sábado, 31 de maio de 2025

O despoletar da "Guerra Colonial".

 

«[...] a 16 de Fevereiro de 1961, entra em Lisboa o Santa Maria. Há pela cidade, e até pelo país, uma atmosfera de alívio, de contentamento. No cais, congrega-se multidão que alastra pelos edifícios, pelas imediações. Acompanhado de Pedro Theotónio e de Quintanilha Dias, Salazar vai a bordo. Inspecciona o navio. Informa-se em pormenor do ocorrido durante a aventura. Conversa demoradamente com o comandante Simões Maia. Faz ponto de cumprimentar a tripulação. Solicitado para fazer declarações à imprensa e à rádio, Salazar recusa. Instam os ministros: é preciso proferir uma simples palavra, uma frase. Salazar diz para os jornalistas e a rádio: "Temos de novo o Santa Maria connosco. Obrigado, portugueses". De outra forma, manifesta-se o presidente da República: a título póstumo, o piloto Nascimento e Costa é condecorado com a Torre e Espada, cujas insígnias Américo Thomaz depõe sobre a urna, quando do funeral. Mas no dia seguinte ao da chegada do Santa Maria, o ministro da Defesa Nacional, Botelho Moniz, avista-se com outras personalidades do regime, havia decidido forçar Salazar a liberalizar a sua política, tanto na metrópole como no ultramar.

O regresso do paquete Santa Maria a Lisboa.

[...] Um facto, no entanto, lembra aos mais atentos que algumas preocupações existem nos responsáveis: uma missão militar, encabeçada pelo general Beleza Ferraz, chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, e em que participam o general Câmara Pina, chefe do Estado-Maior do Exército, e outros oficiais, desloca-se a Angola para conferenciar com os comandos militares locais. [Faziam também parte da missão os tenentes-coronéis José Bettencourt Rodrigues e Pinto Resende e o major Pedro Cardoso]. Num plano mais amplo, e sem que transpire para o grande público, o ministério do Exército, na consciência de que se desenrola uma crise, toma uma atitude nítida. Em circular aos comandos, diz: antes da crise, ainda seria lícito apreciar a situação vigente; mas hoje a "conjura internacional" pretende "impor às nossas províncias ultramarinas uma independência que elas não desejam e reduzir a Metrópole à condição de Estado vassalo ou simples província duma Ibéria unificada"; por isso, há que ter consciência que "é a Portugal que atacam", é "Portugal que pretendem abater e destruir como nação independente"; e assim todos os portugueses devem estar "do lado onde só há portugueses".

[...] No dia 6 de Março de 1961, Botelho Moniz e Elbrick almoçam juntos, a sós, e o embaixador americano desvenda ao ministro que tem instruções para uma firme diligência com o objectivo de forçar o chefe do governo a alterar a sua política africana. E na verdade, no dia seguinte, 7 de Março, o embaixador dos Estados Unidos, solicita uma entrevista com Oliveira Salazar, e pede urgência. Pergunta o ministério dos Estrangeiros: de que assunto deseja o embaixador ocupar-se? Responde Elbrick: está actuando por instruções pessoais do presidente Kennedy e apenas ao presidente do Conselho pode revelar a matéria. Elbrick chega acompanhado de Xanthaky, conselheiro e intérprete, e apresenta-se de semblante grave. É no gabinete do chefe do governo, em S. Bento. Desempenha-se o enviado americano do seu encargo. Diz, em síntese: estão preocupados os Estados Unidos com a África, e com os perigos de uma implantação comunista no continente, que importa ao mundo livre evitar; o presidente Kennedy pensa que a auto-determinação e a independência dos países africanos constitui a maneira mais eficaz de barrar o caminho à União Soviética; o nacionalismo africano é aliás irresistível, e a descolonização é um fenómeno inevitável, além de corresponder aos ideais de liberdade e dos direitos humanos; neste particular, o presidente Kennedy está especialmente apreensivo com a situação em Angola e, dadas as cordiais relações luso-americanas, muito desejaria que aquela se resolvesse à luz dos princípios geralmente aceites; de outra forma, poderá suscitar-se na ONU uma situação muito embaraçosa para Portugal, não sendo possível contar com o apoio dos Estados Unidos; apenas uma declaração de intenções, pública e formal, a fazer urgentemente pelo governo português, e anunciando não só reformas como a aceitação do princípio de auto-determinação e de independência para aquele território, poderá prevenir dificuldades de toda a ordem; se essa declaração não for feita, será de esperar um ponto crítico nas relações entre os Estados Unidos e Portugal, de que não caberá qualquer responsabilidade ao governo de Washington; e por último, como a independência de Angola deverá causar perturbações à economia portuguesa, os Estados Unidos declaram-se prontos a estudar com outros países da NATO a melhor maneira de compensar financeiramente aquelas perturbações. Salazar escuta com atenção concentrada. Elbrick conclui a sua comunicação. Entrega um muito curto memorial, que contém uma breve síntese. Oliveira Salazar pergunta se o embaixador esgotou as suas instruções ou tem mais alguma coisa a acrescentar. Mais nada, declara Elbrick. Levanta-se o chefe do governo, dirige-se à porta do gabinete, que abre. "Ouvi atentamente e agradeço-lhe a sua visita. Muitos cumprimentos para o Presidente Kennedy. Muito boas tardes, Senhor Embaixador". Saem os dois americanos. Nos corredores, diz Xanthaky para Elbrick: "Nunca mais ouviremos falar desta diligência nem jamais obteremos qualquer resposta".

Manifestação a favor do governo português em Angola.

Em Nova Iorque, continua a campanha da Libéria para uma reunião do Conselho de Segurança contra Portugal. E nos círculos afro-asiáticos da ONU, e numa larga parte da imprensa, traça-se de Angola um quadro dramático: o território está em revolta; a repressão das autoridades portuguesas é selvática; jorram torrentes de sangue; está assim comprometida a própria paz mundial. No Brasil, Humberto Delgado apoia a reunião do Conselho, e defende a independência do Ultramar português e a integração de Goa na União Indiana. Por Lisboa, numa escala entre dois aviões, faz uma breve paragem Kwame Nkruma, presidente da República do Gana, e arauto da luta antiportuguesa; [Na altura, o Gana apresenta na Organização Internacional do Trabalho uma queixa contra Portugal, acusando este de prática de trabalho forçado em Angola. Portugal aceitou o inquérito, e este foi conduzido por uma comissão internacional presidida por um juiz senegalês; do inquérito, conduzido com minúcia em Angola, saiu Portugal totalmente ilibado. Então, e usando exactamente os mesmos trâmites processuais, Portugal apresenta na OIT uma queixa contra a Libéria, com uma acusação formulada nos mesmos termos. A OIT tinha de a fazer prosseguir contra aquele país como o fizera contra Portugal; este assim o exige; e assim se faz. Mas então há alarme nos círculos afro-asiáticos da OIT e da ONU; ficam em causa as grandes plantações estrangeiras na Libéria, o governo deste país lamenta-se que a falta de transportes não lhe permite cooperar com a comissão a ser designada pela OIT, etc. Conclusão: a queixa portuguesa é arquivada; mas a Portugal é dada a garantia de que, na OIT, nunca mais se pronunciará uma acusação contra Portugal no Ultramar]; dá um passeio pela cidade; e aos funcionários portugueses destacados para o acompanharem, manifesta em termos tocantes profundo interesse pela saúde de Oliveira Salazar e pede-lhes que transmitam a este os seus cumprimentos e desejos de longa vida. Por seu lado, o governo de Lisboa protesta em Nova Iorque, junto da presidência do Conselho de Segurança, contra o pedido da Libéria, que considera ilegal, não justificado, e violador do n.º 7 do art.º 2.º da Carta, que proíbe qualquer interferência nos assuntos internos dos Estados. Sem embargo, e no caso de se efectivar a reunião, Portugal deseja participar nos debates. Dias depois, a 10 de Março de 1961, o Conselho de Segurança inscreve efectivamente a questão de Angola na sua ordem do dia. E o ministério do Ultramar, num comunicado, sublinha a existência de um plano internacional de subversão da África portuguesa. Pelo Norte de Angola circulam estranhos panfletos convidando a população para as festas de 15 de Março, e a limpar estradas e pontes, e a tratar bem os chefes de posto, suas famílias, e todos os brancos; mas as autoridades locais não atribuem importância a tais papéis, nem lhes dão interpretação especial. E elementos oficiais americanos em Lisboa e Luanda insistem em perguntar, por razões misteriosas, se no território da província de Angola tudo está calmo.

Atendendo ao prestígio do Conselho de Segurança, e ao temor que infunde nos mais tíbios ou menos prevenidos, produz-se na opinião pública portuguesa alguma emoção, e muitos prevêem que aquele orgão da ONU tomará as decisões mais graves contra Portugal: sanções políticas, ou económicas, ou até intervenção armada. Há alarme, há receios. Inicia o Conselho os debates a 13 de Março; Vasco Garin representa Portugal; e de Lisboa, com urgência, segue Jorge Jardim, portador de elementos de facto e dados estatísticos fornecidos pelo ministério do Ultramar. Simultaneamente, e em pagamento da que lhe fizera Marcello Mathias, chega em visita oficial a Lisboa o ministro dos Assuntos Exteriores de Espanha, Fernando Maria Castiella. Desenrola-se o programa habitual de recepções e conversas. Castiella e Mathias falam longamente; e o ministro espanhol é recebido por Thomaz e Salazar. Castiella afecta sempre uma atitude de grande compreensão, de entranhada amizade por Portugal, e de incondicional e dedicado apoio em tudo o que os portugueses desejarem. Para Castiella, não há problemas na "fraternidade ibérica" [Recorde-se que Castiella, com outros, era autor de trabalhos em que se advogava a "união ibérica"]. Mathias vinca sempre os "dois países da Península". Em Nova Iorque, na violência e no vitupério, desenrola-se o debate. Além da Libéria, são particularmente brutais o Ceilão, a República Árabe Unida, a União Soviética. Até à saciedade, é repisado o inferno das acusações rituais: opressão, atraso, genocídio, perigo para a paz mundial. Pede-se o cumprimento imediato, por Portugal, das resoluções votadas anteriormente; solicita-se uma declaração de princípio, outorgando a Angola a independência. Um aspecto do debate surpreende alguns círculos do Conselho de Segurança: pela primeira vez, a delegação americana, chefiada por Stevenson , ataca a política portuguesa em África, alinha com as acusações afro-asiáticas ainda que em linguagem mais moderada, e deixa entrever um voto contrário a Portugal [Adlai Stevenson, membro destacado do Partido Democrático, candidato presidencial; derrotado por Kennedy, este nomeia-o para o posto de embaixador dos Estados Unidos na ONU]. Não causa surpresa em Lisboa a nova atitude dos Estados Unidos, que está no caminho da diligência de Elbrick, de há dias; mas Salazar e Mathias não ocultam a sua preocupação, nem ignoram as implicações futuras da política de Washington. Como fecho do debate, e para ser submetido ao voto, a Libéria, o Ceilão e a República Árabe Unida apresentam um projecto de resolução que engloba e sintetiza o ponto de vista afro-asiático expresso no debate: por duas vezes se acentuam os perigos que a situação em Angola representa para a paz e a segurança mundiais; reitera-se a doutrina das resoluções anteriores contra Portugal; e solicitam-se reformas imediatas no contexto da resolução sobre extinção do colonialismo. E quando, na noite de 15 de Março de 1961, Mathias oferece a Castiella um banquete nas Necessidades, e os dois ministros celebram o fortalecimento do Pacto Peninsular, vai em Nova Iorque ser posto ao voto o projecto afro-asiático. Como se aprestam a votar os Estados Unidos? Stevenson telefona a Kennedy, que está no seu gabinete da Casa Branca [Convém lembrar a diferença de horas entre Lisboa e Nova Iorque; quando em Lisboa era o princípio da noite, em Nova Iorque e Washington estava-se no meio da tarde]; recomenda que a delegação americana apoie o projecto afro-asiático, votando portanto contra Portugal, e pede ao presidente instruções finais. Que atitude tomarão os outros ocidentais? - pergunta Kennedy. Provavelmente abster-se-ão, diz Stevenson; mas igual atitude da parte dos Estados Unidos causaria deplorável impressão por todo o terceiro mundo. Dean Acheson [antigo secretário de Estado, que falara longamente com Salazar numa visita a Lisboa em 1952], que naquele momento se encontra no gabinete de Kennedy, sugere ao presidente que não tome uma decisão precipitada, e acentuou que o assunto deve ser mais ponderado. Não há tempo, a votação vai realizar-se dentro de minutos, diz Kennedy; e depois de consultar Dean Rusk pelo telefone, e retomando a conversa com Stevenson, instrui este para votar contra Portugal. Comenta então Acheson: "Senhor Presidente, acaba de tomar uma decisão que é ao mesmo tempo um erro e um perigo, e terá as mais graves consequências para Portugal e para os Estados Unidos". E procede-se à votação em Nova Iorque: votam a favor da resolução a Rússia, a República Árabe Unida, a Libéria, o Ceilão e os Estados Unidos. Abstêm-se a França, a Inglaterra, a China, o Chile, o Equador e a Turquia. Há assim cinco votos afirmativos e seis abstenções. Não obtivera o texto, portanto, a maioria de votos positivos exigida, entre os 11 membros do Conselho, para que seja aprovada uma resolução, e nos termos regulamentares é havida por derrotada. Mas os Estados Unidos tinham votado contra Portugal pela primeira vez na história dos debates de problemas portugueses na ONU; e deste modo haviam rompido a solidariedade ocidental (França, Inglaterra, Turquia) e ignorado a amizade latino-americana (Chile, Equador).

Franco Nogueira e J. F. Kennedy

Acheson, velho e experimentado estadista, advertira Kennedy. Mas não se conforma com a atitude dos Estados Unidos, nem tem por bastante o seu aviso, e quer resgatá-lo. Escreve a Kennedy uma longa carta. Depois de referir notícias da imprensa sobre a mudança da política africana dos Estados Unidos, Dean Acheson aprecia directamente o voto americano no Conselho de Segurança. Diz o antigo secretário de Estado: "O embate causado pelo voto na semana passada - e ainda mais significativamente o do discurso que foi feito, com a sua sinistra ameaça para o futuro - não atingiu principalmente os portugueses ou a crise de Angola". Do voto americano, a mais grave consequência, pensa Acheson, está em tornar impossível qualquer negociação que poderia trazer à África alguma "sanidade". Vai ter reflexos na Argélia, e em toda a África. "Na verdade", continua Dean Acheson, "através de África a grande necessidade não está em empurrar mais povos mais depressa para a independência, que não sabem usar melhor do que o têm sabido os congoleses. Independência para todos esses povos não é já um problema realista. O grande e crucial problema consiste em prepará-los, com muito mais do que simples velocidade, para enfrentarem o futuro inevitável". E por último Dean Acheson atira a Kennedy um doesto: "Qualquer estadista, soldado ou advogado sabe que o caminho para o desastre consiste em dar combate no terreno escolhido por outrem". As Nações Unidas são uma ratoeira: pequenos países têm-se permitido manobrar as potências responsáveis e obrigam-nas a votar em todos os problemas concebíveis: "Nós (os americanos) somos suficientemente grandes para não fazermos isto". E a "nossa própria grandeza e responsabilidade impõe-nos que em todas as situações não percamos de vista o conjunto" [carta de 19 de Março de 1961]. Em Lisboa, Jacques de Lacretelle pronuncia no Instituto Francês uma palestra sobre Marcel Proust. E na Casa do Infante, no Porto, Adriano Moreira, subsecretário do Ultramar, profere uma conferência com o título de Provocação e Resposta. Num óbvio remoque ao voto americano, diz: "Só nós temos resistido ao desafio dos adversários; teremos também de resistir à provocação e à transigência dos que se dizem amigos".

Encerram-se em Nova Iorque os debates, e de Angola chegam a Lisboa notícias trágicas. Justamente de 14 para 15 de Março de 1961, vagas de terroristas invadem o Norte de Angola. Aboletados e municiados na República do Congo, atravessam em toda a extensão a linha de fronteira e, providos de catanas e armas de fogo rudimentares, assaltam povoações e fazendas. São atacadas Santo António do Zaire, S. Salvador do Congo, Maquela do Zombo, que se podem considerar quase raianas; mas são igualmente acometidas Ambrizete, Negaje, Mucaba, Sanza-Pombo; toda a baixa do Cassange está em alvoroço; e os terroristas estão às portas de Carmona. São claros para as autoridades os propósitos de implantar o terror. São óbvios os desígnios de se dirigirem a Luanda. Nos círculos do governo central, na alta administração, toma-se então consciência de que em Angola há uma situação de guerra, e de que no território se move guerra contra Portugal.

Em menos de quarenta e oito horas, pelos distritos do Zaire e do Uíje é a devastação maldita. Plantações e casas solitárias são saqueadas e incendiadas; aldeias são arrasadas; é posto cerco a vilas e pequenas povoações, cortando-se-lhes os abastecimentos; vias e meios de comunicação ficam destruídos; e a cidade de Carmona apenas consegue resistir graças ao heroísmo dos seus habitantes, encorajados e orientados pela serenidade e espírito decidido do governador Rebocho Vaz. Mas a fúria do ataque visa sobretudo as populações. Não se faz distinção de etnias, nem de sexo, nem de idades tão-pouco. É o terror, maciço e cru. Além dos praticados na Baixa do Cassange, e contra as vilas fronteiriças, parecem ser particularmente violentos os massacres nas regiões de Nambuangongo, Quicabo e Quitexe. Como nos tempos remotos das grandes barbáries, são assassinados homens, mulheres, velhos e crianças, autoridades administrativas, agentes da ordem, brancos, negros e mestiços; ou fuzilados; ou queimados dentro de casas e cubatas; ou esquartejados, e degolados; ou cerrados vivos. São fazendeiros, habitantes de vilas e cidades, homens de profissões liberais, missionários, enfermeiros; no ímpeto do inferno, não se faz discriminação. Propagam-se as notícias, e os que ficam ainda aquém do terror que alastra procuram na fuga a salvação. Amontoam-se em transportes que regurgitam muito para além das lotações, e aos milhares tentam dirigir-se a Luanda. Para trás, ficam haveres, que são o esforço de muitos anos; e comércios e indústrias, que representam gerações de tenacidade. E os itinerários não estão protegidos; há cortes de picadas; não se sabe que situação existe na próxima localidade; e nas pistas por que tomam ou nas povoações por que passam apenas encontram corpos chacinados, e ruína. Grupos de fugitivos cruzam-se a esmo com outros grupos: trocam-se informações: e não pode ser mais ensanguentado o quadro que emerge. Carmona sobrevive, e Rebocho Vaz organiza um centro de resistência e acolhimento: a cidade torna-se um símbolo da resolução portuguesa de estar. Continua o pesadelo de dias excomungados mas, vencido o primeiro choque, os que sobrevivem, autoridades locais ou simples particulares, lançam mão de quanto podem, desde cajados a armas de caça, e congregam-se em bandos; e improvisam redutos que se defendem por dias e dias até serem socorridos, ou sucumbirem trucidados por vagas de terroristas que parecem drogados e se renovam sem cessar, não cuidando de quantos são abatidos. E surge Jorge Jardim, com um largo grupo, os "voluntários de Moçambique", que procuram assistir as autoridades e acorrer, por picadas e matos, aos locais de maior ameaça, e que se portam com destemor que logo cria lenda. Simultaneamente, nos muceques de Luanda o ambiente é de agitação, e de boca em boca passa o grito: matar branco, matar branco.

Entretanto, começam a afluir a Luanda os fugitivos: são chusmas em tropel, feridos, esfarrapados, cobertos de pó e terra encarnada, mutilados à beira da morte por míngua de cuidados, amargos com o ferrete da miséria, raivosos porque as suas vidas são de súbito uma ruína; e clamam por providências, exigem pelo menos o sangue das populações negras que ficam ao norte, e culpam de tudo as autoridades e o governo. Por governador-geral continua Álvaro da Silva Tavares, há pouco chegado: este não perde o sangue-frio, consegue suscitar à sua volta alguma calma. De acordo com as autoridades policiais e militares, são decididas as medidas possíveis. Em toda a província existem cerca de 2000 soldados brancos e cerca de 6000 soldados negros. É comandante militar de Angola o general Monteiro Libório. Em cooperação com os administradores, os chefes militares procuram usar aqueles escassos de efectivos na abertura de itinerários, protecção de aldeias e vilas, guarda de instalações e de serviços públicos essenciais; e a Força Aérea, do comando do brigadeiro Fernando Resende, assegura comunicações e transporte de feridos graves. Mas é imensa a área, as forças não estão apetrechadas para uma actuação daquele tipo; e de momento, para mais, não sabem as autoridades se acaso não será desencadeado terrorismo em outros pontos do território, não podendo por isso deixar completamente desprotegidas outras cidades. Luanda tem, decerto, de ser protegida e defendida, seja por que preço for; mas Nova Lisboa ou Sá da Bandeira, Benguela ou Lobito, Luso ou Moçâmedes, não podem também ser abandonadas. Não se produzem alterações de ordem pública em outros pontos da província, todavia, nem se notam entre as populações indícios que inquietem as autoridades. A pouco e pouco, os meios existentes podem ser concentrados no Norte. E em Luanda, por entre dificuldades e cenas de emoção, organiza-se o acolhimento aos estropiados do Zaire e do Uíje: e somam muitos milhares.

São velozes as notícias e é instantâneo o conhecimento que em toda a província há da tragédia do Norte. São divulgados os cálculos provisórios das autoridades: devem ter sido assassinados, entre elementos da população, cinco a seis mil pessoas, e abatidos dois a três mil terroristas. De lés a lés de Angola é profundo o traumatismo, e o desespero domina todos. É radical a perturbação numa vida colectiva, de brancos e de pretos, que decorria no trabalho, decerto, mas sem sobressalto de monta. E de repente está criado um clima de suspeita, de ódio entre raças: os brancos vêem em cada negro um possível terrorista, os negros vêem em cada branco um homem que se quer vingar e que agora mata sem hesitar. Deste modo, e além das atrocidades dos assaltantes, assumem gravidade o ataque preventivo e a retaliação indiscriminada de brancos sobre negros e destes sobre aqueles. Homem a homem, nas ruas, nos empregos, em toda a parte, espiam-se com rancor, e a um gesto equívoco é abatido o suposto adversário. Parece em escombros a secular igualdade racial que é timbre da política portuguesa, dir-se-ia destruído o tradicional convívio e cruzamento entre etnias. Depois, no ânimo da população de Angola, firma-se uma ideia: o governo de Lisboa abandona todos, e o território, a um destino trágico. Todos interrogam o futuro: consideram perdidos os seus bens, os seus capitais, os seus investimentos, os seus comércios e indústrias, as suas casas; consideram-se na pobreza; e além de verem interrompida a educação dos seus filhos, julgam que apenas lhes podem legar a miséria. Perante o quadro doloroso, para todos é cruel o dilema: partir ou ficar? Recomeçar a vida noutras bases e noutro local, ou ficar, resistir, lutar, agarrar-se à terra, defender bens até à morte? Para muitos e muitos, e de momento, a decisão é de ficar: nasceram ali, e pais, avós, gerações de antepassados nasceram ali: a terra é mais deles que de outros: onde não havia nada, há hoje tudo: e foram eles, e só eles, que tudo construíram com a sua iniciativa e o seu braço. E ir para onde? São já numerosos os que nunca sequer foram à Metrópole, ou que estão em Angola de meninos, ou que há largos anos não saem da província. Que fazer em Lisboa? Seria então preferível ir para a África do Sul ou para a Rodésia do Sul. Mas não: há que estar, correr todos os riscos, afrontar todos os perigos, ficar, vivos ou mortos. Mas a outros é o pânico que os possui. Esses decidem abandonar tudo, perder tudo o que não puder ser levado ou transferido, e tomar o caminho de Lisboa. E é o êxodo, aos milhares. Em aviões e barcos, disputam-se a poder de oiro os lugares.

Cabeças humanas decepadas no ataque da UPA de 15 de Março de 1961

Têm imediata repercussão na opinião metropolitana os "acontecimentos" de Angola. [Entre os brancos de Angola, os ataques terroristas no Norte ficaram conhecidos e eram sempre designados pelos "acontecimentos". Nas conversas, dizia-se: por altura dos acontecimentos, antes dos acontecimentos, depois dos acontecimentos, etc. Não era preciso especificar de que acontecimentos se tratava, porque se subentendiam. Os negros classificavam o terrorismo do Norte de confusão: por altura da confusãofulano anda na confusão, etc.]. Há desde logo um aspecto sentimental: Angola é território querido dos portugueses: e há o terror da sua perda, ou risco. Mesmo nos mais desprevenidos, e nos mais alheios aos altos jogos da política, forma-se a convicção clara de que, algures e por alguém, está traçado e em execução um plano de guerra contra Portugal em África. Encadeiam-se agora os factos: fuga de Delgado e Galvão, graças ao estratagema dos asilos políticos; captura do Santa Maria; simultaneamente, produzem-se os primeiros tumultos de Luanda; e a reunião do Conselho de Segurança, e o debate antiportuguês, coincidem rigorosamente com a invasão do terrorismo no Norte de Angola. Uma conclusão parece impor-se: trata-se de intimidar Portugal, de fazer ajoelhar o governo de Lisboa. Nem por haver esta consciência, ou justamente por virtude desta consciência, instala-se na Metrópole uma desorientação que frisa com o pânico. Há uma angústia colectiva, e são em torrentes os boatos sem peias da imaginação: Oliveira Salazar está doente, e com gravidade, ou pediu a demissão, ou prepara a sua partida, se não a sua fuga, para a Suíça; está por dias, ou por horas, uma revolta das Forças Armadas; não é apenas em Angola que lavra a insurreição, mas por todo o Ultramar, e o governo está a ludibriar o povo; e as potências vão confrontar Portugal com um ultimato rude. Depois, é a oposição de esquerda que aproveita os "acontecimentos", e os apresenta com o matiz que convém aos seus desígnios. Em conversas, circulam as interpretações especiosas dos que sabem, dos que estão informados: na origem da revolta está a injustiça de que é vítima a população do Norte de Angola; a culpa pertence aos homens das grandes plantações, aos cafeeiros, aos madeireiros, que à custa de salários de miséria acumularam fortunas de fábula; a culpa cabe a um restrito número de famílias metropolitanas que exploram e abafam a economia daquela zona, e até a de Angola; a culpa tem de ser atribuída aos administrativos, incompetentes, corruptos e opressores; e de forma global, em suma, vai para o governo de Lisboa a responsabilidade maior, porque tudo consentiu e nada preveniu. Noutros círculos, são políticas as explicações de estilo: Portugal é atacado no Ultramar por não serem democráticos o regime e o governo de Lisboa: não existiria a hostilidade das potências e da ONU se houvesse liberdade no país e se assentassem num pluralismo ideológico as instituições políticas portuguesas.

Notícias sobre o sucedido em Angola.

Decorrem os dias. Nos Estados Unidos, abre-se controvérsia, e os dirigentes republicanos pedem a Kennedy que explique o seu voto antiportuguês; e sobre este surge também polémica entre direitas e esquerdas europeias. Em 24 de Março de 1961, e sem embargo do seu precário estado de saúde, parte para Angola o ministro do Ultramar, Vasco Lopes Alves. Representa a viagem a primeira reacção de Lisboa, em alto plano, perante os acontecimentos. No Portugal metropolitano, continua a inundação de notícias de novas atrocidades no Norte da província. São os relatos feitos pelos brancos que chegam, e cujo afluxo não cessa; e são as crónicas minuciosas da rádio, da imprensa, de correspondentes especiais que acorrem ao território. E agrava-se, aprofunda-se o traumatismo na opinião pública: dir-se-ia também não haver na metrópole quem não possua um familiar, um amigo, um afilhado, um sócio, um simples conhecido, que não tenha sido morto, ou ferido, ou estropiado, ou de algum modo afectado em Angola na sua segurança ou nos seus bens. E sucedem-se manifestações, algumas violentas, junto do consulado americano em Luanda e da embaixada dos Estados Unidos em Lisboa. Cartazes são exibidos, e alguns clamam: "fora dos Açores", "racistas""abaixo a ONU""Angola é nossa""América para os peles-vermelhas". E em Nova Iorque, agora em sessão especial da Assembleia Geral da ONU, de novo o delegado da Libéria propõe a inscrição da questão de Angola na agenda, e pede prioridade para o seu debate. Opõe-se energicamente a delegação portuguesa. Mas a Assembleia, se recusa a prioridade, aceita a inscrição. Protestam os delegados portugueses, que alegam a ilegalidade da decisão, e num gesto espectacular, por instruções de Lisboa, abandonam a vasta sala das sessões. Entretanto, parecendo que se está dentro de uma normalidade de rotina, é anunciada a vinda de Couve de Murville, ministro dos Negócios Estrangeiros de França, numa visita oficial a Lisboa, e a ida a Espanha, também oficialmente, do presidente Américo Thomaz.

Para além das fronteiras portuguesas, e à parte a guerra movida no Norte de Angola, o ataque político contra Portugal assume virulência sem paralelo. Há uma ou outra nota de bom senso, de moderação. Cyril Sulzberger, vulto todo-poderoso do poderoso New York Times, critica também Kennedy pelo voto contra Portugal: sugere, como os republicanos, que os Estados Unidos "ao menos se abstenham" e que os ocidentais não se entreguem ao gosto de votar uns contra os outros; "se continuarmos a deixar andar as coisas, acabaremos numa corrida para a guerra nas fronteiras da África do Sul""ou veremos Portugal abandonar a NATO, levando consigo os Açores". Também um ou outro jornal francês, ou alemão, ou britânico, sugeria ponderação, aconselhava calma e isenção no exame da política portuguesa. De Gaulle, presidente de França, mandava dizer em Lisboa: "Eu compreendo a vossa política. Mas com que contam e com quem contam?" Konrad Adenauer, chanceler alemão, exprimia em Bona a sua simpatia, e significava o seu apoio; mas não ocultava as suas dúvidas, nem o seu desalento perante as vagas do mundo. Para além destes homens, que se exprimiam em surdina, tudo era brutalmente hostil. Na grande imprensa internacional, nas influentes cadeias de rádio e televisão, na alta-roda mundial da finança e da economia, nos parlamentos das nações, nos círculos das classes políticas supremas, eram sem mercê os ataques, as acusações, as ameaças, os anúncios de tragédia para Portugal. Disseminados pelo mundo, alguns amigos raros, em segredo e com pavor, eram pródigos de sugestões e de conselhos: deveria Portugal ceder, transigir, desamparar tudo, com rapidez e a esmo, salvaguardando somente alguma aparência de dignidade, se viável. E sublinhavam, junto do governo e das elites portuguesas, a loucura de uma resistência, a insensatez de contrariar uma enxurrada universal. Escorraçado, acossado, vilipendiado, Portugal era tratado de réprobo. E para a generalidade não havia dúvida de que o governo português tinha contado o seu tempo: estava por semanas, talvez por dias.

Guerrilheiros da UPA.

Se os "acontecimentos" do Norte de Angola se repercutiam no povo, o ambiente internacional impressiona sobretudo as classes dirigentes portuguesas, a alta burguesia e a alta classe média, os círculos políticos, os homens da finança, da indústria, do comércio, e da economia. Sentem-se possuídos de pânico, e sucumbem. Invade-os a tibieza moral, perdem a lucidez de visão, perturba-se-lhes a inteligência. Nos meios ligados ao governo e ao regime, muitos sentem-se em vésperas de naufrágio, e procuram saber como abandonar o navio; e nos próprios centros da União Nacional surge de chofre um vazio, um esboroamento de vontades, e não têm rebuço as expressões de azedume e crítica. No parlamento, é a aflição: tudo está perdido. Manuel Aroso, deputado, procura Luís Supico e revela-lhe que o deputado Homem de Melo, muito da roda de Craveiro Lopes, tem já um discurso preparado com violento ataque ao Governo e a Salazar. É um dos pontos do programa de uma conspiração na forja, que estaria concertada com meios americanos, e em paralelo com círculos internos orientados por Galvão e Delgado. Há uma perda colectiva da coragem: não cabe dúvida, o mundo está contra Portugal, e Portugal não pode pensar em bater-se com o mundo. Perante a oposição declarada dos Estados Unidos e do Brasil, e as votações maciças das Nações Unidas, e a animosidade de todo o Ocidente em suma, que fazer senão conformar a política portuguesa com os imperativos do momento? São em largo número os homens de consequência, cujo estandarte é o do patriotismo e por anos e anos têm afirmado a sua devoção ao governo e ao regime, que enfileiram agora nas novas ideias, advogam a entrega de tudo às Nações Unidas porque consideram fundamental gozar de bom ambiente no estrangeiro, e têm por humilhantes para Portugal as votações da ONU e os editoriais hostis do Le Monde, ou do Times, ou do New York Times. Numa síntese, esses homens comungam num mesmo desvairo: perca-se tudo, pague-se qualquer preço; mas arredem-se sacrifícios, adopte-se a política dos grandes do mundo, venham os capitais, faça-se os negócios; há que viver bem, ainda que sob jugo alheio. Alguns comportam-se em sentido oposto: reafirmam a sua confiança nos destinos portugueses de Angola e de todo o Ultramar, têm por avisada a política do governo, e dispõem-se ao risco de novos empreendimentos. Sem embargo, por uma forma ou outra, assume já larga escala a fuga de capitais para o estrangeiro. Mais do que nos noutros, é grave o embate do ambiente mundial em sectores das Forças Armadas portuguesas. Nos quartéis, nas instalações para oficiais, em suas casas particulares, são frequentes as reuniões, e exprimem-se dúvidas, formulam-se críticas, há desalento, há descrença. Mesmo no âmbito dos Estados-Maiores do Exército, da Força Aérea e da Armada, não deixam de se interrogar; e, sem que tenham esse propósito, dão no entanto livre curso às alegações dos meios internacionais anticolonialistas e da extrema-esquerda portuguesa. Bater-se por Portugal, sem dúvida; defender o Ultramar, decerto; mas não serão chamados a arriscar a vida devido a situações imorais que, em grande medida, teriam conduzido à rebelião do Norte de Angola e à guerra que se trava? Entendem os chefes militares responsáveis que se impõe dissipar tais dúvidas e que, sejam quais forem os desvios, é Portugal e seu Ultramar que estão verdadeiramente em causa; mas no topo de oficiais muitos são os que hesitam, e tornam às perguntas sem fim. Não serão de facto os interesses pessoais de alguns que tudo provocaram? Não estará na existência da censura a origem de tudo? E não deverá o governo tomar providências? Acima de tudo, não foi Portugal efectivamente abandonado pelos seus grandes aliados e amigos, os Estados Unidos, o Brasil, a Inglaterra? [Estas perguntas e outras semelhantes eram realmente formuladas em sessões do Conselho Superior Militar, nas reuniões realizadas nos meses de Fevereiro e Março de 1961]. E esta última pergunta é aquela que acima de tudo perturba as Forças Armadas. Em reuniões do Conselho Superior Militar, presidido pelo ministro da Defesa, é sugerido que sejam esclarecidos os oficiais-generais e os comandos de unidades. Por um ou outro motivo, são fundas nos responsáveis supremos das Forças Armadas as preocupações pela sua coesão; e muitos, atentos à grande idade do chefe do governo, interrogam-se quanto ao futuro. De tudo, porém, uma consequência é nítida: no povo, nas classes dirigentes, nos meios militares, há o sentimento de perigos indefinidos, a ansiedade perante o dia de amanhã, uma psicose de alucinação colectiva perante o que se pensa ser um cerco e o que se julga ser uma derrocada iminente. Pelos últimos dias de Março, é promulgada legislação organizando o colégio eleitoral para eleição do presidente da República, como deliberado pela Assembleia Nacional.

Para Angola, rapidamente e em força.

Oliveira Salazar continua silencioso, e para o grande público parece como alheio a tudo. Mas está informado de todos os factos. E com sarcasmo de sangrar diz para o seus colaboradores mais íntimos: "Bem, no fundo acusam-me de eu ter perdido as eleições nos Estados Unidos e no Brasil".

Está a findar o mês de Março de 1961, e Salazar recebe os telegramas e relatos que Lopes Alves começa a enviar de Angola. Homem de viva inteligência, o ministro observou e compreendeu; e são de funda preocupação, e de quase alarme, as informações que remete. Salazar está sobretudo apreensivo com o futuro das relações com os Estados Unidos.

[Como o ministro da Saúde, Martins de Carvalho, houvesse sido convidado por Augusto de Castro para falar numa sessão comemorativa do Pacto do Atlântico, e tivesse consultado Salazar, este, numa carta em que se ocupa de outros assuntos, escreve depois: "Quanto ao Pacto do Atlântico: não me parece possível que um ministro fale sobre o assunto sem dizer alguma coisa sobre a contradição intrínseca da política americana. Suponho que a nova orientação que veio a público e cada vez mais se afirma, exigirá de nós uma revisão de atitude para com os Estados Unidos. Por ora nada se fez em público, mas espera-se fazer referência ao problema na sessão da OTAN em Paris. E depois veremos. As palavras que diga a esse respeito não responsabilizarão o Governo, senão de modo muito indirecto, mas devem ser preparadas de modo a não fechar nenhuma porta. Não convinha em todo o caso que o Chefe do Estado estivesse presente". De uma carta de 21-III-961. Há na carta um pequeno lapso de Salazar: a próxima sessão da OTAN não estava marcada para Paris mas para Oslo. Augusto de Castro presidia à Comissão Portuguesa do Atlântico, organismo privado (embora com ajuda oficial), destinado a apoiar junto da opinião pública o Pacto do Atlântico, o seu espírito de defesa, etc.].

Regressa também de Angola, entretanto, a missão militar chefiada por Beleza Ferraz. Este declara-se francamente optimista; pensa que em breve será restabelecida a paz; não parece emprestar importância à ligação internacional dos acontecimentos, nem ao contexto em que foram desencadeados; não os classifica de simples caso de ordem pública; mas não julga que imponham providências em vasta escala, e urgentes. Em discursos públicos, repete o presidente da República: "Se os outros mudaram, não é por culpa nossa. Temos de ter fé e forças para nos mantermos unidos até que eles mudem outra vez". E pela mesma altura o ministro da Defesa Nacional dirige ao presidente do Conselho uma longa carta.

Nesse documento, Botelho Moniz recolhe os pontos de vista que têm curso generalizado. Preocupa-o antes de mais, afirma o ministro, a "gravidade do actual momento político internacional", a que as Forças Armadas "não podem ser indiferentes". De todo o lado surgem dificuldades. Para clarear a situação, já apontou em conversas anteriores medidas pertinentes. Mas no momento em que se afirma estar próxima uma remodelação ministerial, julga indispensável sumariar tais medidas e expô-las ao presidente do Conselho. Há que definir "responsabilidades que poderiam representar o aniquilamento total ou a sobrevivência das forças armadas, uma vez que a acção política do Governo parecia incapaz de poder fazer face aos acontecimentos". Dia a dia, a situação tem-se agravado: "só um choque psicológico de envergadura poderá desanuviar o ambiente político nacional e o pesado clima internacional". Ao espírito do ministro é sombrio o quadro que se apresenta. Há que reforçar a unidade nacional. Há que alargar o "âmbito de cooperação ao maior número dos que, acima de tudo, querem servir o País, pondo de parte todas as razões que nos dividem, tornando-se assim necessário encontrar um vasto campo de entendimento comum que nos não separe por razões mesquinhas". É "muito estreito" o quadro político actual, estando confinado a "valores políticos gastos", e muitos não têm "idoneidade moral bastante que se imponha". Há decerto valores políticos suficientes para renovar "dentro da continuidade" o espírito que inspirou o 28 de Maio, hoje adulterado por oportunistas e interesseiros; e há que "chamar ao tablado político valores novos e outros, experimentados sim, mas indiferentes ou mesmo inconformistas por terem perdido a fé". Para essa renovação, e para que esta produza o choque psicológico indispensável, apenas uma mutação profunda de pessoas, de métodos, de orgânica e de saneamento poderia atingir o fim pretendido. "Eu sei", continua o general Botelho Moniz, "que poderosos interesses poderão entravar ou dificultar o desenvolvimento desta política preconizada, que é a única susceptível de melhorar as condições sociais do trabalho, elevando Portugal no conceito internacional, onde o baixo nível das classes rural, operária e média é motivo de censura frequentemente apontada". Advoga o ministro "adequadas medidas" para evitar que Portugal seja considerado um país onde as liberdades essenciais não existem; e "pequenas modificações, mais de aparência do que de forma", poderiam desfazer tal queixa. É "sentimento geral que a acção política da nossa diplomacia desde há muito se revela inadequada"; e no governo actual, como nos anteriores, verifica-se uma "descoordenação perigosa". No que respeita às Forças Armadas, acentua o general Botelho Moniz: "a situação destas é angustiosa e caminhamos para uma situação insustentável, onde poderemos ficar à mercê dum ataque frontal, com forças dispersas por quatro continentes, sem meios bastantes e com uma missão de suicídio da qual não seremos capazes de sair, uma vez que a política lhe não encontra solução nem parece capaz de a procurar". E o ministro da Defesa afirma o parecer concordante de outras entidades: do ministro do Exército, do chefe do Estado-Maior da Força Aérea. Conclui por formular votos por que se não desagregue a coesão das Forças Armadas.

Salazar e Américo Thomaz.

Paralelamente, Botelho Moniz tem reuniões com oficiais superiores. Convoca o Conselho Superior Militar. Comparecem o ministro e subsecretário de Estado do Exército, respectivamente Almeida Fernandes e Costa Gomes; dirigentes do Ministério do Exército; comandantes das Regiões Militares, governador militar de Lisboa, chefes dos Estados-Maiores; e comandantes-chefes da Guarda Republicana, Polícia de Segurança Pública, Guarda Fiscal. Kaúlza de Arriaga quer assistir; mas é impedido por Botelho Moniz. Em princípio, na reunião, trata-se de apreciar os acontecimentos de Angola, e de estudar e propor medidas para os enfrentar. Há divergências. Albuquerque de Freitas, da Força Aérea, discorda de Beleza Ferraz; e este, por seu turno, discorda de Câmara Pina, do Exército. É nítido um cuidado: defender a coesão das Forças Armadas. Mas no espírito de todos estão subjacentes perguntas de outra natureza: deverá manter-se o statu quo político? Como garantir o futuro do país? Através dos círculos militares, pelas unidades dispersas, não se atribui todavia à reunião um significado simplesmente militar: há o pressentimento de que tudo decorre num terreno político. E Botelho Moniz acentua este aspecto distribuindo aos oficiais cópias da carta que remetera a Oliveira Salazar. Em pouco, outras cópias circulam por todas as unidades, na Metrópole e no Ultramar.

Em Oliveira Salazar não causa surpresa a extensa carta de Moniz. Está na linha de um pensamento que já vem de trás, e a que o ministro parece cada vez mais aferrado: traduz a atmosfera criada pela propaganda anticolonialista, exprime um estado de espírito que reflecte os contactos assíduos do ministro com o embaixador dos Estados Unidos; e em alguns pormenores aponta, por outro lado, questões que, por serem aceites como verdades por muitos, constituem por isso realidades políticas que seria imprudente esquecer, ou menosprezar. E o chefe do governo sabe que, por entre o desalinho e primarismo da prosa e as frases vagas apreendidas à pressa, a carta reproduz o ânimo de alguns sectores da oficialidade. Salazar convoca o ministro da Defesa. Em 28 e 29 de Março de 1961, os dois homens conversam longamente. Por parte do chefe do governo, há o propósito de obter esclarecimentos: a carta do ministro descreve objectivos, não define políticas para os prosseguir. Por outro lado, Moniz estabelecia ligação entre problemas aparentemente desconexos, ou independentes: como faria o ministro a ligação de causa e efeito? E assim Oliveira Salazar formula numerosas perguntas. Como vê o ministro que um choque psicológico em Portugal, entre portugueses e para portugueses, desanuvie o pesado clima internacional e pare os debates nas Nações Unidas, modifique a política americana e suspenda os assaltos e morticínios terroristas? Como é que, sem abandono do Ultramar, se altera o ambiente externo? Que política preconiza exactamente? Como é que tal política eleva Portugal no conceito internacional? É pensamento do ministro que a agressão terrorista tem somente por objectivo corrigir injustiças, melhorar condições sociais, acabar com a censura, e que cessa se tudo isto for feito? E se Portugal se represtigiar, findam os ataques? Na ONU, a ofensiva tem o objectivo de expulsar Portugal de África, ou pretende apenas alargar o leque de recrutamento da classe política em Portugal? Os ataques aos territórios ultramarinos britânicos, belgas, franceses, tiveram origem no desprestígio da Inglaterra, Bélgica ou França, ou em situações sociais condenáveis que existissem nesses países, ou na falta de liberdades essenciais? Tendo territórios localizados em vários continentes, deve Portugal, para evitar a dispersão de forças, entregar esses territórios, ou só alguns? E quais? E se se entregarem uns territórios, em nome de que princípios se pode recusar a entrega dos restantes? Mas nenhuma destas interrogações encontra resposta clara por parte de Moniz. Este parece a Salazar como muito preocupado pela atitude americana, que receia acima de tudo e que, na essência, constitui para o ministro o factor decisivo de perturbação. E Moniz sustenta uma tese: não se deve abandonar o Ultramar: e apenas importa pintar a fachada com outra cor, imaginar uma qualquer construção que apazigue os afro-asiáticos e satisfaça os Estados Unidos. Salazar pergunta a Moniz se pensa que os Estados Unidos, e os afro-asiáticos, e o bloco comunista, ficavam persuadidos de que possuem a realidade das coisas quando lhes fosse entregue apenas a aparência das coisas. E em torno deste ponto não se estabelece entendimento entre os dois homens.

Salazar assume a pasta da Defesa Nacional.

Oliveira Salazar finda as entrevistas com o ministro nos melhores termos: pensará, ponderará o teor da carta. De momento, todavia, não lhe dará resposta escrita. Entra o fim-de-semana de Páscoa. Botelho Moniz dá conta destas conversas a Elbrick, e declara que Salazar foi muito cortês; mas não adivinha que decisão será a do chefe do governo. Depois, o ministro toma uns dias de descanso, parte para o Algarve. Mas para se orientar melhor, e por sugestão que fora feita pelo ministro da Defesa, Salazar decide convocar o Conselho Superior de Defesa Nacional. Na ausência do ministro do Ultramar, participa Adriano Moreira, subsecretário da Administração Ultramarina; e o subsecretário do Exército, Costa Gomes; o subsecretário da Aeronáutica, Kaúlza de Arriaga; o chefe do Estado-Maior-General; e os chefes do Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas. Estão ausentes de Lisboa, além do da Defesa, os ministros do Exército e da Marinha, o primeiro em Fátima, o segundo em França. E na reunião os chefes militares mostram-se concordes num parecer: do ponto de vista militar, a situação no Norte de Angola poderia ter-se como resolvida e cabiam apenas operações de limpeza e policiamento. Depois, de harmonia com planos anteriores, o chefe do Estado-Maior-General, Beleza Ferraz, e o do Estado-Maior da Força Aérea, Albuquerque de Freitas, partem para os Estados Unidos. Por si, sem o dizer em conselho, Oliveira Salazar dá mais fé ao parecer de Lopes Alves do que ao dos responsáveis militares.

[...] Nestes primeiros dias de Abril de 1961, precisamente enquanto decorrem as visitas de Murville e de Arinos, intensifica-se a actividade dos altos responsáveis militares. Em oficiais de patente elevada, alguns exercendo comandos de vulto, tornava-se à ideia fixa: os acontecimentos do Norte de Angola são consequência de uma só causa, e esta seria a exploração económica, a injustiça social, a ganância praticada por alguns homens da Metrópole. Nas regiões militares, através do país, efectuam-se também reuniões, com a presença de comandantes de unidades. Nos debates travados, são decerto mencionados os acontecimentos do Norte de Angola; mas alguns oficiais vão muito além e manifestam a sua preocupação com o momento político, a crise que se desencadeou, o papel das Forças Armadas, o futuro do país; e fica posto o problema da capacidade política do presidente do Conselho para dominar os problemas, e resolvê-los. Há unanimidade quanto à vantagem de manter a coesão das Forças Armadas; e opiniões mais radicais expressas por alguns ou opções mais violentas sugeridas por outros não recolhem apoio generalizado. Retiram os oficiais responsáveis, no entanto, uma conclusão: de um plano estritamente militar, tudo está transferido para um plano político. Com o progresso das reuniões, e sua repetição, alguns oficiais põem com nitidez o problema: deve ser mantido ou afastado o chefe do governo? Deve essa imposição, se for resolvido o afastamento, ser feita ao presidente da República? Se este se não conformar, deve ser também afastado? Em 10 de Abril de 1961, o general Silva Domingues, governador militar de Lisboa, está reunido com os seus subordinados, e é claramente posto o problema da substituição de Oliveira Salazar. Em sua casa, Botelho Moniz tem tido conversas com Arnaldo Schultz, ministro do Interior, e este parece assumir uma atitude que o ministro da Defesa considera ambígua. Almeida Fernandes procura Schultz também, e colhe a mesma impressão perante a sua recusa de um esclarecimento. Almeida Fernandes sugere que se solicite nova entrevista ao presidente da República, e o pedido é apresentado em Belém. De 10 para 11 de Abril, correm já abertamente nos meios políticos os ecos do que se está passando. Alarma-se a própria oposição liberal; e alguns, como Lopes de Oliveira e Alberto Madureira, querem fundar um movimento para apoiar incondicionalmente a defesa da integridade territorial da nação. Amigos pessoais e políticos do chefe do governo acorrem pressurosos e assustados: é José Nosolini, que possui fragmentos de notícias sem sentido definido; é Soares da Fonseca, que parece a par de tudo; é Costa Leite, que não oculta o seu abatimento; é Trigo de Negreiros, que se mostra desesperado; e é Albino dos Reis, que recomenda acção pronta. Ao gabinete de Kaúlza de Arriaga afluem telefonemas com informações: Santos Costa parece ao corrente da reunião do governador militar e confirma que este pôs o problema da saída compulsiva do presidente do Conselho. Por seu lado, já durante o dia 11, Arriaga avista-se com Almeida Fernandes, e da conversa o subsecretário da Aeronáutica conclui: o ministro do Exército vai solicitar informações precisas do governador militar de Lisboa; o ministro da Defesa está sob forte emoção, alternadamente deprimido ou excitado; se Botelho Moniz tentasse um golpe de força, Almeida Fernandes não o acompanharia; se esse golpe de força fosse desencadeado, Fernandes espera que o Exército lhe obedeça, mas não o pode garantir. Arriaga declara entender que a nova instância a praticar em Belém se destina a apressar a remodelação ministerial, em que tanto se fala, e não a exigir a demissão do presidente do Conselho; mas nesse caso deveria então ser feita junto do chefe do governo a diligência. Preferia realizá-la junto do presidente da República, conclui o ministro. Durante algumas horas, Câmara Pina faz sondagens telefónicas junto das principais unidades dispersas pelo país, e recolhe a convicção de que na sua maioria não estão com Botelho Moniz. Depois, sabe-se que está de prevenção o Exército; Américo Thomaz envia o chefe da sua Casa Militar, general Humberto Pais, a sugerir a Arriaga que proceda de igual modo quanto à Força Aérea; e o subsecretário toma desde logo essa decisão, e executa-a, no que é firmemente apoiado por Adriano Moreira e Correia de Oliveira. Arriaga apura também em conversa com Shultz que este se encontra ao lado do governo, ao mesmo tempo que afirma responder pela Guarda Republicana e pela Polícia de Segurança Pública. Entretanto, pela meia tarde do dia 11, o presidente da República responde ao pedido da audiência dos dois ministros, e marca-lhes as 16 horas do dia 12 de Abril. Botelho Moniz e Almeida Fernandes insistem por audiência urgente. Américo Thomaz fixa as vinte e três horas e trinta do dia 11. Mas então o presidente da República resolve convocar Oliveira Salazar para a sua residência do Restelo. Quer informar o chefe do governo de todos os pormenores, reiterar-lhe a sua confiança, explicar-lhe antecipadamente os motivos da audiência que vai conceder a Moniz, e avisá-lo da atitude de firmeza que se propõe assumir perante o que prevê serem as exigências do ministro da Defesa; e pretende por último acentuar a necessidade de acção rápida e drástica nos dias, mesmo nas horas que se seguem.

Na sua residência oficial a S. Bento, o chefe do governo parece longínquo, fora de tudo, não apenas só mas solitário, alheio ao que decorre pelo exterior, muito sereno, senhor de si, além dos homens e dos acontecimentos: não faz nada, não dá um passo, espera não se sabe o quê, tem na sua frente a eternidade. Naquele fim de tarde, Salazar encontra-se com Luís Supico Pinto, e nos dois cadeirões frente a frente os dois homens praticam da crise que ruge pelo exterior. Muito naturalmente, Salazar diz a Luís Supico: "Perante os manejos em curso de alguns militares, ainda não me disse nada o Chefe do Estado, não sei que decisão tomará". E acrescenta: "Por mim estou incerto quando a um ponto: não sei se voltarei para Coimbra ou se irei para Santa Comba". Mas mais uma vez soa o telefone: Salazar atende pessoalmente: é o presidente da República que lhe pede para ir com urgência ao Restelo: Salazar levanta-se, e com Luís Supico dirige-se para a saída. Puxa do bolso o relógio, diz para Supico: "Ir, a conversa, voltar... Olhe, se quer saber novidades telefone-me entre as nove e as dez horas". E toma o automóvel para o Restelo. Na residência particular do presidente da República, este transmite ao chefe do governo as últimas informações, e não lhe oculta a sua convicção de que Botelho Moniz prepara um golpe de Estado se não for afastado Salazar; mas, como Thomaz não tem essa intenção e, pelo contrário, ali reitera a sua confiança política ao chefe do governo, há que actuar com presteza para atalhar as intenções de Moniz e seus partidários. Regressa Salazar à Rua da Imprensa. Pelas dez horas da noite telefona Luís Supico, ávido de notícias. Diz-lhe o chefe do governo: "Sim, lá estive no Restelo. Pois, meu caro senhor, parece que tenho de continuar...".

Mas chegam as horas da audiência aos ministros. Antes da meia-noite, apresentam-se Botelho Moniz e Almeida Fernandes. Moniz vem armado; e inicia a sua exposição. No interesse nacional, afirma o ministro da Defesa, impõe-se a demissão do chefe do governo; e esse é o sentir, se não unânime, pelo menos da esmagadora maioria das Forças Armadas, além de corresponder aos desejos da opinião pública. Almeida Fernandes, no entanto, não corrobora as palavras de Moniz neste particular; e já assim o fizera saber ao presidente. Thomaz invoca por isso o próprio testemunho de Fernandes para contrariar Botelho Moniz; e os dois ministros travam-se de razões enquanto no gabinete do chefe do Estado. Américo Thomaz escuta atentamente a desavença entre ambos. Diz depois: as suas informações não coincidem com as do ministro da Defesa; era seu dever ouvir sempre os juízos e os pareceres dos homens responsáveis, como é o caso; e ia reflectir sobre quanto lhe fora dito. Saem os dois ministros, são as primeiras horas da madrugada do dia 12 de Abril de 1961.

Botelho Moniz

Neste dia, pela manhã, e conforme há muito planeado, o presidente da República visita a Manutenção Militar. É recebido pelo ministro do Exército. São percorridas as instalações. Depois, há um almoço. Fernandes brinda pelo presidente; este saúda o ministro e a instituição. Nos dois homens, para os observadores, há a habitual afabilidade de trato e galhardia de procedimento. Pouco após, pela tarde, Moniz recebe do presidente da República uma carta breve, em termos sóbrios. Diz Américo Thomaz: ponderara como era seu dever, e angustiadamente, o que lhe haviam exposto os ministros, e também outras informações; no interesse do país, não pode demorar mais uma decisão; e por isso "resolvi reiterar a minha confiança no Senhor Presidente do Conselho". E termina Thomaz: "creio bem que Vossa Excelência desejará, também, que Deus me tenha inspirado a melhor solução". A essa hora, Moniz convoca para o seu gabinete na Defesa Nacional o subsecretário da Aeronáutica, Kaulza de Arriaga. Almeida Fernandes está presente. Moniz pergunta se a Força Aérea está de prevenção, e de quem emanara a ordem. Arriaga responde afirmativamente, e esclarece que era sua a ordem. Moniz manda Arriaga sair do seu gabinete. Já de pé, os dois homens trocam palavras de uma violência e de uma descortesia próprias de quem perdeu o domínio dos nervos. Arriaga dirige-se a Belém, e relata ao presidente da República o episódio. Nesse momento, chega um pedido de audiência urgente por parte de Botelho Moniz. Recusa-se o presidente.

Despende Salazar horas e horas do dia 12 de Abril em conversas com os seus colaboradores políticos e pelas dez da noite chama com urgência Costa Leite, homem de confiança e fidelidade. Refere-lhe em síntese a situação. Informa-o de que na remodelação ministerial decidira tomar a Defesa Nacional, e este facto supõe a exoneração de Beleza Ferraz do seu cargo. E sendo ele, Salazar, um civil, impõe-se que o substituto de Ferraz, que será no plano operacional o ministro efectivo, seja um oficial de superior categoria, e de prestígio militar indiscutível entre os seus pares. Para este efeito, Oliveira Salazar pensara em Gomes de Araújo, homem de personalidade vigorosa, competência profissional reconhecida por todos, carácter leal, talvez de excessiva susceptibilidade e de temperamento acaso difícil. [Recorde-se que Manuel Gomes de Araújo foi subsecretário da Guerra, com Santos Costa, entre 6-9-44 e 4-2-47, e depois ministro das Comunicações desde esta última data até 14-8-58]. Está Costa Leite disposto a deslocar-se imediatamente a casa de Gomes de Araújo, expor a situação, e fazer o convite em nome de Salazar? Pelas 11 horas da noite, Araújo havia aceite desempenhar as funções de chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas. E que nomes são possíveis para os cargos de ministro do Exército e de subsecretário de Estado do Exército? E para outras chefias e comandos militares? São ventilados os nomes do brigadeiro Mário Silva e do tenente-coronel Jaime da Fonseca para os cargos de ministro e de subsecretário. E enquanto decorre esta conversa em casa de Gomes de Araújo, Salazar recebe Quintanilha Dias, ministro da Marinha, que acaba de regressar de França. Expõe-lhe a delicadeza do momento. Quintanilha precipita-se a casa do almirante Sousa Uva, chefe do Estado-Maior da Armada, e depois seguem ambos para o Ministério da Marinha. Poucos momentos passados, a Marinha de Guerra entra em prevenção rigorosa. Está de volta Costa Leite à residência de Salazar, comunica que Araújo aceita o convite; e é decidido convidar ao outro dia Mário Silva e Jaime da Fonseca. Entretanto, estando também prevista a exoneração de Vasco Lopes Alves, por fortes e sérios motivos de saúde, Salazar oferece a pasta do Ultramar a Adriano Moreira, que tem desempenhado com brilho e dedicação política as funções de subsecretário; e aquele aceita. Nesta altura, Botelho Moniz está a dar ordens à Escola Prática de Infantaria, em Mafra, para fazer avançar sobre Lisboa dois batalhões operacionais. E como a noite de 12 para 13 de Abril está serena e tépida, Salazar, antes de se deitar, resolve descer ao parque da residência, e entrega-se a um longo, lento passeio, para lá e para cá.

Em 13 de Abril, pela manhã, Salazar expede duas cartas. Destina-se a primeira ao general Botelho Moniz: "É a segunda vez", escreve o chefe do governo, "que com pesar meu nos vemos obrigados a interromper a nossa colaboração no governo; mas os factos dos últimos dias não parece poderem levar a outra conclusão. Não desejo agora discutir as ideias de V. Ex.ª quanto a certos problemas; sabe que com muitas concordei. O Chefe de Estado porém encarregou-me de remodelar o governo e de continuar à sua frente. [Salazar tinha escrito após continuar as palavras "por algum tempo mais", que riscou]. Depois da conversa havida com o Senhor Presidente da República, da parte de V. Ex.ª e do Senhor Ministro do Exército, não há dignamente outra solução do que propor a exoneração de V. Ex.ª e do Col. Almeida Fernandes. Eu farei durante algum tempo o sacrifício de tomar conta da Defesa N.al no que espero todos me auxiliem, sobretudo no que respeita a Angola, único problema que no momento me interessa e aflige. Aproveito a oportunidade de agradecer a V. Ex.ª a sua prestante colaboração e atenções pessoais. Com toda a consideração, mtt. att. V.or e grato, Ol. Salazar. 13-4-61". Análoga na substância, é de teor diferente a carta para Almeida Fernandes, e talvez mais incisiva. Diz: "O Senhor Presidente da República entendeu não dever adoptar a sugestão apresentada pelo Sr. M.º da Defesa e por V. Ex.ª para a substituição do Ministério e encarregou-me de remodelar o actual Governo sob a minha presidência. É o que farei para obedecer às ordens do Chefe de Estado; parece-me porém que, dados os factos recentemente verificados e as conversações havidas com o Chefe de Estado, é impossível não propor a substituição de V. Ex.ª neste momento. Não queria oficializar o caso sem lhe dar esta satisfação e sem lhe agradecer a colaboração que teve a bondade de prestar-me no Governo. Como, segundo as nossas leis, o subsecretário acompanha o Ministro na exoneração, eu pedia a V. Ex.ª o favor de comunicar ao Coronel Costa Gomes este facto e transmitir-lhe da minha parte os agradecimentos que lhe devo pelos esforços realizados no subsecretariado quanto ao Ultramar e o apreço em que fiquei tendo o seu trabalho. Com toda a consideração de V. Ex.ª mtt. att. V.or e grato, Ol. Salazar. 13-4-61". [Estes dois textos constituem a transcrição rigorosa do manuscrito-rascunho do punho de Salazar. Talvez com variantes, não são documentos inéditos. Mas penso que a sua transcrição na íntegra se impunha nesta biografia]. E depois o chefe do governo completa o "expediente da crise": são lavrados os diplomas que exoneram Botelho Moniz, Almeida Fernandes, Costa Gomes, Vasco Lopes Alves, e os que nomeiam o presidente do Conselho para a gestão da Defesa Nacional, Mário Silva, para o Exército, Jaime da Fonseca para o subsecretariado da mesma pasta, Adriano Moreira para o Ultramar, Costa Freitas para o subsecretariado da Administração Ultramarina. Amaro da Costa é confirmado como subsecretário do Fomento Ultramarino. Por último, é assinado o diploma que exonera Beleza Ferraz e designa Gomes de Araújo para as funções de chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas.

Também naquela manhã dia 13 de Abril chega a Lisboa, vindo dos Estados Unidos, o general Albuquerque de Freitas, chefe do Estado-Maior da Força Aérea. Viera por ordem de Botelho Moniz, dada na sua qualidade de ministro da Defesa. Mas Arriaga envia ao aeroporto os generais Mira Delgado e Francisco Chagas, e estes comunicam a Albuquerque de Freitas que o subsecretário da Aeronáutica deseja vê-lo imediatamente. Declina Freitas a instância, e afirma que, tendo sido chamado pelo ministro da Defesa, com este se avistará em primeira mão. Desloca-se a casa do general Botelho Moniz, que lhe refere os episódios dos últimos dias e reitera a sua posição política quanto à demissão de Salazar. Depois, Freitas comparece então no gabinete do seu subsecretário de Estado; é homem leal e de inteireza; e informa Arriaga de que, às cinco horas da tarde e no Departamento de Defesa Nacional, haverá uma reunião, convocada e presidida por Botelho Moniz, para ser decidida, em forma final, a manutenção ou a demissão de Oliveira Salazar, e a estratégia militar a ser seguida num caso e no outro. Entretanto, sabe-se por Lisboa, em meios políticos restritos, a notícia de que Moniz, para o caso de ser obtida a demissão de Salazar, conta com a conivência e a cooperação de Marcello Caetano; mas este apenas passaria a intervir publicamente quando triunfante o golpe militar. De posse da informação de Freitas, o subsecretário da Aeronáutica comunica-a a Belém e a S. Bento, e acrescenta que importa actuar antes das cinco da tarde. Por intermédio de Soares da Fonseca, tanto o presidente da República como o chefe do governo estão já a par dos planos de Botelho Moniz.

Salazar e Mário de Figueiredo.

Com o chefe do governo encontra-se Mário de Figueiredo, seu amigo de há cinquenta anos, desde os tempos do Seminário de Viseu. Figueiredo está indignado, e quase desvairado; e ajuda a uma última demão nos textos preparados. E então pelo início da tarde, a Emissora Nacional suspende os seus programas e comunica que estão no Diário do Governo os decretos exonerando os ministros militares, e do Ultramar, e fazendo as novas nomeações. Pouco depois, pela rádio e pela televisão, Oliveira Salazar fala aos portugueses. É curto, incisivo: "Se é precisa uma explicação para o facto de assumir a pasta da Defesa Nacional mesmo antes da remodelação do Governo que se verificará a seguir, a explicação pode concretizar-se numa palavra, e essa é Angola. Pareceu que a concentração de poderes da Presidência do Conselho e da Defesa Nacional, bem como a alteração de alguns postos noutros sectores das forças armadas, facilitaria e abreviaria as providências para a defesa eficaz da Província e a garantia da vida, do trabalho e do sossego das populações. Andar rapidamente e em força é o objectivo que vai pôr à prova a nossa capacidade de decisão. Como um só dia pode poupar sacrifícios e vidas, é necessário não desperdiçar desse dia uma só hora, para que Portugal faça todo o esforço que lhe é exigido a fim de defender Angola e com ela a integridade da Nação". Enquanto o povo português é confrontado com a decisão do chefe do governo, assume as funções de chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas o general Gomes de Araújo. Este é homem firme, e de prestígio, e com autoridade natural, e actua rapidamente. Entra em contacto com outros responsáveis das Forças Armadas, e comandos das regiões militares, e a todos informa do novo estado de coisas; e a todos determina que não compareçam na reunião das cinco horas na Defesa Nacional. Por seu turno, Quintanilha Dias proíbe também a todos os chefes da Armada a sua presença. Pelas cinco da tarde, no Palacete da Cova da Moura [Sede do Departamento da Defesa Nacional], encontra-se ainda Botelho Moniz, acompanhado de Almeida Fernandes e Costa Gomes. Chegam alguns oficiais: o general Silva Domingues, governador militar de Lisboa; o general Valadas Tavares, comandante da 1.ª Região Militar, com Quartel-General no Porto; o general Meira e Cruz e o brigadeiro Pires Barata, primeiro e segundo comandantes da 2.ª Região Militar com sede em Tomar; e ainda alguns oficiais com altos postos na administração do Exército, além dos oficiais do gabinete de Botelho Moniz. Comparece também, trajando civilmente, o antigo presidente da República, marechal Craveiro Lopes [segundo testemunhas idóneas, Craveiro Lopes transportava numa mala o seu uniforme, para se fardar após o triunfo do golpe de Estado]. E surge o general Albuquerque de Freitas, em exercício das suas funções de chefe do Estado-Maior da Força Aérea. Freitas fala aos presentes: dentro da legalidade, o general Botelho Moniz já não é ministro da Defesa, os coronéis Almeida Fernandes e Costa Gomes também já não são membros do governo; o novo chefe do Estado-Maior-General já tomou as suas providências; não é possível contar com o Estado-Maior do Exército nem com o da Armada; nem tão-pouco com qualquer oficial-general da Força Aérea, salvo ele próprio, Albuquerque de Freitas; não é possível contar com a maioria das unidades; estão firmemente ao lado do Governo as corporações militarizadas; nenhuns outros chefes militares vão comparecer na reunião; se se quiser prosseguir no projecto que ali os juntou, haverá que usar a força; essa decisão está para além de todos os planos; se tomada, seria de resultados mais que duvidosos; perderam-se quarenta e oito horas, que o governo soube aproveitar; e por isso, sem embargo de pessoalmente ter assumido atitude ao lado dos ministros demitidos, entende que "é de renunciar", pois não se pretendia um acto de força mas uma ameaça tão esmagadora que por si seria bastante, e isso já não era possível. De Mafra chega uma notícia: o coronel Caeiro Carrasco atalhara e frustrara a vinda dos dois batalhões sobre Lisboa. Botelho Moniz parecia esperar a adesão maciça dos chefes militares; e é abatido pelo desalento, pela frustração, quando verifica o contrário. Estava finda a tentativa. Separam-se os que se haviam congregado para derrubar o chefe do governo. E ao fim da tarde o general Albuquerque de Freitas entrega na Presidência do Conselho um requerimento, dirigido ao novo ministro da Defesa, pedindo a sua passagem à situação de reserva. Depois Salazar recebe o subsecretário de Estado da Aeronáutica: é resolvido deferir o requerimento de Freitas. E perante o aspecto fatigado de Arriaga, comenta para este: "É natural, os Senhores andam para aí em conspirações".

Cai a noite. Salazar está só outra vez. Aparecem Maria Lívia e José Nosolini, que vêm ansiosos por notícias. Convida-os o chefe do governo para jantar. Descem os três ao parque da residência. Nosolini pergunta se Botelho Moniz e os que o seguem, apesar de demitidos, não poderão ainda tentar qualquer coisa. Responde Oliveira Salazar: "Sim, podem decerto. Mas se o fizerem vão ter dificuldades, vão ter dificuldades". E repete por entre as sombras do parque: "Vão ter dificuldades"».

Franco Nogueira («Salazar. A Resistência - 1958-1964», V).

sábado, 10 de maio de 2025

Portugal Assassinado Pela Cambada Dita Democrática.

 



«Ao contrário das esperanças de alguns, não se começou vida nova, mas rasgou-se um véu que encobre uma realidade insuportável. Para começar, escreveu-se na nossa história uma página ignominiosa de cobardia e irresponsabilidade, página que, se não for resgatada, anula, por si só todo o heroísmo e altura moral que possa ter havido noutros momentos da nossa história e que nos classifica como um bando de rufias indignos do nome de nação. Está escrita e não pode ser arrancada do livro. É preciso lê-la com lágrimas de raiva e tirar dela as conclusões, por mais que nos custe. Começa por aí o nosso resgate. Portugal está hipotecado por esse débito moral, enquanto não demonstrar que não é aquilo que o 25 de Abril revelou. As nossas dificuldades presentes, que vão agravar-se no futuro próximo, merecemo-las, moralmente. Mas elas são uma prova e uma oportunidade. Se formos capazes do sacrifício necessário para as superar, então poderemos considerar-nos desipotecados e dignos do nome de povo livre e de nação independente».
António José Saraiva («O 25 de Abril e a História»).


quarta-feira, 8 de janeiro de 2025

Eça, sempre presente.

 


Lembrar o Eça neste dia em Lisboa ...
EM QUE O EÇA, SOB UM VIOLENTO DESARRANJO INTESTINAL, SE METE A ENALTECER D. JOÃO VI E A DEITAR AS CULPAS PARA A REVOLUÇÃO FRANCESA.
Meu querido Oliveira Martins
Estive ontem bastante incomodado; estou agora à espera do meu doutor; e não creio que possa ainda hoje fazer essa peregrinação de amizade a Santo Antero e ao bom Lobo.
Pois apetecia-me bem esse passeio.
Estou aborrecido com a persistência deste incómodo e indignado por ter descoberto que a sua causa está nestas comidas de Hotel feitas à francesa.
Sempre a França, e a reles tradução que dela fazemos!
Tudo isto se deve à revolução de 89; e eu agora sempre que me dirijo ao "water-closet", de calças na mão, vou rosnando as piores pragas contra os Enciclopedistas!
Quando voltará este desventuroso País à sua tradição que é O SENHOR D. JOÃO VI, o padre, o arrieiro, o belo caldo de galinha, o rico assado de espeto, e o patriótico arroz de forno!
Mas não! Querem ser liberais, filósofos, franceses, polidos, ligeiros...
Consequência: o País como tu sabes, e eu com soltura há oito dias. Irra!
Vê se me mandas outro Friedlaender ( que trate do luxo, e das belas-artes, etc.).
E se fores à Póvoa, dá um grande abraço a querido Antero e a velho amigo Lobo.
Teu do c. Queiroz...

Oito anos depois de alguém que não deixou saudade.

 



Manifesto do desagrado, ou melhor, o manifesto da revolta.
Meus caros amigos como hoje foi o dia em que foi anunciada a morte de um dos maiores facínoras que este país viu nascer e me revolta e me dá vómitos a forma como um crápula deste calibre é tratado pela pela classe política, pela comunicação social e pior que tudo, por grande parte daqueles que por ele foram de alguma forma roubados, espoliados ou prejudicados.
Sei que é politicamente incorrecto o regozijo com a morte de quem quer que seja, mas num caso destes creio ser desculpável, pois uma vil figura responsável pela miséria de alguns povos condenando-os à morte não merece um pingo de comiseração, basta ver a miséria promovida pela busca de benefícios e riqueza pessoal servindo-se de todos os meios inclusivamente promovendo genocídio contra vários povos, indesculpável, inumano e diabólico!!!
Sim diabólico, pois quem milita em seitas satânicas não pode ser gente de bem, quando os interesses dessas mesmas seitas se sobrepõem aos ideais humanos está tudo dito, será que este mundo está irremediavelmente perdido e todos teremos que prestar vassalagem a este domínio diabólico que dá pelo nome de maçonaria, uma instituição que minou todo o sistema na senda de nos tornar meros elementos produtivos, autenticas máquinas desprovidas de vida social, familiar, sentimentos, crenças religiosas, enfim sem sequer termos direito a uma capacidade que nos diferencia de todos os outros seres, a capacidade de raciocínio, seremos num futuro próximo apenas meros autómatos, meros carneiros à espera de sacrifício.
Uma bela sociedade sem sentimentos, sem ligações, sem relações verdadeiramente humanas, enfim uma sociedade sem valores e totalmente desumanizada, será isto que queremos para os nossos filhos e netos? Não creio que haja um só ser humano que tenha como objectivo ver os seus descendentes aferrolhados e acorrentados impedidos de pensar pelas suas próprias cabeças, em suma impedidos de serem felizes, impedidos de viver as suas vidas de forma verdadeira, uma vida que respeite a hierarquia natural, ou seja, onde há valores que passam de avós para os pais, dos pais para os filhos e por aí em diante.
Como será um futuro em que os pais sejam meros procriadores, meros pais biológicos, pais que não interferirão na educação dos seus próprios filhos deixando de parte a vida familiar promovendo assim uma sub-vida, uma vida de autómatos, uma vida em que todos serão formatados para executar uma determinada tarefa, nada mais, chamo a isto o sistematizar da raça humana, ou seja o tornar da raça humana apenas meros instrumentos de trabalho.
Sim é para uma situação dessas que nos encaminhamos se nada for feito de imediato, prepara-se um governo mundial, uma redução drástica da população mundial, segundo os entendidos está em curso uma campanha que pretende limitar a 500 milhões a população do planeta, como sabem somos neste momento 7 mil milhões de almas, o que estarão a preparar para essa diminuição a nível mundial, já pensaram nisso?, reparem no drama humano que se passa em África, um espectáculo deplorável de fome, doenças, e seres no limite da sobrevivência, vivendo não uma vida, mas vivendo uma morte vivos, será isto um mundo avançado, terá sido este o mundo pensado pelos nossos antepassados, não creio, nada disto tem nada a ver com os ideais de uma verdadeira sociedade onde o homem é na realidade o centro do universo, em que nos enriquece esta miserável forma de ser e estar, sinceramente em nada na minha opinião!
Meus amigos, não me considerando o apóstolo da desgraça, espero que não me chamem louco, ou alienado, nunca me senti tão atento, tão lúcido, tão activo intelectualmente, pensem bem no que pretendem, não olhem apenas para o dia de hoje, não olhem apenas para o vosso umbigo, pensem nas atrocidades que se cometeram e vão continuar a cometer em nome de uma sociedade avançada, será essa sociedade que pretendem?, para mim não, e penso que para vós também não, acordem, desliguem das drogas que vos alienam da vida verdadeira da vida humana, ajam como seres pensantes, não se deixem dominar, reajam, vão à luta!
Vamos à luta, juntem-se, unam esforços e lutem por uma sociedade verdadeira.
Alexandre Santos
8 de Janeiro de 2017

O despoletar da "Guerra Colonial".

  «[...] a 16 de Fevereiro de 1961, entra em Lisboa o  Santa Maria . Há pela cidade, e até pelo país, uma atmosfera de alívio, de contentame...