-se, sofre das suas limitações naturais. A existência de Macau como terra sujeita à soberania portuguesa funda-se em velhos tratados entre os Reis de Portugal e os Imperadores da China, de modo que, se estes textos jurídicos mantêm, como deve ser, o seu valor, através de mutações dos regimes políticos, está assegurada a individualidade daquele território e a sua integração em Portugal. Mas se saíssemos do terreno da legalidade para fazer apelo a outros factores, certo é que Macau, fosse qual fosse o valor da nossa resistência, acabaria por ser absorvida na China de que depende inteiramente na sua vida diária. E o mundo ocidental ficaria culturalmente mais pobre.

Nas Índias Orientais há uma pequena ilha que se chama Timor, metade da qual partilhámos com a Holanda e desde 1945 com a República da Indonésia. Perdido entre as mil ilhas deste Estado, Timor não tem condições de vida independente. À parte o que tem sido necessário gastar ali para desenvolver o território e elevar o nível social das populações por meio de dispêndios extraordinários em planos de fomento, a vida ordinária não se basta e o Tesouro vê-se obrigado a cobrir parte importante das despesas correntes. Apesar de tudo a população, quando liberta de pressões ou influências estranhas, leva tranquilamente a sua vida e nas crises mais graves a dedicação dos povos para com a Nação portuguesa toca as raias do heroísmo.

Quando as forças japonesas na última guerra devastaram sem justificação nem utilidade o Timor português e a autoridade que representava a soberania no território ficou privada de meios para exercício efectivo do poder, foram quase só os timorenses a marcar ali por muitos modos a presença de Portugal. É curioso notar que se deve precisamente aos Estados Unidos a reentrega de Timor: por força de compromissos tomados connosco, sem dúvida, mas contra interesses que então seriam porventura de considerar se se não tratasse de Portugal.

Não se pode saber o que daria neste caso sob pressões estranhas a autodeterminação. Aquele pequeno grupo de cuja autenticidade duvidamos e que finge em Jacarta trabalhar pela libertação de Timor não pode pretendê-la senão para a trespassar à República da Indonésia que não teria então os escrúpulos de agora em aceitá-la. Port Darwin fica porém a uma hora de avião de Díli e alguém haveria de perturbar-se, ao menos tanto como nós, com o acontecimento.

Quer dizer: em todos os casos considerados e dadas as actuais circunstâncias, sempre que as Nações Unidas advogam a autodeterminação como acesso possível a soluções diversas, só podem de facto chegar à independência dos territórios, e, quando conseguissem a independência destes, ser-lhes-ia vedado querer coisa diferente da sua integração noutros Estados, isto é, a transferência da soberania para algumas delas. Ora, sendo esta a questão, devo dizer, sem arriscar confrontos desagradáveis, que em qualquer das hipóteses não podemos ser considerados nem menos dignos, nem menos aptos para o Governo sobre os povos de raças diferentes que constituem as Províncias de além-mar. Tentar despojar-nos dessa soberania seria pois um acto injusto, e, além de injusto, desprovido de inteligência prática. E explico porquê.

Nós somos uma velha Nação que vive agarrada às suas tradições, e por isso se dispõe a custear com pesados sacrifícios a herança que do passado lhe ficou. Mas acha isso natural. Acha que lhe cabe o dever de civilizar outros povos e para civilizar pagar com o suor do rosto o trabalho da colonização. Se fosse possível meter alguma ordem na actual confusão da oratória internacional, talvez se pudesse, à luz destes exemplos, distinguir melhor a colonização do colonialismo - a missão humana e a empresa de desenvolvimento económico que, se dá, dá, e se não dá, se larga. Muitos terão dificuldade em compreender isto, porque, referidas as coisas a operações de deve e haver, motivos havia para delinear noutras bases a política nacional».

Oliveira Salazar («O Ultramar Português e a O.N.U.»).


O Anti-colonialismo dos amigos americanos!!!

 

~


«Um factor que contribuiu para [a] aceleração [da "descolonização" em geral] foi a assinatura da Atlantic Charter em 12 de Agosto de 1941. O mentor do documento, o Presidente dos EUA, Franklin Roosevelt, queria assegurar a independência dos territórios controlados pelos Impérios Coloniais e defendia o direito de todas as nações à independência, paz, desenvolvimento económico e a não sujeição a situações de tirania, à semelhança do que os EUA se preparavam para fazer em relação às Filipinas. A bondade, não do documento em sim mas da intenção é controversa conhecendo-se a natureza do capitalismo norte-americano».

Tenente-General José Francisco Nico (in «Guerra d'África 1961-1974: Estava a Guerra Perdida?»).

Salazar e a campanha anti-colonialista.

 


«Um dos ventos que dominantemente sopra no mundo é o do anticolonialismo. Ele recusa a algumas potências o direito de administrar e civilizar territórios não limítrofes - parece que toda a questão está aqui - e vai até negar os próprios benefícios da acção colonizadora.

O sovietismo tem a sua posição tomada no problema por motivos que se ligam à estratégia da revolução comunista ou à expansão do império russo. Mas o movimento concilia o apoio de muitos outros a ele ligados pela invocação de razões históricas ou pela influência de vagas ideologias. Estes últimos deviam considerar se, em vez de libertações generosas, não estão nalguns casos a promover a penetração de influências que buscam exactamente a linha de menor resistência das independências frágeis.

O que está em causa no momento é apenas o domínio de certas potências europeias nos territórios africanos, visto poder afirmar-se que a Ásia está quase completamente isenta de direcção política europeia. É para ali que sobretudo se voltam as atenções; é com esse objectivo sobretudo que a campanha se transmuda em organização estruturada.

Ora tomada a colonização como um processo de valorização económica de territórios submetidos a esse regime, bem como da sucessiva ascensão das respectivas massas populacionais a formas superiores de convívio social e de governo, não se verifica uma solução única dos problemas que o fenómeno suscita, e pelo menos três grandes linhas de acção se podem enunciar.

Assim a Inglaterra tem actuado no sentido da independência completa dos territórios, esforçando-se por mantê-los no seio da Comunidade. O processo é facilitado pelo carácter tradicional da colonização britânica, onde a miscigenação é inexistente e a fixação da população branca bastante escassa. Definidos os quadros da administração, servidos pelos elementos aborígenes, a questão da declaração da independência dos territórios não apresenta dificuldade de maior. Não se dirá o mesmo daquelas regiões onde o europeu se fixou em larga escala, organiza e dirige o trabalho e constitui o esboço mais ou menos desenvolvido do governo local. Nesta hipótese a eventual constituição em Estado independente será vista a luz diferente por países como os Estados Unidos e a União Indiana, por exemplo, porque aquele propenderá a olhar para a emancipação do colonizador, enquanto esta não verá no facto a emancipação do colonizado.

A França caminha noutro sentido - a formação de estados federados com a Metrópole francesa. Parece ser esta a orientação definida ainda que neste momento não possa dizer-se que existe aqui ou ali um estado perfeito, membro do Estado federal, tal qual o conhecemos na América ou na Europa.

Quanto a nós, o caminho seguido define-se por uma linha de integração num Estado unitário, formado por províncias dispersas e constituídas de raças diferentes. Trata-se, se bem interpreto a nossa história, de uma tendência secular, alimentada por uma forma peculiar de convivência com os povos de outras raças e cores que descobrimos e a que levámos, com a nossa organização administrativa, a cultura e a civilização comuns aos portugueses, os mesmos meios de acesso à civilização. Só a nível desta pode ser o meio de diferenciação do regime jurídico atribuível a uns e a outros. Além disso a equiparação dos territórios a províncias, a representação destas diversas parcelas na única Assembleia representativa e a intercomunicação dos elementos do funcionalismo por todos os territórios independentemente de origem e de raça são traços dominantes do sistema.

Este esboço de classificação não pretende confrontos ou críticas, porque só a história poderá autorizar um juízo. Nós cremos que há raças, decadentes ou atrasadas, como se queira, em relação às quais perfilhámos o dever de chamá-las à civilização - trabalho de formação humana a desempenhar humanamente. Que assim o entendemos e praticamos, comprova-se pelo facto de não existir a teia de rancores ou de organizações subversivas que se apresentem a negar e aprestem a substituir a soberania portuguesa. Este facto conhecido e revelado por todos os observadores deve estar ligado ao convívio fundamente humano estabelecido pelo português com o indígena em toda a parte, e até por certa interpenetração de culturas, quando se podia dizer que localmente havia uma cultura.

Tem-se apresentado contra o conceito português das províncias ultramarinas a objecção da separação geográfica, da falta de contiguidade territorial. O argumento não pode ser decisivo, desde que no Atlântico os Açores são ilhas adjacentes, Cabo Verde aspira ao mesmo regime, e desde que há numerosos Estados constituídos por parcelas distanciadas mais do que Lisboa está de algumas das províncias do Ultramar. Trata-se de factos ou criações históricas para as quais se procuram debalde ajustamentos a teorias lineares.

Se uma das mais flagrantes realidades do nosso tempo é a formação de grande número de Estados independentes, outra é o aspecto que nos oferecem de um nacionalismo por vezes exaltado e exclusivista. Este é certamente filho da sementeira de ódios em que a libertação houve de processar-se, tratando-se de movimentos emocionais que esperamos sejam transitórios e de pouca duração. O pior é que por aquele motivo se está a tolher nesses Estados a solução dos seus problemas económicos e consequentemente políticos. Como se trata de mancha extensiva a grandes zonas, valerá talvez a pena dar ao assunto um momento de atenção.

Um nacionalismo construtivo e colaborante devia satisfazer-se com uma condição - a integração na economia nacional dos factores - técnica, capital e trabalho - que se disponham a valorizá-la. Salvaguardada esta reserva, todas as mais garantias me parece jogarão contra os interesses do País na mesma medida em que joguem contra os interesses alheios. Estou a raciocinar na base de que os factores da produção que se transfiram para valorização económica de uma região ou nação são de ordem privada ou, sendo públicos, não prescindem de certas garantias. Creio que será este o estado da questão durante muito tempo. A ideia de que os povos considerados ricos devem colocar ao dispor da comunidade internacional gratuitamente os capitais necessários ao desenvolvimento dos vários países está tão longe das bases da organização e do espírito geral que não constituirá por ora solução prática. Os fundos desinados a melhoramentos, investimentos etc., de organismos internacionais são tão diminutos em relação às necessidades existentes que mais se devem considerar gestos de boa vontade, representando o que a dádiva representa na vida, do que meio eficaz de resolver as dificuldades.

Ora o recurso a capitais e factores privados arrasta consigo o problema das garantias e das compensações. Os novos nacionalismos reagem violentamente a exigências económicas e a compensações políticas que diminuam ou atinjam a plena capacidade de determinação dos seus governos. Não seremos nós quem estranhe o facto ou lhes recuse o direito de se oporem a essas condições, mas há um mínimo para além do qual se não recuará - é o limite representado pela eficiência e seriedade da administração pública, sobre as quais assentam a estabilidade de condições económicas e a rentabilidade dos capitais. Isto no fundo significa a existência de uma soberania que por elas responda. Fora desta linha, ou nada se há-de realizar ou não se fugirá a novas formas de imperialismo, mas com este ou outro nome o fenómeno reaparecerá.

Parecem-me por isso inconsistentes muitas aspirações ou requerimentos trazidos aos organismos internacionais, ilusórias muitas esperanças, desmedidas muitas ambições. Dois ou três países podem no momento competir entre si nas liberalidades concedidas neste domínio - a Rússia com mais possibilidades práticas do que outras nações de diferente estrutura económica. Isso se pode continuar a fazer com fins especiais; mas as exigências da economia mundial quando se lhe dá precisamente por alvo o aumento indefinido do nível de vida da população do globo não podem ser razoavelmente satisfeitas dentro dos limites naturalmente restritos destas competições.

Eis porque a emancipação não pode deixar de representar maioridade e consciência, aptidão para organizar o trabalho, condições para cumprir internacionalmente os deveres assumidos, senão nelas teremos a origem de novas servidões. A economia é bem a vida para que possa julgar-se que pode desprender-se da política ou esta daquela como se queira. Não. As grandes realidades que são as necessidades humanas, o trabalho, a produção impõem limites à acção dos homens, e as ideologias não bastam para matar a fome dos povos.

A França continua a ser a mais importante abastecedora de capitais e técnica dos países a que se estende a sua soberania, ou que, libertos dela, vivem dos laços de um passado recente. Tudo o que é ainda Comunidade Britânica, continua a ter em Londres o possível apoio económico e financeiro. E bem é que assim seja, porque quando se viu que a ruptura de laços políticos importou a estiolação dos laços económicos e financeiros ou por ter desaparecido toda a garantia de solvabilidade ou pelo despertar de sentimentos agressivos que tornam impossível a colaboração, não se viu como a situação pudesse ser remediada. Há tantos exemplos recentes que decerto cada um os tem debaixo dos olhos.

Quero dizer, em resumo, que todo este vento de agitações ou de subversão que vai pelo mundo atende à maturidade e condições de vida dos povos que visa, arrisca-se a satisfazer apenas em muitos casos ambições, mas não postula por si a satisfação das necessidades daqueles. Desperta movimentos emocionais que podem até apresentar-se invencíveis mas deixam no seu rasto problemas que não podem por si resolver».

Oliveira Salazar («A Atmosfera Mundial e os Problemas Nacionais», 1957).

Histórias de um Portugal em lenta agonia!!!

  HISTÓRIAS DA MINHA VIDA PROFISSIONAL, CURIOSAS E QUE MOSTRAM QUE ENTRE IDEIAS BEM-INTENCIONADAS E O PRAGMATISMO DOS QUE SABEM DA VIDA... V...