"A verdade, a decisão, o empreendimento, saem do menor número; o assentimento, a aceitação, da maioria. É às minorias que pertencem a virtude, a audácia, a posse e a concepção." Charles Maurras
quarta-feira, 13 de maio de 2020
A verdadeira revolução em Portugal.
«Pode dizer-se que Portugal se antecipara, no após-guerra, a romper com o passado. Fora de início simplesmente negativa essa ruptura: antidemocrática, antiparlamentar, antiliberal. Durante dois anos, a ditadura procura administrar: ordem pública, economia nos gastos, honestidade, isenção. Mas não tem um conteúdo ideológico. Por isso o debate com a oposição processava-se em termos clássicos. Se em 1910 o conflito se trava entre Monarquia e República, em 1926 o choque produz-se entre parlamentarismo e antiparlamentarismo. Decerto: já se seguiam com atenção o riverismo espanhol e a crise profunda a que conduzira, o comunismo russo, o fascismo italiano. Mas estes totalitarismos são havidos por experiências nacionais: não tinham assumido o carácter messiânico e de vocação internacional. Por isso, de 1926 a 1930, a luta entre ditadura e oposição gira em torno de um problema simples: restaurar ou não restaurar o sistema democrático e parlamentar. Não está em causa o tipo de sociedade: discute-se a estrutura e orgânica do Estado. Desde 1930, todavia, são alterados os parâmetros da questão, e isso tanto no seio das forças que sustentam a ditadura como no daquelas que pretendem derrubá-la. Entre os homens da União Nacional, da Liga 28 de Maio, da ditadura em suma, estão os conservadores à maneira antiga, os monárquicos tradicionais, os liberais e republicanos moderados, e todos estes, educados à luz de uma Europa que vinha do século XIX, queriam ordem, paz, boa administração; mas não sabiam que espécie de ordem, de paz, de administração. No ângulo oposto, continuam a existir correntes políticas filiadas na democracia parlamentar, no republicanismo clássico, no socialismo histórico. E no entanto também estes a partir de 1930 sentiam que era de momento inviável, sem que soubessem exactamente qual a alternativa, um regresso puro e simples ao quadro político de 1926. Num campo e noutro havia que defrontar as gerações novas - as que despontam para a vida política na década de trinta - que pretendem fazer e afirmar uma opção social e ideológica já à sombra do novo debate europeu. Do lado da ditadura, o vazio ideológico é preenchido por Oliveira Salazar com princípios políticos e sociais cuja raiz é muito anterior a qualquer dos novos totalitarismos, e cuja substância é diferente da destes, e até contrária. Por isso Salazar rejeita-os, e o ideário que tem proclamado tenta manter-se fora de qualquer enquadramento internacionalista. Mas as forças que o rodeiam têm tendência a alinhar, ao menos politicamente se não ideologicamente, com o totalitarismo de direita: porque são comuns alguns valores (ideias de pátria, de ordem, de propriedade privada, de hierarquia social) e sentem naqueles amparo para subsistirem: e ainda porque são nesse sentido impelidas por uma clara opção ideológica afim. Do lado das oposições, há uma aproximação, decerto política mas também não necessariamente ideológica com o totalitarismo de esquerda: porque partilham de alguns valores, são arrastados pela ala das novas gerações que faz uma opção de esquerdas, e ainda porque julgam ver no auxílio destas a possibilidade de destruir a situação que se instala no país. Mas tanto num campo como noutro há homens a quem repugna qualquer dos extremismos: Salazar, chefe da situação que está no poder, repudia a aceitação em bloco do totalitarismo de direita; Cunha Leal, oposicionista tenaz, repele um totalitarismo de esquerdas; aquele por considerar como valor primacial a consciência cristã da pessoa humana, este por considerar sagrada a liberdade individual de expressão e de actuação; e ambos sabem que qualquer dos totalitarismos sufoca e mata aqueles valores. De todo este condicionalismo resulta que a ruptura portuguesa com o passado político e a sua inserção na Europa da década de trinta traduz um compromisso: a ditadura, nas vésperas de se institucionalizar, repudia a essência do fascismo, mas acolhe alguns dos seus princípios; nega a democracia parlamentar, mas aceita algumas das suas formas exteriores; e a oposição rejeita a substância do comunismo, mas não recusa alguns dos seus auxílios; e defende a pureza da democracia parlamentar, mas reconhece as suas limitações.
Esta ruptura portuguesa com as formas políticas do liberalismo do século XIX encontra o seu reflexo na geração que se afirma literariamente durante a década de 1930. Há grandes nomes que são figuras literárias já feitas e em pujança criadora. Na prosa, Aquilino Ribeiro tem vinte anos de letras, e acalmados os seus ímpetos de revolucionário ardente regressa do exílio a Portugal para se tornar o estilista que constrói um mundo de serranos, camponeses, de almocreves, de velhacos pícaros, que corresponderiam aos oprimidos da sociedade; Raul Brandão acaba de morrer, mas a sua obra contemplativa, cheia de humildes e esmagados, mantém a sua influência; e Ferreira de Castro, mais novo cerca de quinze anos, de capacidade literária limitada e usando um humanitarismo convencional, desfruta de largo sucesso ao traçar o quadro dos párias sociais forçados a emigrar. Na poesia, projecta-se o vulto de Teixeira de Pascoaes, com o seu saudosismo; Afonso Lopes Vieira valoriza temas românticos do lirismo tradicional; António Correia de Oliveira cultiva a poesia nacionalista; e em círculos literários restritos cita-se um nome, Fernando Pessoa, que o grande público ignora e que os admiradores consideram poeta genial. Através da prosa, do teatro e da poesia, Júlio Dantas, amaneirado, postiço e formal, atravanca o mundo das letras, e sobrevive ao manifesto anti-Dantas com que Almada Negreiros agredira o convencionalismo literário, havia mais de uma década. Estes nomes, se no plano individual fazem opções políticas e se constituem um produto do após-guerra, não reflectem todavia o debate emocional de que, simultaneamente com o debate político, a Europa está agora prisioneira. Neste particular, é o grupo da Presença que realiza a ruptura. José Régio e António de Navarro, na poesia; Miguel Torga na poesia, no conto, na novela; Adolfo Casais Monteiro na poesia, no ensaio, na crítica; Branquinho da Fonseca na novela e no romance; João Gaspar Simões no romance e sobretudo no ensaio e na crítica - aparecem como vultos fundamentais da Presença. Todos proclamam uma rebeldia de princípio em face de qualquer literatura comprometida; não escondem o seu cepticismo perante os ideais republicanos clássicos, de direita ou de esquerda; a liberdade do espírito criador é reivindicada como sacrossanta; não ocultam a sua revolta contra os valores consagrados; e, se ao seu esteticismo repugna qualquer sistema totalitário, o seu protesto contra a sociedade constituída empresta-lhes uma imagem onde há traços de um socialismo que é ao mesmo tempo liberal e patriótico. Estes homens estão mobilizando as atenções do público leitor: não fazem doutrinação política: mas a sua atitude estética implica uma recusa do ideário do Estado Novo. Na medida em que o grande debate europeu atinge Portugal, as suas simpatias, senão a sua adesão, estão com um regime político de esquerdas, sem que aceitem o seu internacionalismo, e isso dentro de uma sociedade de direitas, sem que partilhem do classicismo destas.
Para além do escol político e intelectual, no entanto, está a massa da nação. Fatigada de caos administrativo, exausta de sacrifícios, ávida de ordem e segurança, ansiosa pelos destinos nacionais, descrente dos políticos e da política, alheia a teses e especulações doutrinárias, a opinião pública encontra a sua exaltação e a sua mística num ideário nacional: o projecto de aventura, de uns ou de outros, não está afectando o cerne do país. Mas aceita a revolução, porque esta constitui um projecto de vida nova, e português».
Franco Nogueira («Salazar. Os tempos áureos - 1928-1936», Vol. II).
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A busca pela consciência.
Estou farto de aturar gente de mente fechada, gente com palas, gente com capacidade de raciocínio curta, ou sem capacidade de raciocínio d...
Ditador? Volta quanto antes!
ResponderEliminarJá esbanjaram as centenas de toneladas de ouro;
Assumiram uma dívida que um ano de trabalho não anula.
Impuseram uma carga fiscal que duas gerações não saldam.
Criaram "buracos" sorvedoiros de carradas de dinheiro.
Enriquecem ilicitamente enquanto o Povo miúdo empobrece.
Volta Salazar.