Formado em Histórico-Filosóficas e Filologia, Orlando Vitorino é, sem dúvida, um dos maiores pensadores do [passado] século, definição que, além de verdadeira, fará crescer o interesse do leitor pela entrevista de hoje, a segunda subordinada ao título genérico de «Em busca da identidade nacional através da Filosofia Portuguesa».
Sobre o pensamento político português, uma manifestação da filosofia quando aquele tem esta como mãe e mestra, escutemos Orlando Vitorino, filósofo nascido em Trancoso, terras de Bandarra e de muralhas graníticas desafiadoras do tempo, autor de várias obras fundamentais, sendo de destacar a «Exaltação da Filosofia Derrotada» e a «Refutação da Filosofia Triunfante».
Esclarecido, polémico e profundo, o discurso filosófico de Orlando Vitorino, aqui expresso nas nossas edições de hoje e amanhã, abre caminhos para o pensamento português comum, tantas vezes alvo e vítima dos vendavais capazes de o fazerem ter a nuvem por Juno, sintoma de uma época demasiado pródiga em armadilhas mentais como o é a que atravessamos.
Acção política não coincide com pensamento
CM – Existe, na verdade, um pensamento político português?O.V. – Não pode deixar de existir um pensamento político português, pois não pode existir Pátria ou Nação sem haver um pensamento. Pode existir uma Nação sem pensamento mas depressa se evanesce se não possuir um pensamento próprio.
O que acontece, em Portugal, é que o pensamento político português encontra-se dissociado do pensamento que preside à actual acção política.
Houve um período, desde o início da Nacionalidade até à época final dos Descobrimentos, em que o pensamento português coincidiu com a acção política.
A principal expressão dessa coincidência encontra-se no Rei D. Duarte, com o seu «Leal Conselheiro», um livro admirável, uma obra que os portugueses têm sido obrigados, propositadamente, a não conhecer. Basta dizer que o «Leal Conselheiro» só foi editado no século XIX.
No entanto trata-se do livro criador daquela aristocracia que deu origem à governação de Portugal conducente aos Descobrimentos.
CM – Já existiam, nesse tempo, forças contrárias ao Pensamento português?
O.V. – Sem dúvida. O próprio D. Duarte foi incitado pelo irmão, o famoso Infante D. Pedro, a impedir o Infante D. Henrique de prosseguir os trabalhos e os estudos necessários às descobertas.
O Infante D. Pedro é uma espécie de representante da CEE no século XIV. Ele escreveu a célebre carta de Bruges, na qual aconselhava D. Duarte a contrariar a obra de D. Henrique, andando pela Europa e procurando integrar Portugal nesse espaço geográfico, político e filosófico, impedindo a expansão marítima.
CM – Tivemos outros «delegados» da CEE nesses tempos?
O.V. – Damião de Góis é outro desses inimigos do pensamento nacional. Viveu a maior parte da sua vida nesses países que são, hoje, a Comunidade Económica Europeia e veio para Portugal com a finalidade de escrever umas crónicas e outros textos, nos quais representa uma posição contrária à do pensamento português que tinha feito Portugal.
Opõe-se, por exemplo, a João de Barros, contemporâneo seu, que dirigia os Descobrimentos na altura, como feitor da Casa da Índia. João de Barros possuía um conhecimento não só teórico como directo do que seria a essência de Portugal, e sobre isso escreveu as famosas «Décadas da Ásia», as que restam de uma obra que teria projectado, ou até teria escrito, incluindo as «Décadas da Europa», as «Décadas da África» e as «Décadas de Santa Cruz».
Escreveu, igualmente, livros de filosofia, um deles com o título «Tratado das Causas», o que significa ter sido um livro sobre o que há de mais essencial na filosofia. Estes tratados também desapareceram, sem deixar rasto, pois quem venceu o conflito foram os partidários do pensamento não português.
O.V. – Não só teve continuação como se desenvolveu, através de toda a decadência de Portugal iniciada no século XVI, quer com os «estrangeirados» do século XVIII, quer com o seu último representante, o António Sérgio, passando por homens como Oliveira Martins, Luís António Verney, etc.
Todos eles tiveram e emitiram uma má opinião de Portugal.
CM – Podemos considerar a época governativa do Marquês de Pombal como um período de grande avanço do pensamento antiportuguês?
O.V. – Está provado que o Marquês de Pombal promoveu, até, uma separação institucional entre o pensamento político da acção exercida e o pensamento político português.
Isto verificou-se, por exemplo, na sua reforma da Universidade, que ainda hoje vigora, pois a nossa Universidade continua sendo pombalina... Foi uma Universidade feita sob o signo da abolição da filosofia substituindo-a, apenas, pelo iluminismo.
O.V. – Damião de Góis é outro desses inimigos do pensamento nacional. Viveu a maior parte da sua vida nesses países que são, hoje, a Comunidade Económica Europeia e veio para Portugal com a finalidade de escrever umas crónicas e outros textos, nos quais representa uma posição contrária à do pensamento português que tinha feito Portugal.
Opõe-se, por exemplo, a João de Barros, contemporâneo seu, que dirigia os Descobrimentos na altura, como feitor da Casa da Índia. João de Barros possuía um conhecimento não só teórico como directo do que seria a essência de Portugal, e sobre isso escreveu as famosas «Décadas da Ásia», as que restam de uma obra que teria projectado, ou até teria escrito, incluindo as «Décadas da Europa», as «Décadas da África» e as «Décadas de Santa Cruz».
Escreveu, igualmente, livros de filosofia, um deles com o título «Tratado das Causas», o que significa ter sido um livro sobre o que há de mais essencial na filosofia. Estes tratados também desapareceram, sem deixar rasto, pois quem venceu o conflito foram os partidários do pensamento não português.
Sempre tivemos delegados da CEE
CM – Essa linha de ataque contra o Pensamento português, desde o Infante D. Pedro a Damião de Góis, teve continuação?O.V. – Não só teve continuação como se desenvolveu, através de toda a decadência de Portugal iniciada no século XVI, quer com os «estrangeirados» do século XVIII, quer com o seu último representante, o António Sérgio, passando por homens como Oliveira Martins, Luís António Verney, etc.
Todos eles tiveram e emitiram uma má opinião de Portugal.
CM – Podemos considerar a época governativa do Marquês de Pombal como um período de grande avanço do pensamento antiportuguês?
O.V. – Está provado que o Marquês de Pombal promoveu, até, uma separação institucional entre o pensamento político da acção exercida e o pensamento político português.
Isto verificou-se, por exemplo, na sua reforma da Universidade, que ainda hoje vigora, pois a nossa Universidade continua sendo pombalina... Foi uma Universidade feita sob o signo da abolição da filosofia substituindo-a, apenas, pelo iluminismo.
CM – Assim, somos obrigados a pensar que 1820 não passa de mais uma ofensiva daquilo a que poderemos chamar pensamento antiportuguês?
O.V. – Foi a realização, em termos de acção política, de algo que já vinha de antes e frutificou sob esse aspecto de chamar liberalismo ao que não era liberalismo mas, apenas, um pensamento francês.
Depois, em 1870, esse liberalismo acaba por ser substituído pelo positivismo como doutrina, digamos, oficial, tendo segregado o pensamento português no ensino, nas instituições e na acção política.
Naturalmente, do positivismo transita-se para o marxismo e, actualmente, caso se possa chamar pensamento ao marxismo – pois trata-se mais de uma ideologia que de um pensamento – é esse marxismo que domina as instituições portuguesas e, sobretudo, domina toda a organização do nosso ensino.
O.V. – Três desses partidos dizem-se não marxistas, no entanto o marxismo, até pela mão destes três partidos, é imposto, mantido e desenvolvido em todos os sectores da vida nacional, sobretudo no ensino.
A ingenuidade desses três partidos provém, totalmente, da ignorância em que eles se encontram sobre o que vem a ser a vida do Espírito e do pensamento. Por isso o partido actualmente do Poder, Partido Social-Democrata, está convencido – afirmando-o até com grande satisfação – de que erradicou o marxismo do ensino da História e da Filosofia oficiais.
O ridículo desta situação consiste no facto de julgar ter abolido o marxismo do ensino só por ter mandado cortar, dos compêndios da História, o capítulo sobre esta ideologia. Ora toda a estrutura do ensino, em todos os domínios, tanto na Filosofia como na História, é marxista e cortar esse capítulo até facilita mais a infiltração e a formação marxista das gerações...
CM – Perante tantos e tão grandes ataques, onde poderemos encontrar o pensamento português?
O.V. – Ao lado de toda esta acção política efectiva, comandada por um pensamento político estrangeiro, tem continuado a desenvolver-se o pensamento português. O que existe de patriótico em Portugal está concentrado, ou melhor, refugiado desde há dois ou três séculos no pensamento filosófico.
Esta linha de Filosofia Portuguesa vem, como lhe disse, de D. Duarte e mantém-se hoje. O seu maior desenvolvimento deu-se, até, no presente século, desde a obra de Sampaio Bruno até à obra de Álvaro Ribeiro e José Marinho.
CM – Voltemos à primeira metade deste século. Surge Oliveira Salazar com a sua ditadura antimarxista. Teria Salazar empregue, como orientação, o pensamento político português?
O.V. – Salazar não foi um pensador mas um pragmatista interessado, sobretudo, com os aspectos económicos e financeiros.
O.V. – Foi a realização, em termos de acção política, de algo que já vinha de antes e frutificou sob esse aspecto de chamar liberalismo ao que não era liberalismo mas, apenas, um pensamento francês.
Depois, em 1870, esse liberalismo acaba por ser substituído pelo positivismo como doutrina, digamos, oficial, tendo segregado o pensamento português no ensino, nas instituições e na acção política.
Naturalmente, do positivismo transita-se para o marxismo e, actualmente, caso se possa chamar pensamento ao marxismo – pois trata-se mais de uma ideologia que de um pensamento – é esse marxismo que domina as instituições portuguesas e, sobretudo, domina toda a organização do nosso ensino.
A ingenuidade dos partidos não marxistas
CM – Mas nem todos os partidos, da actual democracia, defendem o marxismo.O.V. – Três desses partidos dizem-se não marxistas, no entanto o marxismo, até pela mão destes três partidos, é imposto, mantido e desenvolvido em todos os sectores da vida nacional, sobretudo no ensino.
A ingenuidade desses três partidos provém, totalmente, da ignorância em que eles se encontram sobre o que vem a ser a vida do Espírito e do pensamento. Por isso o partido actualmente do Poder, Partido Social-Democrata, está convencido – afirmando-o até com grande satisfação – de que erradicou o marxismo do ensino da História e da Filosofia oficiais.
O ridículo desta situação consiste no facto de julgar ter abolido o marxismo do ensino só por ter mandado cortar, dos compêndios da História, o capítulo sobre esta ideologia. Ora toda a estrutura do ensino, em todos os domínios, tanto na Filosofia como na História, é marxista e cortar esse capítulo até facilita mais a infiltração e a formação marxista das gerações...
CM – Perante tantos e tão grandes ataques, onde poderemos encontrar o pensamento português?
O.V. – Ao lado de toda esta acção política efectiva, comandada por um pensamento político estrangeiro, tem continuado a desenvolver-se o pensamento português. O que existe de patriótico em Portugal está concentrado, ou melhor, refugiado desde há dois ou três séculos no pensamento filosófico.
Esta linha de Filosofia Portuguesa vem, como lhe disse, de D. Duarte e mantém-se hoje. O seu maior desenvolvimento deu-se, até, no presente século, desde a obra de Sampaio Bruno até à obra de Álvaro Ribeiro e José Marinho.
CM – Voltemos à primeira metade deste século. Surge Oliveira Salazar com a sua ditadura antimarxista. Teria Salazar empregue, como orientação, o pensamento político português?
O.V. – Salazar não foi um pensador mas um pragmatista interessado, sobretudo, com os aspectos económicos e financeiros.
Do mais tinha uma concepção moralista que procurou dar ao Governo que exerceu durante quase meio século.
CM – Não teve contactos com filósofos do pensamento português?
O.V. – Houve uma tentativa de aproximação com Leonardo Coimbra, depois do convite feito por António Ferro para o grande pensador português dar uma conferência no Teatro de S. Carlos.
A seguir à conferência António Ferro promoveu o encontro entre Leonardo Coimbra e Oliveira Salazar. Pouco se sabe de quanto foi dito nesse encontro, ao qual assistiram António Ferro e o jornalista Boavida Portugal. O primeiro nada disse, durante toda a sua vida, sobre o diálogo travado mas o segundo confidenciou, a algumas pessoas, ter o encontro começado de forma cordata mas descambado, depressa, numa discussão a chegar quase ao insulto. Tendo terminado com Salazar a perguntar a Leonardo Coimbra por que não escrevia romances em lugar de filosofia
O.V. – O marxismo é um internacionalismo, evidentemente que um falso internacionalismo na faceta em que, actualmente, se manifesta. Não podemos esquecer tratar-se de uma ideologia assumida por um país, a União Soviética, e posto ao seu serviço.
À expansão do imperialismo soviético convém a desnacionalização dos outros países e povos, que essa despersonalização seja propagandeada e seja desejada.
O mesmo sucede, aliás, com os americanos, pois também eles fomentam, nos outros países, o predomínio do socialismo, apesar dos Estados Unidos serem um país capitalista.
Existe aqui uma contradição, mas uma contradição capaz de ser compreendida, pois o socialismo esvazia o carácter nacional e patriótico dos povos, substituindo-os por um jogo económico.
CM – O pensamento político português estará condenado a desaparecer, devido aos ataques desferidos pelo pensamento estrangeiro?
O.V. – Para que o pensamento português desapareça será necessário desaparecer Portugal.
Se tivermos confiança de que Portugal, apesar de tudo, prossiga – e Portugal apenas poderá prosseguir depois da crise que, actualmente, o afecta – só o poderá fazer com a Filosofia Portuguesa. De outro modo Portugal desaparecerá em breve, integrado em qualquer organização ou império.
CM – E a Filosofia Portuguesa tem força para sobreviver e ajudar Portugal a resistir?
O.V. – Com certeza. Temos o exemplo de Leonardo Coimbra, a figura central da Filosofia Portuguesa, que viveu nas condições mais hostis, mais desfavoráveis, e conseguiu ser o maior filósofo contemporâneo, não só de Portugal como de toda a Europa.
Leonardo Coimbra resistiu às maiores intrigas políticas, urdidas quer através dos partidos da época quer através do Parlamento.
CM – Não teve contactos com filósofos do pensamento português?
O.V. – Houve uma tentativa de aproximação com Leonardo Coimbra, depois do convite feito por António Ferro para o grande pensador português dar uma conferência no Teatro de S. Carlos.
A seguir à conferência António Ferro promoveu o encontro entre Leonardo Coimbra e Oliveira Salazar. Pouco se sabe de quanto foi dito nesse encontro, ao qual assistiram António Ferro e o jornalista Boavida Portugal. O primeiro nada disse, durante toda a sua vida, sobre o diálogo travado mas o segundo confidenciou, a algumas pessoas, ter o encontro começado de forma cordata mas descambado, depressa, numa discussão a chegar quase ao insulto. Tendo terminado com Salazar a perguntar a Leonardo Coimbra por que não escrevia romances em lugar de filosofia
Uma contradição capaz de ser compreendida
CM – Pode considerar-se o marxismo como uma doutrina dissolvente das Pátrias?O.V. – O marxismo é um internacionalismo, evidentemente que um falso internacionalismo na faceta em que, actualmente, se manifesta. Não podemos esquecer tratar-se de uma ideologia assumida por um país, a União Soviética, e posto ao seu serviço.
À expansão do imperialismo soviético convém a desnacionalização dos outros países e povos, que essa despersonalização seja propagandeada e seja desejada.
O mesmo sucede, aliás, com os americanos, pois também eles fomentam, nos outros países, o predomínio do socialismo, apesar dos Estados Unidos serem um país capitalista.
Existe aqui uma contradição, mas uma contradição capaz de ser compreendida, pois o socialismo esvazia o carácter nacional e patriótico dos povos, substituindo-os por um jogo económico.
CM – O pensamento político português estará condenado a desaparecer, devido aos ataques desferidos pelo pensamento estrangeiro?
O.V. – Para que o pensamento português desapareça será necessário desaparecer Portugal.
Se tivermos confiança de que Portugal, apesar de tudo, prossiga – e Portugal apenas poderá prosseguir depois da crise que, actualmente, o afecta – só o poderá fazer com a Filosofia Portuguesa. De outro modo Portugal desaparecerá em breve, integrado em qualquer organização ou império.
CM – E a Filosofia Portuguesa tem força para sobreviver e ajudar Portugal a resistir?
O.V. – Com certeza. Temos o exemplo de Leonardo Coimbra, a figura central da Filosofia Portuguesa, que viveu nas condições mais hostis, mais desfavoráveis, e conseguiu ser o maior filósofo contemporâneo, não só de Portugal como de toda a Europa.
Leonardo Coimbra resistiu às maiores intrigas políticas, urdidas quer através dos partidos da época quer através do Parlamento.
A força de uma Filosofia reside na verdade do pensamento por ela transmitido e, depois de Leonardo Coimbra, essa verdade de pensamento foi, pacientemente, sistematizada por um homem chamado Álvaro Ribeiro, tarefa a que entregou toda a sua vida, com ausência total da ambições e com sacrifício do seu bem-estar.
A escola de Filosofia Portuguesa está constituída, hoje, por um número suficiente de pessoas com grandes capacidades intelectuais, a ir desde jovens estudantes até aos discípulos directos de Álvaro Ribeiro (in Correio da Manhã, 4.12.86, texto de Victor Mendanha).
A escola de Filosofia Portuguesa está constituída, hoje, por um número suficiente de pessoas com grandes capacidades intelectuais, a ir desde jovens estudantes até aos discípulos directos de Álvaro Ribeiro (in Correio da Manhã, 4.12.86, texto de Victor Mendanha).
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