segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Salazar e os perigos do comunismo.

 


«Quebrar a resistência moral das nações, desorganizar a sua economia, exercer sobre a máquina do Estado acção paralisante é função atribuída ao comunismo em toda a parte onde o governo lhe está vedado. A diminuição até à impotência da força das nações que se lhe entregam é o maior serviço reclamado pelo país estrangeiro que o inspira, o apoia, o subsidia. De modo que sofrer um país a acção do comunismo quando no seu seio irrompeu, devido a causas que não puderam ser dominadas, é uma fatalidade contra que tem de lutar-se, fazendo apelo a todas as forças de ordem, para neutralizar-se os efeitos, à espera de melhores dias. Que se dêem possibilidades de desenvolver e organizar forças tão virulentas e corrosivas do organismo social, tão contrárias ao espírito da civilização de que somos filhos, onde com atenta vigilância podem ser mantidas em respeito, senão inteiramente neutralizadas, parece-nos cegueira que a paixão política pode explicar, mas os interesses da Nação claramente condenam (11 de Fevereiro de 1949).

[...] Ora, sendo tão graves os perigos, quer de influência externa quer de subversão social, trazidos pelo comunismo, que processos de defesa se utilizam para o contrariar?

Se não me engano, na Europa, salvo Portugal, a Espanha e a Suíça (embora esta última por motivos diferentes dos primeiros), e como na Europa, em quase todo o mundo, o comunismo goza da liberdade de propaganda e organização, bastando-lhe - o que não custa nada - declarar-se integrado no plano das forças políticas nacionais. Por muita parte está representado em assembleias, em numerosos países faz parte dos governos.

Este modo de proceder não pode deixar de significar ou que se considera o comunismo tão legítimo como outro qualquer programa partidário e apto à realização do interesse nacional ou que se espera torná-lo inofensivo num regime de absoluta liberdade política. Todos aliás temos ouvido dizer que os grandes remédios contra a doença comunista são: na Europa, a democracia e o socialismo; na América, a liberdade e o bem-estar geral.

Staline, Lenine e Trotski.

Não me proponho hoje discutir estas teses, sobre as quais tenho naturalmente as maiores dúvidas; levar-me-ia longe o exame e ser-me-ia embaraçosa a referência a casos particulares que parecem contrariá-las. Direi apenas que, a meu ver, há-de ser muito difícil aos diversos Estados manter, partindo de tais princípios, uma linha rigidamente lógica; alguns que por ela se encaminharam regressam ao ponto de partida; os que receiam usar da autoridade vêem-se depois compelidos a empregar a violência e felizes se consideram quando, como é geralmente o caso, não são subvertidos por ela; sobretudo não há confiança na terapêutica, pois que os povos vivem receosos e intranquilos. O Mundo tem medo do comunismo e os sovietes servem-se dele para os seus fins (25 de Novembro de 1947).

O mundo tem medo do comunismo.

Qual a razão disso?

A principal parece ter sido à volta da ideia e do facto de se tratar de organização que, integrada no jogo das forças nacionais, recebe do estrangeiro a súmula doutrinal do seu programa e a orientação efectiva. Mas a mim não me parece razão bastante.

Através da história e ainda nos tempos de hoje, numerosos movimentos se têm verificado de inspiração estrangeira e muitos apoiados por esta ou aquela potência, têm infelizmente vingado contra a vontade e os verdadeiros interesses da nação que os suporta. A história está cheia destes pecados. De modo que, em face do comunismo, o que sobretudo importa não é saber que é protegido ou apoiado de fora - mas a essência da sua doutrina e as verdadeiras intenções da potência inspiradora.

Esta última referência repõe no tabuleiro todo o problema anterior - ou seja a Rússia na Europa e no Mundo, a sua vida de relação com os mais Estados, o valor prático para ela e a aceitação voluntária por sua parte daquele conjunto de princípios e de conceitos (uns pura emanação da moral, outros adquiridos e fixados pela experiência) sobre que deve viver e prosperar a comunidade internacional. Quer dizer, independentemente da execução do programa comunista, um problema continuaria de pé - o de saber-se a constituição da comunidade de nações por ela chefiada, que é o mesmo que dizer qual o grau de independência de cada país na gestão dos seus negócios internos e externos. Uma coisa me parece clara - a existência de pressões suficientes para se considerarem privilegiados ou preferentes os interesses da potência que a si própria teria reservado a posição de quase suserana. Já Hitler ou alguns dos seus sonharam essa construção: não julgo que a Europa no seu todo se pudesse submeter a semelhante fórmula.

Concebe-se que a Rússia, por amor de um interesse político seu, se alheie, fora de fronteiras, do comunismo, não como governo, mas como ideologia. O comunismo, porém, não se desinteressará de si próprio. Salvo o caso de partido assim etiquetado para usufruir algum prestígio exterior, mas de facto apostado apenas em conquistar posições de mando, o comunismo, como doutrina integral que é, tenderá a modelar os homens, as sociedades, as instituições públicas e privadas segundo as concepções que defende. De modo que ou se contradiz e se anula no puro jogo de forças políticas concorrentes ou há-de por todos os meios fazer a sua revolução.

Não cuide alguém que esta se limite a procurar corrigir desmandos, abusos, ilogismos, desacertos ou injustiças - tanto revela a actual organização social contra que temos de lutar sem descanso - nem a provocar a transferência do poder de uma para outra classe ou legitimar a transferência de bens de uns para outros indivíduos; trata-se de criar um tipo diferente de humanidade, outra civilização (se é que esta forma de me exprimir se pode considerar correcta). Pouco importa saber que o não logra, porque, frustrada a revolução, terá pelo menos conseguido a desordem (25 de Novembro de 1947).

[...] O comunismo é, pois, como movimento revolucionário e expressão de uma política internacional agressiva, o grande inimigo do momento, e a primeira contribuição que pode dar-se na ordem externa é contê-lo decisivamente no interior. É problema vital e urgente definir os meios apropriados.

As potências que se apelidam de democráticas parece descansarem em demasia no jogo dos partidos políticos e na movimentação eleitoral das massas, quando arregimentadas e rotuladas em maioria nos chamados partidos burgueses, nos quais se incluem mesmo os socialistas. Esta atitude, filha do hábito da luta entre forças concorrentes e por vezes complementares, passa, porém à margem da verdadeira actuação comunista e não pode, por isso, ter efeitos decisivos. O comunismo não é necessariamente um partido nem precisa de dispor de maioria: basta-lhe dispor de uma minoria, movida por uma fé e servida por uma técnica de proselitismo e de combate, técnica que é a síntese de tudo quanto a experiência e a psicologia descobriram para dominar e conduzir massas humanas.

O que se diz do partido político que não pressupõe formação, mas atitude de simpatia ou passiva concordância com um vago programa da ordem estabelecida, há-de dizer-se das ligas, das associações, dos congressos que se organizam para combater o comunismo: toda esta acção se dirige aos que dispõem já de certa posição de espírito ou se aprontam a tomar certa atitude de oposição, mas não formam os espíritos nem evitam que o comunismo deforme as inteligências e as vontades da massa neutra que é a grande maioria de um País.

Uma tendência generalizada deposita esperanças, também excessivas, na repressão directa das actividades comunistas, e eu estou longe de julgar essa repressão dispensável ou indiferente, antes me parece que se vão aproximando os tempos de mais ampla e severa actuação. Mas a força do proselitismo comunista exige imperiosamente uma acção intensiva de aliciação das inteligências à volta de um sistema de ideias que o repilam. Se a inteligência do século é trabalhada já no sentido da ansiedade e da insatisfação para aceitar as soluções integrais do comunismo, não se pode descansar na repressão, como se esta resolvesse todas as dificuldades (12 de Dezembro de 1950)».

Oliveira Salazar (in J. P. D'Assac, «O Pensamento de Salazar extraído dos seus discursos»).

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