sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

O Franco Atirador.

 



«Que é o franco atirador? Que significa a analogia? O franco-atirador é um homem que não faz parte dos exércitos regulares. Não é um mobilizado e não é um mercenário. É um homem que não anda com as massas, com os partidos e com os grupos de pressão. É um homem da terra, um homem que ama a sua terra, um homem cujo sentido de justiça e cuja ânsia de liberdade não obedecem a receitas, a slogans, a palavras de ordem. É um homem de paz, também. Um homem de paz não é um homem incapaz de combater: é um homem que só pega na sua espingarda quando vê ameaçadas aquelas coisas que ama e são as razões de ser da sua vida. Acusam o franco-atirador de ser um individualista, um solitário, um homem de perigosas iniciativas. Isto é capaz de ser verdade. Mas a opção contrária envolve um risco ainda maior. As pessoas começam por se juntar para uma grande acção solidária, para um empenhamento colectivo, e a certa altura dão por si, como escravos, a trabalhar contra a sua própria consciência - ou com ela tão adormecida já que os seus actos são automáticos, sem liberdade e sem verdade. Porque o fosso se tornou imenso, entre a base e a cúpula, entre os militantes e os chefes? Porque a psicologia das massas exige o adormecimento progressivo da consciência? Porque as ideias ou as ideologias são agora simplesmente estandartes, emblemas, muletas para amparar o vazio? Há muitas razões, porventura todas elas verdadeiras. Mas acentue-se: nenhuma acção social, nenhum empreendimento, nenhuma ideologia grupal podem dispensar a iniciativa solitária e estimulante do franco-atirador, que representa por vezes, no plano social, a voz da consciência crítica, vigilante e independente. Ele é o homem que não vê muito bem para qual dos exércitos aponta a sua espingarda, porque só lhe importa afastar a gente que pisa a sua terra, que destrói as suas colheitas, que troça das suas verdades, que degrada os seus valores. [...] Os franco-atiradores são os homens que vêm lembrar-nos que somos ainda pessoas. [...] Aos franco-atiradores, sejam eles quem forem e estejam eles onde estiverem, que não poderei emular senão muito imperfeitamente, mas cujo exemplo brilha diante do meu espírito como vivo incitamento a um empenhamento existencial tanto mais profundo quanto mais autónomo, tanto mais social quanto mais pessoal, tanto mais crítico quanto mais esperançoso. [...]»
António Quadros

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