terça-feira, 24 de novembro de 2020

A problemática do sistema de ensino em Portugal!!!

 

Álvaro Ribeiro e a filosofia portuguesa, 2 | Casa de Autores

«(...)- Bem sei que a observação empírica não é favorável à minha tese. Que miséria fisiológica, a da nossa população!... Isto é hoje. Mas pelo estudo da genética e das ciências afins, cheguei a estar convencido de que, com a educação apropriada, o nosso povo revelaria muito depressa a sua congénita superioridade.

- Superioridade que, embora não sendo evidente, não é pois um mero arroubo lírico de filósofo messiânico...

- A este respeito, penso como Bruno, Fernando Pessoa, Pascoais... Mas quer uma prova dos malefícios do sistema educativo? Tenho observado que o aldeão é mais inteligente do que o cidadão, a mulher do que o homem, a criança do que o adulto, o analfabeto do que o diplomado com o curso superior. Porquê? Porque os pedagogistas ignoram a realidade dos sexos, porque o nosso sistema de ensino, composto por humilhações, exames e concursos, apenas estimula certo espírito de astúcia, reprime as tendências reveladoras de virtudes latentes na alma do povo. Latentes quer dizer que podem esperar até séculos pela revelação, como os grãos de trigo conservados nas múmias do Egipto.

A propósito da abundância de poetas líricos, disse-me várias vezes Leonardo Coimbra que o nosso sistema escolar faz cessar a evolução mental do português aos quinze anos. É verdade. Basta fazer a análise lógica dos compêndios escolares. Depois dos quinze anos tudo é ensinado a martelo, na intenção de reconduzir as novas e mais complexas noções aos esquemas da mentalidade pueril. Outrora, na Idade Média, o povo português atingiu o nível mental dos setenta anos, a tradicional sabedoria das barbas brancas. Estão as provas do que afirmo no folclore e na literatura.»

«(...)- Não devemos confundir cultura com escolaridade e muito menos acreditar que só pela escola se realiza a educação nacional. É um erro tornar os cursos cada vez mais longos, e causa dó saber que há estudantes universitários com mais de vinte e três anos! Pouco me interessa averiguar por quantos exames um homem passou ou quantas certidões pode apresentar. Além da escolaridade, mais importantes processos de educação nacional me parecem ser a imprensa, a rádio, a televisão e por fim os desportos, que também são para ver de longe. Sim. A Direcção Geral dos Desportos bem poderia ser absorvida pela Inspecção Geral dos Espectáculos. Que museus, que bibliotecas, que arquivos frequenta o nosso povo? Como estão organizados estes serviços culturais nos municípios da metrópole e do ultramar? Haverá em cada casa algo que corresponda ao museu, à biblioteca, ao arquivo de família? As instituições de cultura estimulam ou dificultam as actividades espontâneas da grei? Este é que é o problema vivo, aquele que mais interessa e que se resolve pela observação das artes, desde as raízes étnicas até aos frutos mais elevados, quer dizer, desde o folclore até às obras dos homens superiores.»

Álvaro Ribeiro(*)

(*)Filósofo e ensaísta português, nasceu em 1905, no Porto.

Discípulo de Leonardo Coimbra na Faculdade de Letras do Porto, Álvaro Ribeiro foi um dos fundadores do movimento chamado "Filosofia Portuguesa", onde colaboraram, entre outros, António Quadros e Afonso Botelho. Iniciou-se no mundo filosófico através da associação Renascença Portuguesa, de tertúlias em cafés portuenses, e noutros contextos, em que a filosofia não se limita à simples ligação escolar.
Em 1922 publicou, no semanário Nova Gente, um artigo intitulado "Sofrer do Poeta", onde indica o seu propósito como pensador: "Deus! Pátria! Literatura!" e que o acompanhou ao longo da vida.
Da sua obra, muito estudada e contestada, destaca-se O Problema da Filosofia Portuguesa (1943), Os Positivistas (1951), A Arte de Filosofar (1953) e A Razão Animada (1957). Álvaro Ribeiro tentou mostrar como a herança positivista que arrastava a mentalidade e o sistema de ensino para a filosofia de Comte, atingiu a filosofia portuguesa. Desinteressado de qualquer racionalismo ou modernidade e crente na redenção futura do homem, tentou restabelecer a tradição portuguesa que estava oculta em obras poéticas e literárias, pois, segundo Ribeiro, cada poeta é um filósofo. Considerava, ainda, que a arte de filosofar consistia em tornar explícito o que está implícito, principalmente na linguagem poética e literária, e, em seguida, transformar em raciocínio.
Álvaro Ribeiro morreu em 1981.


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