sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Os pseudo massacres de Moçambique.

 


«OS PSEUDO-MASSACRES DE MOÇAMBIQUE

1.º 


Ultimamente têm-se referido de novo, na Comunicação Social, os massacres ou mais correctamente os pseudo-massacres, havidos, ou inventados, nas últimas lutas ultramarinas, particularmente em Moçambique e no período de Março/1970 - Agosto/1973.

Parece justificado que se procure informar o grande público da verdade sobre a questão.

2.º 


Em todas as guerras, mesmo naquelas travadas entre os países mais evoluídos, como é o caso da II Guerra Mundial, as populações, na sua generalidade inocentes, sofreram pesadamente as consequências, sendo imensas as vítimas mortais e com ferimentos graves ou gravíssimos que tiveram. De tal são exemplos característicos, os bombardeamentos de cidades da Inglaterra, da Alemanha e do Japão, distinguindo-se, no último, os ataques atómicos a Hiroshima e Nagasaki, e o ataque com bombas incendiárias a Tóquio. Este, o mais mortífero de toda aquela guerra, produziu mais de 80 000 baixas.

Mesmo no presente, a dissuasão nuclear, que tem presidido na confrontação Oeste-Leste, ou principalmente EUA-URSS baseia-se fundamentalmente na ameaça recíproca de destruição de cidades inteiras, com a morte, ferimentos e doenças horrorosas nas suas generalizadamente inocentes populações. Os números estimados de vítimas atingem as dezenas de milhões. Isto em hipóteses favoráveis.

Também, em situações, que se não têm considerado de guerra, como foi a descolonização portuguesa, se verificaram uma enormidade de baixas entre as populações. Nesta descolonização e em Angola, Moçambique e Guiné, foram assassinadas, directamente e a frio, muitas dezenas de milhar de pessoas. E a estas há a somar, pelo menos, os morticínios de Timor.

Em Moçambique, a Frelimo praticava terrorismo, directo e a frio, sobre as populações, com a finalidade de coercivamente obter o seu apoio. Este terrorismo era muitas vezes selectivo, escolhendo para os seus alvos os chefes nativos ou homens com influência nas populações. Vários milhares de vítimas assim ocorreram.



3.º 


Apesar de tudo isto e em contraste total, na mesma Moçambique e, pelo menos, no período citado, a luta conduzida pelas Forças Armadas Portuguesas foi, em termos morais, eminentemente positiva, orientando-se pelo lema "convencer inteligências e conquistar corações". Nessa luta, procurava-se, acima de tudo, construir, e só, quando a necessidade impunha, se destruía. Chegou-se até ao ponto de, quando tinham de realizar-se bombardeamentos aéreos de organizações terroristas, se anunciarem previamente as áreas onde iriam incidir para que as populações se precavessem. Semelhantes atitudes e procedimentos por parte das Forças Armadas Portuguesas decorriam da observância de sólidos princípios humanos, éticos e ligados à honra militar, e, também, da concepção que aquelas Forças tinham de guerra contra-subversiva, na qual primava a dignificação e a promoção das populações.

Por outro lado, elementos de unidades em acção, desesperados com os métodos traiçoeiros dos terroristas e com mortes ou mutilações, no momento ou recentemente presenciadas, de camaradas seus, poderiam, no calor da excitação do combate, embora quanto se sabe raramente, ser levados a excessos, abrangendo terroristas e populações com eles misturadas. Estes casos, de resto, repete-se, em quantitativo conhecido mínimo, mesmo que não poucas vezes compreensíveis, eram, logo que denunciados, sempre averiguados pelos oficiais competentes do Serviço de Justiça Militar. E, ou se concluía terem sido incidentes infelizes mas correntes de guerra a arquivar, ou se concluía constituírem reais desmandos, sendo, nesta hipótese, os responsáveis enviados para juízo e ficando a cargo dos Tribunais o seu julgamento e punição.

Contudo, pareceu ao Comando que, mesmo aqueles pouquíssimos casos, em que os oficiais averiguantes concluíam terem-se verificado incidentes infelizes mas correntes de guerra, deveriam ser confirmados. De aqui a mensagem que o Comandante-Chefe enviou à Defesa Nacional de Lisboa, em Dezembro de 1971, que se transcreve:


                               IMEDIATO                             Z    14DEZ71


                                                      COMCHEFEÇAMBIQUE                               MUITO SECRETO


                                                      GERALDEFNAC                                                                 5200/CC


                                                                                                                                                VIA    CNM



MINHA  MENSAGEM  4628/CC  REFERIA  RUMORES  SEIS  CASOS  DE  POSSÍVEL  INDEVIDO  COMPORTAMENTO  NOSSAS TROPAS  PERANTE  POPULAÇÕES  STOP  POSTERIORMENTE  SURGIRAM  RUMORES  MAIS  DOIS  CASOS  O  QUE  PERFAZ  TOTAL  OITO  STOP  EMBORA  OITO  CASOS  EM  MAIS  DE  TRÊS  MIL  OPERAÇÕES  REALIZADAS  PRIMEIROS  DEZ  MESES  1971  CONSTITUA  PERCENTAGEM  MÍNIMA  RAZÕES  HUMANAS,  ÉTICAS  E  LIGADAS  COM  PROJECÇÃO  ESTRANGEIRO  ACONSELHAM  AVERIGUAÇÕES  COMPLETAS  E PUNIÇÃO  RESPONSÁVEIS  SE  DISSO  FOR  CASO  STOP  CONTUDO  AVERIGUAÇÕES  AQUI  REALIZADAS  CONDUZEM  SISTEMATICAMENTE  A  RUMORES  NÃO  PROVADOS  VERIFICANDO-SE  APENAS  INCIDENTES  CORRENTES  GUERRA  STOP  EM  CONSEQUÊNCIA  PONHO  CONSIDERAÇÃO  VEXA  POSSIBILIDADE  AVERIGUAÇÕES  SEREM  DE  NOVO  REALIZADAS  OFICIAL  ESTRANHO  TEATRO  OPERAÇÕES  MOÇAMBIQUE STOP  RESPEITOSOS  CUMPRIMENTOS



A Defesa Nacional não considerou necessária a confirmação proposta.




4.º 

O Comandante-Chefe das Forças Armadas de Moçambique, General Kaúlza de Arriaga, manteve-se em Lisboa nas primeiras três semanas de Dezembro de 1972, só regressando a Moçambique nas vésperas do Natal para o viver com as Tropas. Quando chegou a Nampula, foi procurado pelo Comandante da Zona de Operações de Tete por inerência legal também Governador do respectivo Distrito, que comunicou terem ocorrido, entre 16 e 18 de Dezembro, acontecimentos em Wiriamu, sobre os quais havia rumores de mau comportamento das tropas para com as populações, pelo que lhe parecia deverem realizar-se as averiguações adequadas. Foram, desde logo, expedidas as devidas ordens e foi o 1.º inquérito Wiriamu.

O relatório do oficial do Serviço de Justiça Militar, averiguante, descrevia o que se tinha passado, em que haviam morrido alguns terroristas, e algumas pessoas que o não seriam ou o não eram, mas que se tratava de mais um incidente infeliz e corrente da guerra, que não exigia maior procedimento. A conclusão foi homologada pelo Comando e o assunto foi mandado arquivar até melhor prova. E o caso Wiriamu foi encerrado pela 1.ª vez.

Passaram-se cerca de 7 meses, ninguém de boa-fé pensou mais em Wiriamu, quando, a 10 de Julho de 1973, vésperas da chegada do Presidente do Conselho de Ministros Português a Londres, em visita oficial, explodiu, forjadamente deturpado, ampliado e agudizado, e expressamente ressuscitado e espoletado por um Padre inglês de nome Hastings, do conhecimento do Dr. Mário Soares, e através do conceituado jornal "The Times", o caso Wiriamu, agora com foros de escândalo. Pretendia-se, com base em problemas humanitários e éticos, que o 1.º inquérito mostrara não existirem, criar um grave facto político que bem servisse a oposição ao regime do Dr. Marcello Caetano e que bem servisse os inimigos de Portugal. Em consequência, teve lugar o 2.º inquérito Wiriamu, mandado fazer pelo Comandante-Chefe, que, por outro lado, concedeu oportunamente, em Lourenço Marques, uma entrevista a um representante qualificado do "The Times", que se deslocara a Moçambique para fazer aquilo que este jornal deveria ter feito antes do seu artigo de 10 de Julho - informar-se completamente.

As conclusões do segundo inquérito Wiriamu, igualmente homologadas pelo Comando, foram semelhantes às do 1.º inquérito - incidentes infelizes mas correntes de guerra. A entrevista concedida ao "The Times" e, em grande parte por este publicada, com comentários, em Londres, conduziu também à conclusão de nada se provar das acusações feitas pelo Padre Hastings. E o caso Wiriamu foi encerrado pela 2.ª vez.

5.º 

Em Dezembro de 1972, quando o General Kaúlza de Arriaga estava em Lisboa, o Governo insistiu fortemente para que o General aceitasse continuar por mais dois anos em Moçambique, perfazendo seis. Kaúlza de Arriaga acabou por aceitar, mas mediante a verificação, sem equívocos, de determinadas condições, relativas a competências e a apoios, a conceder por Lisboa. Se tais condições não viessem a concretizar-se até Junho de 1973, o General declarou que, de acordo com o inicialmente previsto, regressaria em Julho à Metrópole.

Porém, e por carta de 31 de Maio desse ano, o Ministro da Defesa Nacional, anunciava a Kaúlza de Arriaga que, não podendo as Autoridades Centrais satisfazer as condições que ele, Kaúlza de Arriaga, pusera, "sine qua non", para prolongar o seu comando deveria considerar terminada a sua comissão em Moçambique, em 31 de Julho seguinte. O Presidente do Conselho de Ministros, dias depois, referia igualmente ao General Kaúlza de Arriaga, também em carta, aquele termo de comissão. O General regressou efectivamente a Lisboa em 1 ou 2 de Agosto desse ano de 1973.



6.º 

Durante parte deste mês de Agosto, o Eng. Jorge Jardim, por razões de fundo ainda desconhecidas, resolveu tratar de novo e pessoalmente do caso Wiriamu [Atitude estranha, tanto mais que o Eng. Jardim prestara sempre ao País, particularmente no plano ultramarino, serviços excepcionais]. Contratou um jornalista inglês e um fotógrafo francês, e propôs-se ir a Wiriamu para, segundo ele, - razão pouco consistente - mais uma vez provar a inexistência de actos menos próprios por parte das Tropas portuguesas. Mas não foi a Wiriamu, foi sim, sempre sem quaisquer entraves, a Chawola, onde encontrou alguns restos mortais, que foram fotografados.

A origem desses restos mortais não era e não é conhecida do Comando. O próprio já ex-Comandante-Chefe de Moçambique, Kaúlza de Arriaga, em férias no Algarve, consultado, de nada sabia.

Porém, Jorge Jardim veio a Lisboa e, em reunião, no dia 18 de Agosto, com o Presidente do Conselho de Ministros, o Ministro da Defesa Nacional, o Ministro do Ultramar e o Ministro dos Negócios Estrangeiros, deve ter feito um relato imaginativo e terrífico, com exibição das fotografias preparadas, do que descobrira. A assistência impressionou-se e acabou por admitir que talvez em Moçambique alguma coisa de grave e inusitado se tivesse passado. A mesma assistência, misturando Chawola com Wiriamu, ressuscitou pela segunda vez este último, e o Presidente do Conselho de Ministros, numa atitude inexplicável e em acto errado e da maior injustiça, mandou destituir o Governador de Tete, o que por ilícito arrastamento produziu também a destituição da mesma entidade das suas funções de Comandante da Zona de Operações de Tete - um óptimo oficial, de excelente formação moral e que nada tinha com supostos desmandos de tropas, como todos "in loco" o sabiam, incluindo o Presidente da Cruz Vermelha regional que, em relatório para os seus superiores de Lisboa, o afirmou.


Seguidamente, um Brigadeiro foi nomeado para se deslocar expressamente de Lisboa a Moçambique, e aqui realizar novo inquérito - o 3.º inquérito Wiriamu e, também, de Chawola. Foram-lhe dadas instruções para instaurar, "in loco", os autos de corpo de delito necessários. Mas, após tudo averiguado, o Brigadeiro concluiu, mais uma vez, não haver matéria crime que permitisse aqueles autos.

A conclusão foi homologada superiormente em Lisboa e pela 3.ª vez foi encerrado o caso Wiriamu e, também, encerrado o caso Chawola. Mas manteve-se a situação de destituição, errada e iníqua, do Governador e Comandante Militar da área de Tete. E, ulteriormente, já no exílio, profundamente traumatizado e muito doente, o Prof. Marcello Caetano teria escrito absurdas e delirantes acusações.

7.º 

Assim, em Moçambique, sempre que surgiam rumores de mau comportamento de elementos militares perante as populações, logo as devidas averiguações ou inquéritos se realizavam e por vezes eram repetidos, e logo os correspondentes arquivamentos ou envios para juízo tinham lugar. No caso de Wiriamu instauraram-se três inquéritos e nenhum mostrou a existência de responsabilidades a julgar e condenar em Tribunal. Eis a questão dos pseudo-massacres de Moçambique».

Kaúlza de Arriaga («Guerra e Política. Em Nome da Verdade. Os Anos Decisivos»).

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