quinta-feira, 12 de novembro de 2020

Orgulhosamente sós, Salazar e a invasão dos Açores.

 

Resolvi publicar este artigo por variadas razões, uma delas, quiçá a mais importante, o dar a conhecer o notável trabalho da diplomacia portuguesa, a contribuição da nossa diplomacia para a manutenção da nossa neutralidade em tempos de guerra.

Muito se tem falado, especialmente pelos reescrevedores da história, os indefectíveis caciques do actual regime sobre as privações e dificuldades que o povo português passou durante este período conturbado da história do século XX, falam de racionamento de alimentos, de algumas faltas, de pobreza e de algumas outras questões meramente acessórias, apenas ruído, nada mais, pois, ao não explicarem ou mostrarem a razão dessas mesmas dificuldades, não apresentando dados concretos e ocultando mesmo a verdade factual, o que já não é de estranhar, pois é o já bem conhecido modus operandi de uma certa franja de pigmeus pseudo-intelectuais, novelistas e contadores de histórias do regime, os Rosas, as Pimenteis, as Varelas entre tantas outras figuras. Enfim, há que manter este povo na ignorância, há que manipular as massas, há que denegrir as nossas figuras e feitos do passado, é isto meus caros, tudo serve para emporcalhar o nosso passado glorioso, a nossa grandeza de outrora.

Claro, a alvo a abater, é, e será sempre Salazar, compreende-se o porquê, como figura imaculada, como não deixou rabos de palha, em vez de explicarem o porquê das coisas, é mais fácil ocultar ou manipular a história, reescrevendo-a à luz do politicamente correcto.

"Orgulhosamente sós", uma frase de Salazar, frase que infelizmente muito poucos tiveram a capacidade de entender, na realidade, estávamos mesmo sós, sós a lutar contra todos, sós a lutar contra as forças que como hoje podemos ver tomaram o mundo nas suas mãos, submetendo-nos, escravizando-nos e explorando-nos, foi contra essas forças que se fez o maior esforço diplomático de toda a nossa história, sempre com o foco no objectivo, manter a nossa integridade territorial, independência e identidade nacional, o que foi de facto conseguido enquanto Salazar esteve ao leme da Nação.

Não foi tarefa fácil, aliás, como veremos no texto abaixo transcrito, foi um trabalho delicado e perigoso, mas cumprido na íntegra, sempre com a salvaguarda da nossa portugalidade, bem sabia Salazar o que tinha em cima da mesa, o que estava em jogo, na verdade, estava a jogar com o futuro de uma Nação que ia do Minho a Timor, estava em jogo um trabalho de quase nove séculos de conquistas e muitos sacrifícios, estava em jogo até, o futuro da humanidade.

Passando adiante, e volto a repetir-me, acho que a grande maioria dos portugueses não mereceu tamanhos sacrifícios, não mereceram ter uma figura como Salazar como figura destacada no panorama político e diplomático mundial, como veremos abaixo, uma figura respeitada, sempre com a sua pátria no coração, sempre com o seu povo no coração, lutou até à exaustão, mas marcou a sua posição e deixou marca indelével na nossa já longa e honrosa História.

Infelizmente e como podemos comprovar, anos mais tarde, um punhado de pulhas e traidores venderam aquilo que tanto nos custou a manter ao longo dos tempos, a integridade territorial e a nossa soberania, resta-nos então os bons exemplos do passado, quiçá um dia voltemos a ter uma palavra a dizer, possamos um dia voltar a ser o exemplo a seguir, voltemos a ocupar o lugar que nos compete, na verdade, fomos vítimas do nosso sucesso!

 Mostrámos ao mundo que é perfeitamente possível termos uma sociedade multi-étnica, pluricontinental, multi-religiosa e pluricultural, por isso mesmo os senhores do mundo pugnam por apagar a nossa história e até a nossa identidade.

Foi devido a este monumental esforço diplomático que o nosso país e as nossas gentes saíram incólumes do conflito, Salazar bem o prometeu e cumpriu, eis as suas palavras...

"Livro-vos da guerra, mas não vos livro da fome".

Alexandre Sarmento



«Ao receber para almoço na Sala dos Cisnes do Palácio da Vila, em Sintra, o ministro dos Estrangeiros da Argentina Henrique Ruiz Guinazu, Salazar fala em linguagem tranquila das nações latinas da América, que considera prolongamento da Europa latina. E parece muito calmo, sem cuidados. Da sua serenidade exterior não transparece a sua perturbação íntima, a sua angústia. Desabafa com o seu amigo Mário de Figueiredo: "Há umas semanas que atravesso forte trovoada no ministério dos Estrangeiros, que me não tem deixado atender a mais nada». E confessa-se: «A verdade é que a situação internacional pesa sobre todos nós e a mim preocupa-me de tal maneira que o espírito se me recusa a seguir, com a atenção que devia ser, outras coisas, o que é aliás lamentável". E os membros do governo não estão atentos, mas descuidosos, e Salazar queixa-se: "só nós e o ministro da Economia é que estamos em Lisboa; os das Finanças, Obras Públicas, Interior, Marinha e Colónias veraneiam cada um por seu lado; e o da Justiça nem sei onde está". Não obstante, prossegue com decisão resoluta a sua política. Nestes princípios de Maio de 1941, novas forças embarcam para os arquipélagos, sobretudo para Cabo Verde, e Salazar, como ministro da Defesa, timbra em despedir-se de soldados e oficiais. Em muitos círculos no estrangeiro, é compreendida a orientação que adoptou. Pierre Bernus, no Journal des Débats, afirma que Portugal está a defender a "sua alma e a sua existência próprias"; e II Giornale de Italia, o Corriere della Sera, o Osservatore Romano, o Temps, Le Jour, La Croix, elogiam a política do chefe do governo português. Mas este sente-se mais do que apreensivo: suspeita o pior da parte dos beligerantes. E com efeito, naquele mês de Maio, e sem que Salazar o saiba, um alto funcionário do Foreign Office, Sargent, escreve: "É uma questão em aberto a de saber se não devemos instigar secretamente o governo dos Estados Unidos a ocupar ou arrendar bases nos Açores e em Cabo Verde, e isto para começar. Não temos que participar nisso, e podíamos manter relações correctas com Portugal. Portugal queixar-se-ia, mas nada poderia fazer". E o subsecretário Butler, ao referir o assunto a Churchill, endossa a sugestão, embora a considere "drástica". Para Lisboa, era dito a Campbell que o governo inglês não podia auxiliar Portugal, e que aconselhava o governo português, no caso de ataque, a oferecer uma resistência simbólica e a partir para as ilhas ou para as colónias. Salazar reúne entretanto o Conselho de Ministros, e a decisão tomada é no sentido de não abandonar Portugal; se este fosse invadido, um ministro partiria para o ultramar levando consigo a legitimidade e o mandato de governar: e o governo demitir-se-ia. Campbell tem conhecimento desta deliberação por Vieira Machado, e ao comunicá-la para Londres deixa o Foreign Office preocupado. Mas em 6 de Maio o senador americano Pepper profere no Senado um discurso em que advoga a ocupação dos Açores, Cabo Verde, Canárias e Dacar. Bianchi sabe que o discurso teve a aprovação prévia de Roosevelt e do gabinete dos Estados Unidos. Em Portugal, a opinião pública reage vivamente; e o país sente-se possuído de um profundo sentimento antiamericano. Salazar fica exasperado. Em passeio no parque da sua residência com Sebastião Ramires, depois de jantar, este pergunta-lhe que fará se os americanos atacarem as ilhas. Salazar responde: "Vou mandar dar tiros. Quero ver se as democracias fazem guerra apenas para defender a soberania dos pequenos países". E três dias mais tarde publica uma nota oficial: "o governo português, embora lamente a desenvoltura com que de vários lados se traça o destino de países estranhos ao conflito actual, não pode evitar, nem mesmo apresentando queixas ou protestando junto dos respectivos governos, que as várias agências emissoras se acusem mutuamente e lancem as piores suspeitas sobre a intenção de uns e outros Estados violarem os direitos de terceiros países". E conclui por afirmar que nenhum pedido de bases nas ilhas portuguesas foi feito por qualquer país, e que o governo preparou a defesa dos três arquipélagos do Atlântico "em termos de poderem resistir a qualquer ataque de que porventura sejam objecto, embora o não espere". Reage sobretudo com vivacidade a opinião brasileira: o Jornal do Brasil, a Gazeta de Notícias, repudiam a atitude dos americanos ao quererem ocupar ilhas do Atlântico "como se fossem habitadas por selvagens". Depois, Ronald Campbell tem nova entrevista com Salazar. Insiste em que este defina desde já uma posição nítida em caso de ataque germânico. Salazar recusa. Diz Campbell: "Mas, Senhor Primeiro-Ministro, Portugal não tem uma grande esquadra, nem um grande exército, nem uma forte aviação. Que tem V. Ex.ª para prosseguir esta política". Replica o chefe do governo: "Tenho razão, Senhor Embaixador".

Está agora Salazar de posse do relatório que sobre as conversas de Estado-Maior foi apresentado pelo coronel Barros Rodrigues. Há que estudá-lo, e elaborar a resposta escrita a dar às autoridades britânicas. Santos Costa é encarregado de redigir um projecto, e para sua discussão é chamado a Lisboa Armindo Monteiro. Em reuniões sucessivas, e com participação de Teixeira de Sampaio, o texto é discutido, e aprovado, e quando regressa a Londres na segunda quinzena do mês de Maio, já Monteiro é portador do memorando definitivo.

(...) Regressado a Londres, Monteiro entrega a Eden, a 21 de Maio, o memorando português. Eden escuta sem interromper quanto lhe diz Monteiro; e depois lê atentamente todo o documento. Mostra surpresa pelo facto de o Estado-Maior português julgar improvável a resistência espanhola: é o inverso do que sempre lhe afirma o embaixador espanhol. Depois, o secretário de Estado comenta que é considerável o material de guerra que o governo português pretende adquirir. Se nas presentes circunstâncias não fosse possível fornecê-lo, qual seria a atitude de Lisboa? Monteiro não está habilitado a responder, fala de uma resistência simbólica; e nesse caso os Açores emergiam como segunda linha de resistência, onde se poderiam salvar elementos preciosos de reconstituição nacional. Eden significa a sua compreensão. E afirma que o documento está redigido com grande lealdade e clareza, e que naquele mesmo dia o entregará ao primeiro-ministro e aos chefes do Estado-Maior britânico. "É claro que o seu exame demorará algum tempo", conclui o secretário de Estado, "mas vou tratar do assunto activamente".

Tem a entrevista de Monteiro com Eden uma importância decisiva, todavia, e excede em muito o problema que fora tratado. Com efeito, os americanos estão impacientes quanto aos arquipélagos portugueses do Atlântico, e Roosevelt pensa em enviar a Salazar um emissário secreto para se ocupar do assunto. Mas Eden em 23 de Maio telegrafa a Halifax para Washington: se Salazar estava reticente até agora, a verdade é que "acaba de nos fazer uma comunicação cujo exame nos poderá conduzir a um arranjo sobre as ilhas atlânticas", e enquanto existir a possibilidade de se conseguirem os objectivos através de conversações seria "um erro táctico mandar um emissário americano a Lisboa". E aos seus próprios militares Eden declara que é preferível obter o que se pretende por negociação: "é a mais desejável solução sob o ponto de vista político". Por outro lado, os chefes do Estado-Maior britânico, ao considerarem o memorando português, em 27 de Maio, admitem que estariam erradas as sugestões e conclusões que anteriormente haviam apresentado ao governo de Lisboa; mas declaram que não é possível ajudar Portugal. Churchill e Eden comentam esta última afirmação, classificando-a de "penosa e desnecessária", e entendem que não deve ser transmitida ao governo português. Em Lisboa, Sir Ronald também está preocupado com a situação, e escreve ao Foreign Office: "Salazar é um homem perante quem a única política possível é a fraqueza"; "se não podemos salvar Portugal, ao menos devemos assegurar que a bandeira portuguesa livre continue a flutuar no ultramar"; e insistindo na necessidade de ser leal para com Portugal, Sir Ronald adverte o seu colega em Madrid, Sir Samuel Hoare, de que não confunda a Espanha com Portugal, porque este prefere uma vitória inglesa e "porque o sistema nazi é anátema para Salazar e para oitenta por cento do povo português". Em reposta a Sir Ronald, o Foreign Office concorda: "aceitamos inteiramente a sua opinião quanto à necessidade de ser completamente franco com Salazar".



De novo, contudo, causam os americanos um embaraço na situação. Nos últimos dias de Maio, também a 27, Roosevelt pronuncia um discurso em que, salientando a importância fundamental das ilhas portuguesas para a defesa dos Estados Unidos, e vincando que a Alemanha tem o poder militar de as ocupar, sugere que seria "estúpido esperar que o inimigo provável se firme numa posição de que possa atacar". Salazar reage vigorosamente. Está sendo celebrado o décimo quinto aniversário do 28 de Maio, com participação das Forças Armadas, Legião Portuguesa, Mocidade Portuguesa, cumprimentos em Belém ao presidente Carmona, e uma sessão da União Nacional no Teatro D. Maria II. Mas nesse mesmo dia Salazar comunica a Londres a sua reacção, e põe o gabinete britânico de sobreaviso: não tendo compromissos políticos com Washington, ao contrário do que sucede quanto a Londres, o governo português consideraria qualquer acto dos Estados Unidos "como acto de agressão ao território português com as lógicas reacções que o caso exigiria". Entretanto o New York Times, o Herald Tribune, o Washington Post, outros orgãos da imprensa americana, comentam o discurso de Roosevelt dando a entender que no ânimo do presidente estaria assente a ocupação das ilhas portuguesas. No dia imediato, a 29, Salazar determina que Bianchi se aviste com Cordell Hull, e faça o reparo apropriado com entrega de uma nota escrita. Envia por outro lado instruções a Martinho Nobre de Melo, embaixador no Rio de Janeiro, para que submeta à atenção do governo brasileiro o problema, embora sem pedir qualquer diligência; mas aquele não deixa, dias depois, de levantar a questão em Washington por forma favorável a Portugal. E Salazar encarrega Monteiro de uma diligência junto de Eden; mas Monteiro tem dúvidas, e pondera que o reparo português, sendo politicamente favorável à Alemanha, pode levantar suspeitas quanto à atitude de Lisboa; Salazar, contudo, mantém as suas instruções, que foram dadas após "cuidadoso exame dos termos do discurso" que não pode deixar de provocar "impressões desagradáveis notadas também pelo embaixador de Inglaterra"; e para mais "a opinião pública está muito excitada, chegando a considerar o discurso como resposta à nota oficiosa do governo". Eden, porém, compreende bem a atitude portuguesa: Roosevelt tratara o caso dos Açores "sem cerimónia": não tinha ouvido Londres sobre o assunto: estava convencido de que não eram agressivas as intenções daquele: mas ia dizer em Washington uma palavra.

(...) Em 31 de Maio, Bianchi é recebido por Cordell Hull. Faz os seus reparos ao discurso de Roosevelt. E entrega a nota escrita que fora redigida em Lisboa por Salazar. Se os Estados Unidos, diz o chefe do governo português, se arrogam o direito de decidir como hão-de empregar a sua força para se defenderem e para defenderem outrem, o governo português julga do seu imperioso dever pedir esclarecimentos acerca dessa tese, "porque ela pode ser interpretada como conduzindo à admissão de que, para defender outros países ou para se defender a si própria, poderia uma grande nação cometer atropelo análogo do que se diz existir a ameaça por parte de terceiros países". Hull lê toda a nota, medita, e diz a Bianchi que responderá por escrito. E depois expande-se em considerações sobre a necessidade de o Ocidente se defender da Alemanha hitleriana. Salazar, porém, não espera pela resposta de Hull. Retoma o assunto em Londres. E diz vigorosamente: "A construção de uma política relativa à Península assenta na conveniência de a Inglaterra manter a Espanha neutral e fora da guerra, para o que a neutralidade portuguesa é condição essencial. A ocupação das ilhas do Atlântico pela Inglaterra ou pelos Estados Unidos arrastaria imediatamente a ocupação de Portugal continental, que a Inglaterra bem sabe não pode evitar". E continua: "Seria, portanto, gravíssimo erro procurar o nosso acordo para aquele fim. Mas a ocupação violenta pelos Estados Unidos, contra a nossa vontade, violando a nossa soberania sob pretexto igual ao usado pela Alemanha com respeito a outros países, é hipótese tão inconcebível que só perante atitudes patentes se pode apresentar ao espírito como possível. Contra tal agressão, a que resistiríamos, teríamos o direito de invocar, e não deixaríamos de o fazer, obrigações da Inglaterra para connosco. Além das consequências de ordem material que acima indico, surgiria esta de ordem moral e jurídica. Pergunto: em que situação viria a achar-se a Inglaterra? Se as consequências para nós seriam as mais trágicas, não creio que para ela não fossem graves sob mais de um ponto de vista". E Salazar comenta: "Há muito que vejo que a situação da Europa perante a América se está a inverter, perdendo aquela as suas possessões e bases junto da costa americana, que a segunda adquire, avançando para a Europa". Monteiro transmite estas considerações a Eden, que envia a Halifax uma palavra no sentido de dissipar a ebulição suscitada por Roosevelt.


                        
(1941), "Humberto Delgado e outros aviadores portugueses na Base das Lajes",

Como prometera, Hull responde por escrito. Nota a reafirmação da neutralidade portuguesa, e a resolução de o governo de Lisboa em defendê-la, e à soberania portuguesa, contra qualquer ataque; o governo dos Estados Unidos não tem intenções agressivas, mas pacíficas, e apoia os princípios da não-agressão e de não-interferência; e a referência às ilhas portuguesas no Atlântico foi feita somente no contexto do perigo que as mesmas representam para o hemisfério ocidental se controladas ou ocupadas por forças dispostas a uma política de conquista e domínio mundial. Salazar não se tem por completamente esclarecido, e assim o afirma a Washington, com agastamento do departamento de Estado; mas compreende não ser possível ao departamento de Estado negar claramente o discurso de Roosevelt; e não insiste. Na grande imprensa a nota americana foi entendida como uma garantia dos Estados Unidos dada a Portugal. No mais, e neste incidente, Salazar pensa que a Grã-Bretanha se mostra "bastante silenciosa e tíbia".

(...) Perante o discurso de Roosevelt e a reacção portuguesa, a Inglaterra não fica tão silenciosa e tíbia como Salazar julga. Com efeito, no mesmo dia em que recebe Monteiro, Eden telegrafa a Halifax pedindo-lhe que "avise" o governo americano de que não deve intrometer-se numa questão em que serão obtidos melhores resultados se for deixada apenas ao gabinete de Londres. Mas Churchill está por seu lado a discutir o assunto directamente, numa base pessoal, com Roosevelt, e pretende a cooperação deste para a tomada das ilhas atlânticas. O Foreign Office, no entanto, intervém, e diz a Churchill que "é muito mais provável conseguir do Dr. Salazar o que pretendemos se mantivermos os Estados Unidos afastados das negociações". Na conversa com Halifax, Roosevelt diz estar pronto a deixar os ingleses conduzir as conversas; mas acrescenta que "está a aprontar a expedição aos Açores e Cabo Verde" e que, uma vez concluídas pelos ingleses as negociações, os "americanos tomariam mais tarde a posição daqueles". De Lisboa, Campbell informa que o discurso de Roosevelt causara no país apreensão e ressentimento generalizados, e mesmo indignação, salvo talvez nos círculos oposicionistas por motivos políticos; e o "Dr. Salazar, tendo dado a sua palavra, honrá-la-á, como espera que a Inglaterra honre a sua"; e "para ele constitui um choque ver o chefe de uma nação, com a qual Portugal não tem laços especiais, falar como se a soberania portuguesa não fosse embaraço ao que os Estados Unidos possam considerar exigências estratégicas do hemisfério ocidental"; e "além disso o Dr. Salazar não confia nos Estados Unidos". E sentindo a irritação do chefe do governo português, Eden multiplica em Washington as suas intervenções para travar os americanos, e promove em Londres um encontro entre Monteiro e Winant, embaixador dos Estados Unidos, e personalidade escutada por Roosevelt.



Verdadeiramente, no entanto, Salazar apenas dá o incidente como encerrado quando, com data de 8 de Julho, recebe uma longa carta pessoal de Roosevelt. É então claro o presidente americano, e quase solene a sua garantia: "na opinião do governo dos Estados Unidos, o exercício permanente e sem limitação dos poderes soberanos do Governo de Portugal sobre o território de Portugal, os Açores e todas as colónias portuguesas representa uma segurança completa para o Hemisfério Ocidental no que respeita àquelas áreas. Em consequência, constitui firme desejo dos Estados Unidos que não seja violado o domínio soberano de Portugal sobre aqueles territórios". Rumores em sentido contrário provêm de fontes inimigas, com o objectivo de perturbar as relações tradicionais entre os dois países; regozija-se o governo americano com as medidas de defesa tomadas por Portugal, de modo a inutilizar qualquer ataque da Alemanha; o governo americano está pronto a auxiliar a defesa da soberania portuguesa nos Açores e outras possessões portuguesas, mas apenas se o governo português assim o desejar; e nesse caso o governo do Brasil estaria também disposto a cooperar. Roosevelt espera assim haver desanuviado qualquer mal-entendido entre ele e Salazar; e conclui por recordar que, como secretário de Estado assistente da Marinha, visitara em 1914-1918 os portos dos Açores quando o Governo português de então havia permitido aos aliados o uso da Horta. Finalmente, Roosevelt afirma que qualquer colaboração entre os dois países deverá ser baseada no respeito mútuo dos direitos soberanos de cada um e com salvaguarda dos melhores interesses do povo português. Mas esta carta apenas em 21 de Julho é entregue a Salazar, pelo ministro dos Estados Unidos em Lisboa. E oito dias depois responde o chefe do governo português: agradece, regista as garantias de Roosevelt, explica as dúvidas suscitadas, reitera a disposição de fazer respeitar a soberania e a neutralidade portuguesas, e reafirmando a posição especial da Inglaterra não exclui o apoio do Brasil nem a cooperação dos Estados Unidos, se na guerra em curso a situação neutral portuguesa, por violação da sua soberania, viesse a ser alterada. "Tudo são razões de peso para que do nosso lado se vigie com cuidadosa atenção o que interessa à limpidez e consistência das nossas relações. Confio em que do lado de V. Ex.ª encontrarei a mesma compreensão e simpatia". Está nesta fase encerrado o incidente. Para que não fiquem dúvidas, no entanto, sobre as intenções do lado português, o chefe do governo sugere a Carmona uma visita oficial aos Açores. Acede o presidente, sem embargo da fragilidade dos seus setenta e dois anos. E os governos civis dos três distritos autónomos deslocam-se a Lisboa para convidar o chefe de Estado a efectuar aquela viagem de soberania e unidade política. Mas quando Monteiro lembra a vantagem de se conseguir que uma unidade da esquadra americana seja deslocada para os Açores durante a estadia de Carmona, para saudar este, Salazar rejeita a ideia.


Na mesma altura, Salazar faz entregar ao gabinete britânico um outro documento que implica uma atitude fundamental. Monteiro apresenta a Eden um memorial em que, depois de responsabilizar a Inglaterra pelo não rearmamento de Portugal e em vista do non-possumus confessado pelo gabinete britânico quanto à defesa do continente português, o governo de Lisboa comunica a Londres haver tomado a grave decisão de, no caso de ataque contra o continente, se deslocar para os Açores e estabelecer no arquipélago, sob protecção de forças nacionais, os orgãos de soberania e de administração. Estando nesta hipótese perdida a neutralidade portuguesa, Lisboa conta então com o poder naval britânico para manter a liberdade de comunicações, ao mesmo tempo que solicita algum material antiaéreo para completar a defesa dos Açores, e tornar estes invulneráveis a qualquer agressão. Sir Ronald Campbell acredita nesta decisão de Salazar, e assim o comenta para Londres: "mais uma vez sublinho a minha convicção de que o Dr. Salazar será leal para connosco desde que lhe mostremos a nossa confiança"; mas há que tomar a sério a sua afirmação de que defenderá as ilhas contra quaisquer ataques, e por isso convirá não esquecer que "as forças britânicas não serão bem-vindas nos Açores antes que os portugueses façam um apelo" em nome da aliança.

No dia 4 de Agosto o gabinete britânico discute a atitude de Salazar. Considera esta satisfatória. Mas num ponto há divergência: Salazar abandonará o continente no caso de ataque pela Alemanha, com forças germânicas apenas ou em conjunto com forças de outro país, naturalmente a Espanha, o que supõe a ideia de que Portugal pode continuar neutral ainda que a Espanha entre na guerra contra a Grã-Bretanha ao lado da Alemanha, desde que as forças espanholas e alemãs respeitem Portugal; o gabinete de Londres, pelo contrário, deseja que Salazar siga para os Açores, logo que Portugal "esteja ameaçado". E isso porque, entrada a Espanha na guerra e na suposição de ataque a Gibraltar, a neutralidade portuguesa deixa de interessar à Inglaterra e o uso dos arquipélagos portugueses atlânticos torna-se indispensável para substituir Gibraltar. Sir Ronald é encarregado de persuadir Salazar a aceitar este segundo ponto de vista. Desde logo o embaixador afirma ser de excluir qualquer ameaça, que levaria Salazar a rever a sua decisão, ou tentar resolver uma questão de princípio sob o disfarce de conversações militares; e para Campbell o melhor método consiste em nunca pôr em dúvida a aliança e "criar para Salazar uma obrigação que o vá conduzindo pelo caminho desejado". E Eden comenta sobre este despacho como quem pensa alto: "sempre acreditei que seria extremamente difícil pedir ao governo português que abandonasse Lisboa muito cedo".

Entretanto, o presidente Carmona partira para os Açores, a bordo do Carvalho Araújo, escoltado pelos contratorpedeiros Dão e Lima. Acompanham-no Pais de Sousa e Ortins de Bettencourt. Salazar assinala que por todas as ilhas é o chefe do estado recebido com "grande entusiasmo e as mais inequívocas provas de portuguesismo", tendo a imprensa dos grandes países seguido a viagem com o maior interesse, "com excepção talvez da dos Estados Unidos, que parece não dispuseram de informações". E nas capitais de distrito autónomos Carmona proclama: "Aqui é Portugal!".


(...) Entretanto, Roosevelt e Churchill haviam-se encontrado algures no alto mar, em pleno Atlântico, e acordavam numa declaração de oito pontos que consubstanciavam os objectivos da guerra e os princípios a que deveria obedecer a paz: é a Carta do Atlântico [por muito conhecidos, não se reproduzem aqui os oito pontos. Sendo um resumo dos quatorze pontos de Wilson, da guerra de 1914-18, consagram a livre vontade dos povos, a livre escolha de governo por cada um, igualdade no comércio mundial e no acesso às matérias-primas, colaboração económica internacional, segurança colectiva, liberdade dos mares, desarmamento, não engrandecimento territorial]. No seu regresso a Londres, Churchill informa o gabinete de que Roosevelt está "ansioso por ocupar os Açores", e que esperava um convite de Salazar nesse sentido. Churchill ponderara que tal convite lhe parecia improvável, salvo no caso de agressão alemã contra a Península. Deste modo, Churchill pensava que a Inglaterra teria de ocupar as ilhas, independentemente de qualquer provocação, pois não poderia correr o risco de se ver privada de Gibraltar sem uma base alternativa. Roosevelt afirmara que teria forças americanas prontas para a ocupação em meados de Setembro. Nessa reunião do gabinete, Eden intervém para dizer que Roosevelt lera na carta de Salazar o que esta não continha. Churchill replica que o presidente decidira dar-lhe a interpretação que mais convinha. Mas o gabinete conclui com mais prudência: convida apenas Eden a ponderar as palavras do primeiro-ministro.

(...) De harmonia com o convite feito na reunião do gabinete inglês de novo o Foreign Office pondera as relações com Portugal, em particular quanto aos Açores. Antes de mais não julga o Foreign Office possível qualquer atitude de má-fé: seria fatal quando se trata com Salazar: e tornaria mais difícil obter facilidades no arquipélago. Por outro lado, se Salazar se tem mostrado partidário da aliança luso-britânica, e desta faz a base da sua política, não se sente no entanto obrigado para os Estados Unidos, de que desconfia e por que não tem a menor simpatia. Comenta depois o Foreign Office: "Se é ou não desejável que os americanos estejam nos Açores, é assunto da mais alta política. A óbvia obsessão com que o Estado-Maior americano pretende aquelas ilhas é menos uma expressão do desejo americano de ajudar o esforço de guerra aliado do que uma expressão do expansionismo imperial americano. É isto que precisamente o Dr. Salazar receia, e deve ser tido em consideração". Conclui o Foreign Office que um arranjo anglo-português sobre os Açores é coisa natural, no quadro da Aliança; mas os americanos devem ser mantidos afastados, tanto quanto possível, no interesse britânico e no interesse português; e as conversações com Portugal devem prosseguir, por isso, antes de qualquer atitude violenta e antes que se "intrometa a complicação americana nas nossas negociações directas com os portugueses". Eden concorda com este parecer do seu departamento, e envia a Churchill uma minuta em que defende uma política de negociações com Portugal, ao mesmo tempo que mantém à distância os americanos, sem prejuízo de estes serem informados do progresso das conversas. Para travar Roosevelt, Churchill expede um telegrama ao presidente sublinhando que apenas em face de provocação alemã ou espanhola seriam os Açores tomados pela força. Nesta base continua Campbell as suas entrevistas com Salazar.




(...) Nos escaninhos superiores da política anglo-americana, no entanto, cruzam-se novas ideias quanto aos Açores. Roosevelt, com efeito, sente-se obcecado pelos Açores, e é encorajado pelo seu Estado-Maior. Fora sustado o seu golpe-de-força pela negociação luso-britânica, que tornara politicamente impossível aos Estados Unidos precipitarem-se sobre o arquipélago, e pelo acordo entre Londres e Lisboa, que privara Washington de qualquer pretexto ou fundamento. Mas o presidente americano exprime a Churchill o desejo de enviar aos Açores uma força naval dos Estados Unidos oito ou dez dias após a entrada em vigor do acordo anglo-português; Roosevelt sugere que de nada seja o governo português avisado; as forças navais americanas, e aéreas, entram simplesmente nos Açores; e aos portugueses seria depois dito que ingleses e americanos "estavam imensamente penalizados" pelo que acontecera mas que, perante o facto consumado, "muito pouco poderiam os portugueses fazer". Churchill concorda, e entende que se deve reafirmar a disposição de declarar guerra à Espanha, se esta atacar Portugal em razão do acordo dos Açores; e salienta que o compromisso com os portugueses não especifica as forças a serem usadas para defender Portugal. Ainda em Setembro, o Estado-Maior americano apresenta ao Estado-Maior britânico "um plano para uso dos Açores". Segundo esse plano, os Estados Unidos pretendem os Açores como base de patrulhas e de luta anti-submarina, de protecção a comboios, e de apoio para transporte de tropas e abastecimentos destinados ao Reino Unido, Mediterrâneo, Índia e China. Para este efeito, os chefes militares americanos, querem uma base naval em Ponta Delgada e outra na Horta; uma base militar nas Lajes, na Terceira; e uma base militar nas Flores. E propõem-se enviar para os Açores um efectivo de cerca de 10 000 homens. No pensamento do Foreign Office, este plano equivale à ocupação americana do arquipélago.

                             

                          Visita do Presidente Carmona aos Açores 26 de Julho de 1941 - Ponta Delgada 

(...) Churchill, todavia, continua sob a influência de Roosevelt, e quer a todo o preço satisfazer este. Telegrafa por intermédio de Dill ao almirante americano King: "a minha decisão e o meu compromisso são no sentido de estabelecer os americanos plenamente naquelas ilhas para fins de guerra; mas King deve recordar-se de que os portugueses estão atemorizados com os americanos pois julgam que estes querem os Açores enquanto os ingleses são, pelo menos neste caso, inocentes cordeiros". Eden lê este telegrama, e fica perturbado. Protesta vigorosamente junto de Churchill: "A satisfatória reacção dos portugueses, baseada inteiramente na sua lealdade à aliança luso-britânica, contrasta mais do que favoravelmente com a conduta de outros neutros, como a Turquia ou a Irlanda"; e "se os americanos querem mais, como parece quererem por razões suas, tem de tentar consegui-lo por si mesmos". Churchill não força o seu secretário de Estado; procura ganhar tempo; e pede a King que se mantenha calmo porque está decidido a levar os americanos aos Açores.

(...) Do mesmo passo, o Estado-Maior britânico responde ao ambicioso plano dos chefes militares americanos. Dizem aqueles: "atendendo à história das negociações com os portugueses e sendo extremamente indesejável envolver Portugal na guerra nas condições presentes, confiamos em que o Estado-Maior americano não espere obter concordância imediata ao seu programa que excede largamente o conjunto das facilidades que solicitámos aos portugueses". Sustentam a necessidade de uma expansão gradual, para evitar uma reacção alemã e não apavorar os portugueses. Parece, afirmam os ingleses, que Washington não se dá conta das dificuldades do arquipélago; devem as facilidades ser progressivamente ampliadas até que, avaliadas as circunstâncias, se possa apresentar o assunto a Salazar; e não pode esquecer-se que tudo quanto afecte Portugal se repercutirá na Península, no Mediterrâneo e na África do Norte. Ao mesmo tempo, para travar Churchill, Eden escreve a este último: "Temos diante de nós um ambicioso plano americano, elaborado em completa ignorância das negociações de Lisboa e dos termos do acordo final"; "até novos comentários dos americanos, não devemos praticar qualquer diligência junto dos portugueses em nome daqueles"; de outro modo, se se precipitar tudo, o caso "teria um péssimo efeito sobre o Dr. Salazar e, vista a sua profunda desconfiança dos americanos, poderia alterar a presente atitude portuguesa de cooperação para uma atitude, que, na melhor das hipóteses, seria de relutante consentimento"; "é fundamental que os americanos compreendam que o Portugal moderno, que para todos os efeitos práticos é o Dr. Salazar, não é uma segunda Guatemala, de que os americanos podem obter tudo o que desejam simplesmente com ameaças e suborno"; além disso, os ingleses haviam assegurado que os americanos dariam garantias de respeito pela soberania portuguesa; o peso das forças portuguesas está nos Açores, e resistiria a um acto de força; e o "Dr. Salazar não é homem para concordar no que teria de ser considerado a dissolução do Império Português". Mas o primeiro-ministro, embora amolecido por Eden, continua obstinado: "compreende os seus sentimentos", diz ao secretário de Estado, "mas temos de trabalhar para obter para os americanos facilidades pelo menos iguais às nossas"; essas facilidades seriam a contrapartida da garantia americana quanto à soberania portuguesa; e "os portugueses devem tomar nota das profundas mudanças que ocorreram desde que todas estas conversas principiaram". Entretanto, é recebido em Washington o parecer dos chefes militares ingleses, e Eden comunica directamente com o Departamento de Estado: os americanos são travados na sua ávida precipitação

(...) Logo que desembarcam nos Açores as forças britânicas, Roosevelt precipita-se na sua ânsia de utilizar também o arquipélago. Escreve ainda em Outubro a Churchill: "Salazar pode estar certo de que os Estados Unidos não têm o desejo de permanecer depois da guerra em qualquer território português e de que será bem-vindo como beligerante ao nosso lado". Churchill está desejoso de satisfazer o presidente americano, e sugere que dentro de oito ou dez dias, sem aviso aos portugueses, algumas forças dos Estados Unidos cheguem aos Açores. Eden não concorda: parece-lhe que Roosevelt trata o arquipélago como se este não fosse português: e quer que decorra muito mais tempo antes de anuir ao pedido americano, até para certeza de qualquer reacção alemã ou falta desta. Diz o primeiro-ministro que não faz questão de data; mas o assunto não pode ser esquecido, porque assim o prometeu ao presidente. Eden conversa então com Churchill e dissuade-o de qualquer acção. Mas não tem, neste particular, confiança no primeiro-ministro, e anota para o Foreign Office: "Falei neste assunto ontem à noite ao P. M. e instei no sentido de passar pelo menos um mês antes de satisfazermos os americanos. Ele concordou mas o departamento deve estar vigilante sobre este problema durante a minha ausência". Mas na verdade Churchill propõe a Roosevelt que a esquadra americana comece a ser reabastecida nos Açores a partir de 7 de Novembro e que na mesma altura aterrem nas ilhas aparelhos da força aérea dos Estados Unidos. São propostas que excedem os termos do acordo, e o Foreign Office nota-o. Depois, Roosevelt muda de pensamento, e informa Churchill de que prefere tratar directamente com Salazar, sem os ingleses como intermediários. Replica o primeiro-ministro: "Com certeza, faça o seu próprio pedido ao governo português! O único problema consiste em saber se lhe deve dar mais alguns dias para ver a reacção alemã, mas a responsabilidade desta decisão pertence-lhe a si".  Simultaneamente, é assinado em Lisboa, pelos brigadeiros Ian Grant e Luiz Lello, um acordo para defesa do continente português, e em que se consideram quatro hipóteses: ataque pela Alemanha com resistência espanhola; ataque alemão com anuência de Espanha; ataque conjunto pela Alemanha e pela Espanha; e ataque apenas por esta última, havido aliás como pouco provável. E Campbell recebe instruções para apoiar o representante americano, Kennan, nas diligências que este vai empreender. Entretanto, Kennan fora chamado a Washington, e aí procurara moderar os departamentos de Estado e da Guerra quanto aos pedidos a apresentar sobre os Açores. Regressa Kennan, e solicita uma audiência ao chefe do governo: durante esta deve prestar as garantias anunciadas pelo governo britânico: e deve iniciar as diligências para obter nos Açores facilidades independentes para os Estados Unidos. Mas cinco minutos antes de partir para a entrevista recebe Kennan um telegrama de Washington determinando-lhe que retenha a prestação de garantias. Fica embaraçado, e preenche a conversa com banalidades, acabando por declarar que a sua diligência perdera o sentido uma vez que fora julgado preferível praticá-la em Washington junto do representante português. "Fico curioso de saber o que será", comenta Salazar. Mas a Bianchi, em Washington, nada é dito. Salazar compreende o jogo: os Estados Unidos querem obter primeiro as facilidades nos Açores anunciando as garantias para depois: e alcançado o seu objectivo apenas dariam garantias contra mais concessões noutros domínios.


Entretanto, também ainda em Outubro, Kennan recebe novas instruções de Washington, em nome pessoal do presidente. Segundo aquelas, deve pedir a Salazar: uma base aeronaval em Ponta Delgada, uma base aeronaval na Horta, uma base aérea em São Miguel, uma base aérea na Terceira, uma base aérea nas Flores; facilidades de comunicações, de observação e postos de radar; instalações para pessoal civil e militar; e autorização para estacionamento de forças maciças nas ilhas. Kennan deve invocar uma frase da aliança luso-britânica que alude aos "amigos dos amigos". E deve cumprir as suas instruções até ao dia 18 de Outubro, "se até essa data a Alemanha não houver empreendido qualquer acção militar contra Portugal". Kennan sente-se estonteado. Protesta para Washington: "tenho relutância em discutir com o Departamento ou pedir ao Departamento que discuta com o Presidente uma instrução que me é dada por este"; mas entende que se não podem apresentar pedidos aos portugueses; e "estou pronto a assumir a responsabilidade pessoal desta atitude". E declara-se disposto a ir a Washington para expor o seu ponto de vista. Ao mesmo tempo, dá a conhecer a Campbell o teor das suas instruções. Campbell fica desvairado. Comenta para o Foreign Office: "a minha opinião é que os Estados Unidos seriam mal avisados em reter as suas garantias na esperança de as usarem como meio de pressão para conseguirem as facilidades que pretendem. Isso pode dar resultado com alguns governos mas não dará resultado - repito, não dará resultado - com o Dr. Salazar". E o Foreign Office reforça este parecer: "o governo dos Estados Unidos não tem facilitado os seus objectivos pela maneira altamente inepta como se tem comportado com o Dr. Salazar"; e além disso "temos informação secreta, mas fidedigna, de que o Dr. Salazar, tranquilizado embora quanto à reacção alemã, continua a justificar a sua decisão na base da aliança luso-britânica e não concederá facilidades aos Estados Unidos, salvo possivelmente sob cobertura inglesa". Mas o Foreign Office tem ainda outra preocupação mais profunda: "o Dr. Salazar não acreditará que nós ignoramos as pretensões americanas, e seremos certamente responsabilizados pela conduta dos americanos e acabaremos por ter de encontrar uma saída para as dificuldades criadas pela sua precipitação"; e é de esperar que os americanos não pensem "como último recurso em usar a força, uma vez que isso permitiria ao Dr. Salazar invocar a aliança anglo-portuguesa e pedir-nos que defendêssemos território português contra os americanos". Aliás, observa o Foreign Office, esse acto americano "não teria justificação possível em face da Carta do Atlântico e de qualquer código de moral internacional". Churchill fica dividido entre o alarme e a irritação. Responde ao Foreign Office: "Tudo isto pode acabar mal para Salazar. Mas que podemos nós fazer excepto dizer a Campbell que dê a Kennan os melhores conselhos possíveis? É seguro que os Estados Unidos têm de ter facilidades pelo menos iguais às nossas. Não podemos separar-nos do pedido deles, e podemos imaginar que em apoio daquele podem usar a força". E na ausência de Eden, o primeiro-ministro pergunta a Cadogan: "Acha que Salazar pode ser convencido a tomar um avião para Gibraltar e encontrar-se ali comigo no próximo mês?". Mas Cadogan desencoraja a ideia: era improvável que Salazar aceitasse, salvo se se julgasse em muito sérias dificuldades: Churchill retira a sugestão: e esta fica em suspenso para a hipótese das diligências americanas correrem mal: nesse caso seria de tentar um encontro entre Salazar e Churchill ou Eden. A Campbell, todavia, é dada latitude para mencionar aquela possibilidade em Lisboa, se o julgar útil. Mas Campbell, por seu turno, sente alarme extremo, e agasta-se com Washington: "os americanos, com perfeita inconsciência, julgam que nós ocupamos as ilhas todas", e "os conselheiros do Presidente não devem ter lido o texto do acordo". E para Londres Campbell admoesta o Foreign Office: "o Dr Salazar quer eliminar o sentido mórbido de subserviência perante a influência britânica"; e "inculcar um novo espírito de dignidade e respeito próprio" e o sentimento de "que os portugueses, embora materialmente fracos, podem, se moralmente fortes, lidar com quem quer que seja em termos de igualdade". E repisa em carta para Frank Roberts: "os americanos não obterão o que querem se se excederem"; "se insistirem ou ameaçarem, Salazar mostrará aos alemães e aos espanhóis que foi enganado pelos americanos, e depois recorrerá aos ingleses para se oporem àqueles, e se tudo falhar resistirá pela força e apresentará ao mundo o caso moral".


Impressionado com a reacção de Kennan, Roosevelt, embora dispensando-o de ir a Washington, autoriza-o no entanto a suspender o cumprimento de instruções e pede-lhe que exponha em telegrama o seu ponto de vista. No intervalo, Churchill apercebe-se da amplitude das exigências americanas nos Açores: vão para além de tudo o que imaginara. E intervém junto de Roosevelt: receia que haja um mal-entendido; quando concordou com negociações directas luso-americanas, julgava que estas se destinavam a obter facilidades semelhantes às concedidas aos ingleses; é agora informado de que Washington pretende regressar às exigências que em tempos haviam sido formuladas pelo Estado-Maior americano, e às quais objectara; e se é assim, "não posso deixar de sentir que é inviável obtê-las imediatamente, e pergunto-me se tem alguma informação precisa de Lisboa que o leve a ver ser possível alcançá-las por negociação directa". Entretanto, Kennan por seu turno expõe em longo telegrama o seu parecer. Afirma claramente: se forem apresentados a Salazar todos os pedidos constantes das instruções de Outubro, não só aquele os repudiará sem apelo como ficará tão suspeitoso que recusará no futuro o mais insignificante pedido. E Kennan enumera as suas razões: Salazar não está "preparado" para tais exigências, e a muito menores solicitações inglesas só acedeu com relutância e em virtude da aliança; as relações luso-alemãs estão tensas, quase no ponto de ruptura, e provocar esta é contrário ao interesse americano de manter neutral a Península; Salazar receia uma associação com os Estados Unidos pouco menos do que com a Rússia; estar-se-ia a jogar a favor da propaganda alemã, que apresenta as facilidades concedidas aos ingleses como simples abertura de uma porta por onde penetrará a torrente americana; Salazar há-de pensar que os Estados Unidos pretendem todo o arquipélago; não se está em troca a oferecer seja o que for a Salazar, enquanto os ingleses reafirmaram a aliança e as garantias de defesa do império português; se as exigências americanas, tal como formuladas, forem submetidas a Salazar, este chamará imediatamente Campbell e torná-lo-á responsável pelo que se passa; e, finalmente, há que notar haverem sido recusados a Londres muitos dos pedidos que agora Washington se propõe fazer. Deste modo, conclui Kennan, "salvo se estamos dispostos a conspirar para derrubar o Dr. Salazar, o que envolveria uma responsabilidade que me faz estremecer", há que ganhar a confiança do chefe do governo português e apresentar os problemas "docemente e gradualmente". E por isso, quem quer que venha negociar deve poder usar de grande latitude discricionária. Perante esta firmeza de Kennan e os seus argumentos, e em face da intervenção de Churchill, Roosevelt modifica a sua atitude. Diz a Kennan: "Em virtude da sua compreensão e conhecimento da situação local e da psicologia dos portugueses, e da possibilidade de reacções alemãs, nós confiamos no seu julgamento quanto aos limites práticos até onde deve ir". E uma vez que não é lícito pedir sem compensação, Kennan fica autorizado a prestar ao governo português a garantia territorial anunciada, relativa a "todo o império colonial português e sua soberania". A Churchill diz o presidente americano quais as novas instruções que expediu para Lisboa; e o primeiro-ministro e Eden convencem-se de que "os americanos não sabem o que querem". Mas em 24 de Outubro, de posse das suas novas instruções, Kennan apresenta-se a Teixeira de Sampaio. Este pergunta pelas garantias americanas, esperadas desde Agosto. Kennan responde que está autorizado a prestá-las imediatamente. E em 25 daquele mês endereça a Salazar uma nota em que diz: "No cumprimento de instruções do meu governo, tenho a honra de informar V. Ex.ª de que, em ligação com o acordo recentemente concluído entre Portugal e a Grã-Bretanha, o governo dos Estados Unidos toma o compromisso de respeitar a soberania portuguesa em todas as colónias portuguesas". Dias mais tarde, Roosevelt dirige-se pessoalmente a Salazar. Escreve: Kennan dir-lhe-á "quanto eu tenho acentuado, como meio de encurtar a guerra e de salvar vidas, o uso de facilidades na Terceira e na Horta por americanos assim como por ingleses. Mas posso eu aproveitar esta oportunidade para lhe recordar uma história que decerto lhe é familiar?". E o presidente dos Estados Unidos lembra que em 1918, quando subsecretário da Marinha, visitara a Horta e Ponta Delgada, onde os aliados desfrutavam de facilidade de abastecimento, de reparação e de bases para a campanha anti-submarina. "Nesse tempo, nunca foi posta em causa a boa-fé dos Estados Unidos em cumprir a sua promessa de, tão cedo quanto possível após a guerra", abandonarem essas bases; tudo inspeccionara pessoalmente; as relações entre os dois países eram então de confiança e amizade mútua; e "em 1919 todas as nossas forças foram retiradas". E Roosevelt conclui por dizer que gostaria de ver Salazar "num dia próximo" e tratar da aproximação cultural entre os Estados Unidos, Portugal e o Brasil. "Não preciso de lhe dizer que os Estados Unidos não têm quaisquer desígnios sobre o território de Portugal e suas possessões". Salazar compreende a notificação suavemente feita por Roosevelt. Mas desconhecendo as intenções iniciais americanas, e suspeitando-as somente, não pode avaliar com rigor quanto a sua política fizera sustar aquelas e quanto recuo há na carta de Roosevelt. Nem pode tão-pouco pesar o serviço que no episódio fora prestado por Kennan e por Churchill.

(...) Em 1 de Dezembro, Kennan tem com Salazar a nova conversa que solicitara. Reitera o desejo americano de facilidades nos Açores, à sombra e em compensação das garantias escritas prestadas pelo governo de Washington, e faz-se eco das necessidades da aviação civil norte-americana, que pretende um aeroporto comercial nas ilhas para as suas carreiras transatlânticas. Salazar continua a não se comprometer, todavia. Kennan levanta problemas económicos, e de abastecimento a Portugal, e suscita a questão das exportações do volfrâmio para a Alemanha, que Washington desejava ver sustadas; e refere-se à eventual construção de mais um aeroporto nos Açores, que de início os americanos encaravam nas Flores e que agora pretendem em Santa Maria. Salazar, apoiado em números, demonstra a sem-razão dos aliados no problema do volfrâmio, que considera muito delicado por poder arrastar à perda da neutralidade portuguesa e à prática de actos de guerra por parte da Alemanha; e quanto aos aeroportos, cuja construção Kennan tentara ligar à guerra contra o Japão, repisa Salazar a tese de que na situação actual não são possíveis facilidades nos Açores fora do quadro da aliança luso-britânica. E por seu lado sublinha que Portugal aguarda reacção à pergunta que há muito fizera: de que maneira e com quem deve ser discutida a participação portuguesa em operações militares para expulsar os japoneses de Timor? Kennan não está habilitado a satisfazer Salazar; mas julga compreender que no espírito deste as duas questões se apresentam como ligadas e interdependentes. Neste contexto e nestas linhas, Salazar entrega a resposta à carta de Roosevelt. E ausenta-se de Lisboa, para uns breves dias em Santa Comba e no Vimeiro. Entretanto, em Londres e Washington debatem-se os dois problemas. De parte americana, mantém-se a ideia de um acto brutal de violência que coloque Salazar perante um facto consumado. De parte inglesa, pretende-se resistir às pressões norte-americanas, por um lado; e por outro lado os chefes do Estado-Maior britânico ambicionam ampliar as facilidades de que as forças britânicas dispõem nos Açores e julgam ser vantajoso, para a causa aliada, que Portugal declare guerra ao Japão. Campbell, que meditara profundamente o discurso de Salazar de 26 de Novembro na Assembleia Nacional e começa a ser permeado pelas razões profundas da política do chefe do governo português, sente-se alarmado. Intervém, escreve uma carta pessoal a Eden: o que a Londres parecia líquido não o era, e podia suscitar consideráveis dificuldades; se os alemães haviam "engolido" o acordo dos Açores, porque resultava de uma aliança anterior às hostilidades, não aceitariam sem reagir uma declaração de guerra contra o aliado nipónico; há o risco de os japoneses tomarem Macau, de que os portugueses são "extraordinariamente orgulhosos", e onde se encontram centenas de milhar de refugiados, cujo sacrifício Salazar considera um dever evitar; e, embora conste que já fez algumas sondagens em Madrid, Salazar não desejara precipitar uma atitude que, de momento, pode perturbar o alinhamento neutral da Península. E Campbell comenta que é errado presumir que o chefe do governo português se sente impressionado com os triunfos aliados: "não há que pensar que Salazar deseja subir para o comboio da vitória; a essência da sua política é a independência e a não-subserviência a qualquer potência, incluindo as potências aliadas; e está firmemente resolvido a não ser peão no jogo de quem quer que seja". Salazar poderá declarar guerra ao Japão quando o julgar da sua conveniência: não o fará quando essa declaração for apenas da conveniência dos aliados.




(...) No termo de 1943 chega a Lisboa o novo ministro dos Estados Unidos, Henri Norweb. Amigo pessoal de Roosevelt, é homem que desconhece dificuldades, melindres alheios, interesses diversos, e que se sente estupefacto e desorganizado se alguém ou algum governo tiver ponto de vista diferente do de Washington. No dia 31 de Dezembro de 1943, Norweb é recebido por Salazar. Desde logo ataca todo o problema frontalmente: os Estados Unidos pretendem facilidades próprias em Ponta Delgada, a extensão do aeroporto das Lajes, um novo aeroporto em Santa Maria, uma estação meteorológica e de navegação nas Flores. Salazar mantém absoluta reserva quanto aos pedidos de fundo; e apenas declara que não vê inconveniente em que as facilidades concedidas aos ingleses sejam utilizadas pelos americanos, nem se opõe a que estes tenham nas instalações daqueles alguns oficiais, desde que não ostentem as insígnias dos Estados Unidos, não constituam unidades de combate e se mantenham nominalmente sob comando britânico. Salazar duvida, no entanto, que a sua reacção haja sido claramente entendida por Norweb, cuja atitude de insensibilidade lhe pareceu perigosa e cujo tom se lhe afigurou confuso. Depois, de harmonia com os desejos do Estado-Maior inglês, Campbell apresenta em 6 de Janeiro um memorial em que solicita a extensão de algumas facilidades concedidas, à luz da experiência adquirida em três meses. Campbell amplia e desenvolve verbalmente o conteúdo do documento. Salazar não suscita quaisquer dificuldades em examinar o novo pedido de Londres. Mas queixa-se de Norweb, e mostra a maior relutância em discutir a diligência daquele com o enviado britânico. Desvenda a Campbell um aspecto capital: quando em nome de Berlim apresentara o seu protesto pelo acordo dos Açores, Huene afirmara que o governo alemão compreendia os ingleses no arquipélago, mas não compreenderia nem aceitaria os americanos. Campbell entende a implicação, sente-se alarmado, comunica urgentemente a Eden o que se passa; e afirma estar seguro de que, se as forças americanas tenderem a desembarcar nos Açores para além da fórmula já admitida por Salazar e contra a vontade do governo português, ou sem acordo deste, as forças portuguesas resistiriam militarmente. Eden comenta: "uma péssima amostra da diplomacia americana".

Salazar pressente que os americanos podem resolver usar a força. E na noite de 8 para 9 de Janeiro de 1944, às duas da madrugada, chama Campbell: faz-lhe uma comunicação sóbria, é breve, incisivo: e com simplicidade informa o embaixador de que acaba de dar instruções ao comando português nos Açores para atacar as forças americanas, até ao extremo limite dos meios militares disponíveis, se aquelas procurarem desembarcar. Não tem Campbell dúvidas sobre a decisão de Salazar, e transmite a Londres a sua ansiedade. As autoridades militares portuguesas nos Açores confirmam ao comando inglês as ordens recebidas, e a sua decisão de cumpri-las. Depois, Campbell comunica durante a noite a Norweb e a Crocker, conselheiro americano, as consequências de um acto de força dos Estados Unidos. Norweb e Crocker ficam entorpecidos de assombro: "parecia que uma mola se desprendera subitamente de uma caixa e lhes esmagara o nariz". E Norweb cai doente, fica de cama. Mas Churchill, no seu americanismo, sente irritação: não tem paciência para os neutros que querem escapar às dificuldades e ainda beneficiar: e pretende que Campbell apoie os americanos vigorosamente. Então, de meias-palavras deixadas cair por Palmela, o Foreign Office torna na primeira quinzena de Janeiro à sua ideia anterior de fazer um convite a Salazar para uma visita oficial a Londres. No pensamento do Foreign Office, o convite não deveria ser apresentado, para não lhe diminuir a amplitude, como destinado apenas a discutir os Açores, ou Timor, ou o problema do volfrâmio. Dir-se-ia ao chefe do governo português que o governo britânico julgou chegado o momento de examinar em conjunto o futuro imediato, o desenvolvimento ulterior da aliança luso-britânica, a posição dos dois países no após-guerra. Em 13 de Janeiro, Eden telegrafa a Churchill, ausente no norte de África, e obtém a concordância deste ao convite a Salazar. Entretanto, em Lisboa, Campbell insistia, em 17, por uma resposta ao seu pedido de princípios de Janeiro, relativo à extensão de facilidades nos Açores. Salazar escreve pessoalmente ao embaixador uma longa carta em 20, e é firme, mesmo sobranceiro: o governo português tem em muita conta os interesses britânicos, e procura satisfazê-los; mas não tem em menor conta a defesa dos seus próprios interesses, ou dos seus direitos, ou dos acordos concluídos e no espírito em que o foram, nem pode afastar-se dos princípios políticos em que se baseia; e um certo número de acções precipitadas obrigam-no a dizer, como já foi dito em Londres, que não deseja trabalhar sob pressões que imponham soluções mal pensadas ou semivoluntárias, nem está disposto a aceitar factos consumados; e em qualquer caso o governo português quer nas suas decisões salvaguardar a sua completa liberdade de espírito. Salazar reage como quem pressente perigos iminentes. E na verdade, no mesmo momento, a embaixada britânica em Washington acentua junto do Foreign Office toda a amplitude das ambições americanas sobre os Açores. E sublinha: Roosevelt afirmara a Halifax que o governo americano estava "vivamente interessado no destino do arquipélago" e a "ideia de uma qualquer forma de ocupação americana das ilhas está de há muito no seu pensamento" uma vez que as "encaram como uma importante base avançada para defesa deste continente". Corroborando a informação da embaixada britânica nos Estados Unidos, Roosevelt envia uma mensagem pessoal a Churchill: baseando-se nas entrevistas iniciais entre Salazar e Norweb, que este interpretara para Washington como consentimento de Lisboa ao desembarque de forças americanas, o presidente americano, embora admita que Salazar haja depois mudado de opinião, informa Churchill da sua intenção de não ter em conta tal mudança e do seu desejo de enviar em breve forças americanas para os Açores, que ficariam sob controle inglês para efeitos de operações. Mas em 20 de Janeiro, Norweb, já refeito, volta a avistar-se com Salazar: fala de Timor, da guerra no Oriente, da eventual participação portuguesa: mas não é discutido o problema dos Açores. Eden entretanto lê a mensagem de Roosevelt para Churchill, e com urgência intervém junto deste. Para Eden, "não há a menor dúvida de que o ministro americano não compreendeu Salazar de todo, e está fora de questão que este haja faltado à sua palavra". Dera o chefe do governo português o seu acordo à estadia de algumas forças americanas nos Açores sob comando inglês: não dera acordo ao desembarque de forças americanas independentes, nem à permanência de uma esquadra aérea dos Estados Unidos, como Roosevelt pretende. E a verdade é que Salazar "tem sido muito compreensivo em todos estes importantes problemas, não obstante a confusão e inépcia das diligências americanas"; se Washington persistir na sua atitude, "poderá prejudicar outros importantes desejos americanos e britânicos"; e é óbvio que o "Presidente não conhece Salazar, que é perfeitamente capaz de repetir a sua ameaça de resistir pela força a desembarques americanos - ainda que isso possa ser havido como loucura - se estes preferirem o facto consumando à negociação". Não se contentando em enviar ao primeiro-ministro os seus comentários escritos, Eden fala pessoalmente a Churchill sobre o assunto, no dia imediato, e submete-lhe um projecto de resposta a Roosevelt, que na sua substância é perfilhado pelo primeiro-ministro. Este afirma ao presidente não ter dúvidas de que Norweb está agindo num equívoco, baseado num acordo que Salazar não deu; Salazar está pronto a cooperar, desde que salvaguardados os princípios; não se pode esquecer que os alemães aceitam os ingleses nos Açores, mas não os americanos, porque a aliança não se aplica a estes; e sem embargo dos anglo-americanos possuírem força esmagadora, seria "incoerente com a nossa atitude geral para com pequenas potências tratá-las brutalmente em questões de neutralidade". Churchill recomenda que quaisquer forças americanas se apresentem como britânicas, e promete enviar a Salazar uma mensagem pedindo-lhe para satisfazer os desejos dos Estados Unidos. Em Lisboa, também a 20 de Janeiro, é dada resposta oficial a pedido inglês de extensão das facilidades nos Açores: Salazar recusa a utilização de Ponta Delgada: e vai considerar o problema das Lajes. No dia seguinte Norweb, em nota, limita-se a solicitar autorização para que seja construído, em local a escolher, um aeroporto, que possa ser usado em alternativa ao das Lajes. E ao receber João Neves, embaixador do Brasil, Salazar queixa-se da rudez e insensibilidade de Norweb; João das Neves confidencia as queixas a Campbell; e este confidencia-as ao Foreign Office e a Norwerb. Desde este momento, os americanos actuam cautelosamente, e com extremo respeito pelos escrúpulos e princípios de Salazar.



Entretanto, chegam a Campbell as instruções de Londres para convidar Salazar a uma visita oficial a Inglaterra. Salazar recebe o embaixador em 22 de Janeiro, e este faz o convite em termos prementes e persuasivos. Salazar agradece: mas lamenta desde logo não o poder aceitar. Campbell insiste: "estou certo de que gostaria de ir a Londres, pense bem no convite". Salazar responde: "não tenho dúvidas, vou pensar". Depois, Campbell levanta uma outra questão: as exportações de volfrâmio. Londres atribui máxima importância àquela matéria-prima, e ao seu valor estratégico; e desejaria que fosse embargada a sua exportação, estando Londres disposta em princípio a compensar os prejuízos económicos. Salazar exprime dúvidas; queixa-se de que no assunto o ponto de vista inglês parece mudar constantemente; salienta que dois terços da produção portuguesa se destinam aos aliados; e invoca mais uma vez as possíveis reacções alemãs. Mas pretende-se discutir a matéria imediatamente? Não, responde o embaixador, apenas quereria que o governo português reflectisse no caso. Para Londres, Campbell informa ser pouco provável que Salazar aceite o convite, pois está convencido de que se estiver ausente três ou quatro dias "todo o país ficará em pedaços"; e no problema do volfrâmio parecem-lhe genuínas as preocupações de Salazar. Mas dois dias mais tarde Campbell avista-se com Teixeira de Sampaio, e repisa junto deste todas as questões. Passam duas horas em conversa. Sampaio tinha estado doente, com violento ataque de gripe; e retomava agora o serviço. E confidencia a Campbell que não é bom o estado de espírito de Salazar. Este ficara ressentido com a pressão de Campbell para que tudo fosse decidido com urgência: e despendera dezasseis horas seguidas, sozinho, a estudar os assuntos pendentes e a redigir respostas às notas do embaixador. Além disso, Sampaio não ocultava que Salazar continuava desconfiado, e que tinha razões para tanto. Sob a capa dos serviços de informação ingleses a polícia descobrira factos de onde se concluía o envolvimento da embaixada britânica numa conspiração, em conluio com os oposicionistas, para derrubar o governo português. Campbell desmente com energia as conclusões da polícia. Na sua transmissão desta conversa para Londres, todavia, Campbell comenta que já sabia que Salazar sabia; assim o dissera Catela [inspector-superior da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado, colaborador da confiança de Agostinho Lourenço. Havido ao tempo por pró-alemão, e mesmo nazi, as suas simpatias reais estavam no entanto do lado inglês], informador da embaixada, a Risso-Gil, que imediatamente o comunicara ao embaixador. E quanto aos oposicionistas, Campbell dá o seu parecer em carta a Roberts, do Foreign Office: "a minha impressão sobre a oposição aqui é a de que esta consiste em pequenos grupos, trabalhando em segredo, e desprovidos de qualquer coesão. Estou convencido de que, se Salazar desaparecesse subitamente, começariam a apunhalar-se uns aos outros. E duvido que Monteiro (ou qualquer outro) seja suficientemente forte para pôr todas as cabeças de acordo e formar um governo homogéneo". Decerto: Salazar sabe que, ao aproximar-se a vitória aliada, "os portugueses, de harmonia com os seus hábitos, hão-de querer imitar o resto de uma Europa em que o autoritarismo sofrerá um forte desconto"; mas a verdade é que, segundo as informações chegadas à embaixada, Salazar tem motivos para "estar satisfeito com a situação que considera haver melhorado". Nos primeiros dias de Fevereiro, a 3, Sampaio chama Campbell, e em nome de Salazar declina o convite para este visitar oficialmente Londres.

Paralelamente, Salazar responde aos pedidos americanos. Todos são recusados. Exceptua a construção de um aeroporto alternativo nos Açores, que poderá interessar à aviação civil em futuro próximo. Concorda em estudar a sua localização, na ilha do Faial ou na de Santa Maria. Mas para o efeito o governo português dirigir-se-á a uma companhia civil americana quando puder dispor dos técnicos necessários para acompanharem os daquela [na altura, a Pan American Airways]. Quando a conhece, Campbell ressente esta concessão: considera-a como significando a penetração dos Estados Unidos num país até agora na exclusiva esfera de influência britânica. E em carta comenta para Roberts: "creio que os americanos, por estarem muito fortes, julgam que ninguém lhes deve recusar coisa alguma"».

Franco Nogueira («Salazar», III).


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