quinta-feira, 11 de junho de 2020

Quando Portugal honrava os seus compromissos!!!


Contrariamente ao que durante muito tempo foi “voz corrente”, Portugal participou e foi beneficiário do programa americano de apoio à reconstrução da Europa a seguir à II Guerra Mundial conhecido por Plano Marshall.

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                                                        Barragem de Castelo do Bode

Não será muito importante, já se passaram muitas décadas, mas, é verdade, o nosso País foi mesmo contemplado pela ajuda americana concedida aos países da Europa Ocidental a seguir à II Guerra Mundial. Mesmo assim, para lá do desconhecimento, subsistem os cepticismos daqueles a quem não foi dado perceber que, para além das mercadorias, o auxílio financeiro e técnico americano chegou ao País, devidamente propagandeado, e entrou nas empresas e nos organismos públicos, da Metrópole e das colónias de então, de forma discreta, mesmo sem ser propositadamente disfarçada.


Citizen Grave: Portugal e o plano Marshall

                       Locomotiva diesel-eléctrica Whitcomb Locomotive Company série 1300.

No seu conjunto, com a participação de Portugal no Plano Marshall recebemos uma assistência financeira que rondou os 90 milhões de dólares (mais de dois milhões e meio de contos), interessando ao Estado e a outros agentes económicos do País.
A essa verba devem-se acrescentar a participação dos chamados Fundos Portugueses de Contrapartida, na ordem dos 552 milhões de contos. A quase totalidade do aproveitamento destas verbas ocorreu em 1950 e 1951, sobrando apenas uma pequena parcela, cuja utilização se prolongou para além do termo do ERP(Programa de reconstrução da Europa). Para além do financiamento, Portugal beneficiou da concessão de três empréstimos especiais, em aproveitamento de um fundo extra-ajuda especificamente dedicado a projectos coloniais, e do auxílio atribuído ao abrigo do programa de “assistência técnica e produtividade”. O programa de Assistência Técnica e Produtividade constitui uma das facetas “mais invisíveis” e, todavia, das mais significativas da participação de Portugal no Plano Marshall, envolvendo aspectos de estratégia e com impacto a médio e longo prazos.

Citizen Grave: Portugal e o plano Marshall


De facto, não participámos no dito Plano desde o seu início, em 1947, pois na verdade, no escasso período de praticamente um ano, em que se iniciam as primeiras reacções das autoridades portuguesas ao discurso do general Marshall (início de Junho de 1947) até à anuência de Portugal ao plano em Agosto-Setembro de 1948, as autoridades portuguesas operam uma mudança radical na sua posição face ao auxílio financeiro norte-americano. De uma inicial atitude de rejeição do auxílio, formalmente anunciada em Setembro de 1947, as autoridades portuguesas viram-se compelidas a solicitá-lo precisamente em Setembro do ano seguinte.

Grandes obras foram construídas ao abrigo do Plano, grandes barragens, melhoramento de linhas férreas, fábricas e outros equipamentos ou empreendimentos industriais e agrícolas.

Curiosamente e como poderemos ler mais abaixo, Portugal foi o único país a pagar na íntegra este apoio, mais uma vez, uma belo exemplo da imagem de Portugal no exterior depois da vergonha subsequente à Primeira Republica e aos seus desvarios, os quais deram a imagem de um Portugal sem rumo, incumpridor e caloteiro, tendo perdido nesse período toda a credibilidade internacional, chegando ao cúmulo de não ter reconhecida internacionalmente a sua moeda, o tal país falido, ao qual o regime saído do 28 de Maio devolveu a dignidade e honra. 

Alexandre Sarmento



«Corria o ano da graça de 1962. A Embaixada de Portugal em Washington recebe pela mala diplomática um cheque de 3 milhões de dólares (em termos actuais algo parecido com € 50 milhões) com instruções para o encaminhar ao State Department para pagamento da primeira tranche do empréstimo feito pelos EUA a Portugal, ao abrigo do Plano Marshall.

O embaixador incumbiu-me – ao tempo era eu Primeiro Secretário da Embaixada – dessa missão.

Aberto o expediente, estabeleci contacto telefónico com a desk portuguesa, pedi para ser recebido e, a pedido do funcionário encarregado da desk, disse ao que ia. O colega americano ficou algo perturbado e, contra o costume, pediu tempo para responder. Recebeu-me nessa tarde, no final do expediente. Disse-me que certamente havia um mal entendido da parte do governo português. Nada havia ficado estabelecido quanto ao pagamento do empréstimo e não seria aquele o momento adequado para criar precedentes ou estabelecer doutrina na matéria. Aconselhou a devolver o cheque a Lisboa, sugerindo que o mesmo fosse depositado numa conta a abrir para o efeito num Banco português, até que algo fosse decidido sobre o destino a dar a tal dinheiro. De qualquer maneira, o dinheiro ficaria em Portugal. Não estava previsto o seu regresso aos EUA.

Transmiti imediatamente esta posição a Lisboa, pensando que a notícia seria bem recebida, sobretudo num altura em que o Tesouro Português estava a braços com os custos da guerra em África. Pensei mal. A resposta veio imediata e chispava lume. Não posso garantir a esta distância a exactidão dos termos mas era algo do tipo: "Pague já e exija recibo". No dia seguinte, sem aviso prévio, voltei à desk e comuniquei a posição de Lisboa.

Lançada estava a confusão no Foggy Bottom: - não havia precedentes, nunca ninguém tinha pago empréstimos do Plano Marshall; muitos consideravam que empréstimo, no caso, era mera descrição; nem o State Department, nem qualquer outro órgão federal, estava autorizado a receber verbas provenientes de amortizações deste tipo. O colega americano ainda balbuciou uma sugestão de alteração da posição de Lisboa mas fiz-lhe ver que não era alternativa a considerar. A decisão do governo português era irrevogável.

Reuniram-se então os cérebros da task force que estabelecia as práticas a seguir em casos sem precedentes e concluíram que o Secretário de Estado - ao tempo Dean Rusk - teria que pedir autorização ao Congresso para receber o pagamento português. E assim foi feito. Quando o pedido chegou ao Congresso atingiu implicitamente as mesas dos correspondentes dos meios de comunicação e fez manchete nos principais jornais. "Portugal, o país mais pequeno da Europa, faz questão de pagar o empréstimo do Plano Marshall"; "Salazar não quer ficar a dever ao tio Sam" e outros títulos do mesmo teor anunciavam aos leitores americanos que na Europa havia um país – Portugal – que respeitava os seus compromissos.

Anos mais tarde conheci o Dr. Aureliano Felísmino, Director-Geral perpétuo da Contabilidade Pública durante o salazarismo (e autor de umas famosas circulares conhecidas ao tempo por "Ordenações Felismínicas" as quais produziam mais efeito do que os decretos do governo). Aproveitei para lhe perguntar por que razão fizemos tanta questão de pagar o empréstimo que mais ninguém pagou. Respondeu-me empertigado: - "Um país pequeno só tem uma maneira de se fazer respeitar – é nada dever a quem quer que seja".

Lembrei-me desta gente e destas máximas quando há dias vi na televisão o nosso Presidente da República a ser enxovalhado pública e grosseiramente pelo seu congénere checo a propósito de dívidas acumuladas.

Eu ainda me lembro de tais coisas, mas a grande maioria dos Portugueses de hoje nem esse consolo tem.»


Estoril, 18 de Abril de 2010

Luís Soares de Oliveira

1 comentário:

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