segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Salazar - Uma Palavra Sobre Angola.

 





Uma palavra sobre Angola. Estamos sendo vítimas ali de ataques que a princípio pretenderam acobertar-se sob a capa de sublevação das populações ansiosas por não continuarem integradas na Nação Portuguesa. O entusiasmo dos libertadores africanos porém não permitiu ocultar senão por pouco tempo a sua intervenção no recrutamento, financiamento e treino de elementos estrangeiros que através de Estados limítrofes penetram em Angola. De modo que hoje não pode já afirmar-se que há ali uma revolta de carácter mais ou menos nacionalista, mas que uma guerra é conduzida por vários Estados contra Portugal, num dos seus territórios ultramarinos. Ora, duas coisas se devem ter por certas: a primeira é que, ao atacar-se Angola, não se ataca só Portugal, mas se está pretendendo enfraquecer as posições, e não só estratégicas, de todo o mundo ocidental; a segunda é que os que atacam, os que apoiam, os que ajudam com a sua indiferença, estão a agir contra os verdadeiros interesses das populações de Angola, só com retardar-lhes o desenvolvimento pacífico e com levar ali a semente do antagonismo racial que não existia e é hoje, pelo que acima disse, o principal obstáculo ao progresso e bem-estar do continente africano.

Oliveira Salazar («Realidades da Política Portuguesa»).

sábado, 6 de dezembro de 2025

O Assassinato de Amílcar Cabral, a Verdade.

 

Amilcar Cabral


«No dia nove de Janeiro de 1976 podia ler-se no semanário "O Jornal" uma reportagem destinada a criar sensação no grande público. Três páginas compactas ajudavam a manter o complexo de culpa no povo português desencadeado pela estratégica do PCP. As grandes linhas mestras de todo o processo post-25 de Abril pareciam assentar na psicanálise. Não bastava culpar toda uma população pela guerra colonial: era necessário emocioná-la com pormenores chocantes para a alma cristã dos portugueses. Noticiar um desastre de comboio no qual morreram 50 pessoas, é uma coisa que impressiona, que torna as pessoas pensativas e, quiçá, revoltadas contra uns vagos técnicos responsáveis pela segurança dos caminhos-de-ferro. Mas se essa mesma notícia vier acompanhada de uma fotografia mostrando uma criança contorcida nos ferros quebrados, esmagada debaixo da sucata e a mãe chorando diante do espectáculo macabro, então as pessoas perdem a serenidade e o melhor que os técnicos responsáveis têm a fazer é não aparecer em público durante algum tempo.


Ronald Reagan e Sékou Touré

Da guerra colonial faltava o pormenor chocante, revoltante, que fazia transbordar a cólera dos portugueses: o assassinato de um líder respeitado. Foi assim que, naquele dia nove, o "Jornal" anunciava em grandes títulos: "Como Lisboa planeou a morte de Amílcar Cabral!..."

A reportagem abria da seguinte forma: "Completam-se, no dia 20 de Janeiro, três anos sobre a data em que Amílcar Cabral, o grande dirigente africano que fundou o PAIGC, morreu assassinado, no decurso de um golpe levado a cabo por alguns traidores desse partido, sob a direcção dos governantes fascistas portugueses".

Mais adiante o semanário transcreve do Livro Branco que o PAIGC preparou sobre o crime, a seguinte passagem: "No dia 20 de Janeiro do corrente (1973) os criminosos colonialistas portugueses conseguiram levar a cabo o mais crapuloso crime contra o nosso povo. O assassinato do nosso secretário-geral Amílcar Cabral é, sem dúvida alguma, o maior golpe que o inimigo desfechou desde a fundação do nosso partido.

Como se sabe, nesse dia, agentes inimigos, infiltrados de colaboração com certos elementos do nosso partido, corrompidos e frustrados nas suas ambições, perpetraram esse odioso crime que veio a juntar-se à enorme lista de barbaridades e massacres que o desacreditado exército colonial e fascista português pratica quotidiamente contra as nossas populações indefesas.

Com efeito, cerca das 22 e 30 desse dia, um grupo de traidores africanos devia pôr em execução o criminoso plano longamente preparado pelas autoridades de Lisboa para eliminação fisica do nosso secretário-geral e a destruição do nosso glorioso partido.

Cabral acabava de regressar de um jantar na Embaixada da Polónia. A maioria dos militantes, dirigentes e responsáveis presentes em Conacry encontrava-se na nossa escola-piloto de Ratoma, onde o camarada Chissano, membro da Comité Executivo da Frelimo, de passagem em Conacry, fazia uma conferência aos nossos quadros sobre o desenvolvimento da luta em Moçambique.





No secretariado, encontrava-se apenas o secretário-geral adjunto, camarada Aristides Pereira, em companhia de três camaradas, todos mobilizados pelos traidores, assim como os restantes guardas do secretariado.

Logo à chegada do secretário-geral, os traidores, encobertos pela noite, puderam assim dirigir-se, sem serem incomodados para o carro, em vias de estacionamento à porta da garagem. A bordo encontravam-se apenas Cabral e a sua esposa, ambos desarmados. Após uma tentativa infrutífera de rapto, o criminoso Inocêncio Kani disparou cobardemente um tiro de pistola que devia arrebatar à vida a esperança de todos aqueles que na África e no Mundo lutam contra a opressão colonial e para uma vida melhor de paz e de progresso.

Não satisfeito com o monstruoso acto que acabara de praticar, o renegado Kani ordenou aos seus cúmplices que concluíssem a obra destrutiva que ele próprio havia iniciado. Imediatamente, uma rajada de AK disparada por um dos guardas pôs termo à vida do nosso secretário-geral".

Estranhamente o Livro Branco não fala mais na mulher de Amílcar Cabral... Os assassinos não a mataram. Deixaram uma testemunha? Os executantes de operações deste género não costumam cometer erros tão elementares. Recordemos o assassinato do general Humberto Delgado: a sua secretária brasileira, Arajarir, foi igualmente morta para que, obviamente, não pudesse testemunhar. Porque teriam, então, poupado a mulher de Amílcar? Pela simples razão de que não foi assim que as coisas se passaram. A versão oficial do PAIGC e do governo da Guiné-Conacry não corresponde à realidade. Simplesmente não é verdadeira e, mais uma vez, o povo foi burlado pela estratégia do PCP em todo o processo revolucionário português.

Embora extremamente difícil de provar por forma irrefutável - como difícil se torna documentar a implicação dos comunistas na morte de Delgado -, a verdade é que não havia a mínima lógica para que as autoridades portuguesas desejassem, em 1973, o assassinato de Amílcar Cabral. E nas andanças de guerra os planeamentos à distância obedecem sempre a um critério lógico.




Para o governo de Sékou Touré essa eliminação era vital. E Sékou Touré mandou matá-lo. Tanto quanto foi possível apurar, Amílcar teria sido degolado e não morto a tiro. Mas vejamos as razões do interesse do ditador de Conacry.

Amílcar Cabral estava em contacto com o general Spínola para pôr fim à guerra de uma forma honrosa, e obter a independência de uma forma prudente. Sékou Touré soube disso e mandou matá-lo. Simplesmente isto.

Este livro revela documentos altamente secretos que provam os contactos havidos com Amílcar Cabral e o irmão Luís Cabral. Estes contactos eram realizados através de uma gente nossa colocada em Londres. Pelas datas dos telegramas aqui reproduzidos verifica-se que esses contactos se processaram cerca de dois meses antes da morte de Amílcar Cabral... Porque é que nós, portugueses, mandaríamos matar um homem com quem queríamos negociar e que nos havia respondido estar disposto a isso? Saberá por acaso o povo português que a mãe de Amílcar Cabral vivia tranquilamente em Bissau? E que o sonho de Sékou Touré era anexar pura e simplesmente a Guiné-Bissau?».

Alpoim Calvão («De Conacry ao MDLP»).

Guiné, a Vitória Traída - Bethencourt Rodrigues

 



«A situação vivida na Guiné, nos princípios de 1974, pode ser caracterizada pelos seguintes pontos:

1. O mais importante acontecimento político-social, nos três primeiros meses de 1974, foi o V Congresso do Povo, realizado de 21 de Fevereiro a 10 de Abril.

Manifestação de diálogo entre o Povo e o Governo, através do qual se conferia às populações a possibilidade de uma participação mais efectiva na vida da comunidade, o V Congresso do Povo desenvolveu-se nas suas fases regional e provincial, mobilizando alguns milhares de representantes das populações e dando lugar a 24 sessões de 4 reuniões cada, em 19 localidades da Guiné, além de Bissau.

Se a realização do Congresso, pelo quinto ano consecutivo, traduziu adesão das populações e, pelo lado da Administração, continuidade de acção e capacidade de execução, de salientar é também que trabalhos preparatórios, deslocamentos de autoridades e participantes e reuniões se processaram sem interferência do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), embora essa actividade se estendesse a todo o território da Província.

2. Ainda sem interferência do PAIGC se realizou a visita do Ministro do Ultramar, de 15 a 20 de Janeiro. O Ministro deslocou-se a Teixeira Pinto, Cacheu, Pelundo e Farim, no norte, a Nova Lamego e Bafatá (viajando de automóvel entre estas duas localidades), no leste, e a Catió e Caboxanque, no sul.

3. No princípio do ano iniciou-se a execução do Orçamento da Província, no montante de cerca de 380 000 contos, um aumento de 63 mil contos (quase 20%) sobre o orçamento do ano anterior.

Também se deu início à execução do Plano de Empreendimentos (IV Plano de Fomento), dotado com 155 000 contos e especialmente orientado para os sectores da Educação, Saúde, Vias de Comunicação, Agricultura e Melhoramentos urbanos e rurais.

4. No sector da Educação, existia uma população escolar de cerca de 61 000 alunos, com 2 200 professores.

Desta população pertenciam ao ensino primário cerca de 56 00 alunos, que se repartiam por 550 salas de estudo, onde ensinavam 1 050 professores (830 agentes de ensino e 220 militares). No ciclo preparatório estavam matriculados 3 800 alunos e 1 700, no ensino secundário.

5. A Guiné dispunha de 1 Hospital Central, 3 Hospitais Regionais, 6 Hospitais Rurais, 50 Postos Sanitários (24 com médico e enfermeiro) e 12 Maternidades.

Os Serviços de Saúde contavam com 82 médicos (dos quais 4 civis), 2 farmacêuticos e 1 farmacêutico-analista, 360 enfermeiros e auxiliares de enfermeiro, 2 assistentes sociais e 1 auxiliar social, e 76 parteiras e auxiliares de parteira.

Em 1972 foram dadas 676 000 consultas a doentes civis, sendo 174 000 nos Serviços Provinciais de Saúde e 502 000 pelas Forças Armadas.




6. Mantinham-se em construção as estradas Jugudul-Bambadinca, Piche-Buruntuma, Catió-Cufar e Aldeia Formosa-Buba.

7. No sector privado assinala-se a entrada em laboração duma fábrica de cerveja e refrigerantes e dum parque de armazenagem e envazilhamento de gases de petróleo liquefeito, e a construção duma nova unidade hoteleira em Bissau, já em fase adiantada.

8. Problema que afectava toda a população da Guiné era o do abastecimento de arroz, base primeira da sua alimentação.

Reduzida a produção local a cerca de 50% das necessidades, por aumento do consumo e diminuição da produção, como consequência da guerra e dum certo afastamento do trabalho na terra por parte da população, em especial da mais jovem, desde fins de 71, princípios de 72, a importação passou a encontrar dificuldades crescentes, por força da escassez de cereais nos mercados mundiais e da elevação de preços, quer do produto, quer dos transportes. Assim, em fins de 1973 houve necessidade de contingentar a distribuição e de elevar o preço, tabelado, de 5$50 para 7$00, suportando embora o Governo um encargo não inferior a 2$50/kg.

Estas medidas não foram naturalmente recebidas com agrado pela população, apesar de o arroz ser vendido nos territórios vizinhos a preços muito superiores ao praticado na Guiné (Senegal 14$00 e República da Guiné 22 a 26$00) e de ter havido um aumento do preço de aquisição ao produtor local de cerca de 25%.


Para atenuar uma situação de abastecimento com tendência para se agravar, dada a progressiva retracção do mercado mundial, independentemente de custos, várias acções foram empreendidas, com a diversificação da dieta alimentar tradicional, para o que se recorreu à importação de milho e feijão, a recuperação de bolanhas e uma intensificação do esforço para o aumento da produção, pelo apoio à cooperativização dos agricultores, distribuição de sementes de arroz seleccionadas e de adubos e apoio técnico dos Serviços Provinciais de Agricultura, além do aumento dos preços de aquisição ao produtor.

9. Por último assinala-se a contribuição das Forças Armadas para a vida da Guiné, em tarefas de promoção social, de desenvolvimento económico e de assistência, e na ocupação de posições nos quadros dos Serviços Provinciais, por falta de elementos civis que os guarnecessem.




Em Março de 1974 estavam desviados para funções exclusivamente civis 37 oficiais, 50 sargentos e 182 praças, num total de 270 militares. Em regime de acumulação de funções militares com funções civis havia 137 militares (110 oficiais, 21 sargentos e 6 praças).

- Dos 82 médicos em serviço na Guiné, 76 pertenciam às Forças Armadas e 2 eram seus familiares.

- Cerca de 75% dos professores eram militares ou seus familiares.

- As verbas dispendidas em 1973 pelas Forças Armadas no desenvolvimento sócio-económico ascenderam a cerca de 160 mil contos, assim distribuídos:


Comparticipação directa:

Saúde: 18 000 contos
Educação: 3 000
Desenvolv. rural: 20 000


Comparticipação indirecta:

Vencim. a civis: 61 000 contos
Transportes: 61 000



- No Plano de Empreendimentos para 1974 foi atribuída às Forças Armadas a construção de 1 500 casas em 44 reordenamentos, 11 postos sanitários e 30 edifícios escolares, bem como a continuação da construção da estrada Aldeia Formosa-Buba, já em fase adiantada.

- Até fins de 1973 as Forças Armadas haviam construído, no sector do Desenvolvimento Rural, 15 700 casas, 167 escolas, 40 postos sanitários, 56 fontenários e 3 mesquitas, e aberto 144 furos para abastecimento de água».


Fonte: fotografia tirada por Tiago Castela a uma página do jornal Expresso de 10 de fevereiro de 1973. Edição consultada na BLX-Hemeroteca Municipal de Lisboa.


(...)«1. Em paralelo com a guerra, e naturalmente sofrendo condicionamentos por ela postos, desenvolvia-se a vida política, económica e social da Guiné.

Embora sob a influência daqueles condicionamentos, que em maior ou menor grau, punham questões de segurança de pessoas e bens, ampliavam margens de incerteza nas previsões, criavam distorções nos mecanismos de gestão, afectavam relações sociais:

- funcionavam os orgãos de governo próprio;

- a rede administrativa cobria todo o território;

- os orgãos de administração local exerciam as suas funções de gestão;

- os serviços de saúde e de educação cumpriam as missões próprias;

- as comunicações de transporte e de relação asseguravam os contactos entre localidades, permitiam os deslocamentos de pessoas e garantiam os circuitos de comercialização, no interior e para o exterior;

- estavam em curso obras de fomento nos sectores da educação, saúde, vias de comunicação, agricultura e melhoramentos rurais e urbanos;

- a produção agrícola satisfazia parte das necessidades da população;

- cobravam-se impostos;

- cumpria-se um orçamento.

(...) 2. A contribuição das Forças Armadas era vultosa e decisiva, incidindo praticamente sobre todos os sectores da vida da Província.

Militares em regime de ocupação exclusiva ou em acumulação, ocupavam posições nos Serviços Provinciais, responsabilizavam-se pela assistência sanitária, exerciam funções docentes, empenhavam-se na execução de melhoramentos rurais e urbanos, auxiliavam a gestão das comunidades, executavam trabalhos de mão-de-obra especializada, criavam postos de trabalho, dinamizavam iniciativas nos mais diversos campos.

Tinham parte destacada e relevante na comunidade civil e eram elemento essencial da sua promoção e desenvolvimento.



3. O Teatro de Operações da Guiné tinha as seguintes características principais, algumas das quais se não podiam encontrar nos Teatros de Operações de Angola ou de Moçambique:

- Envolvimento por Estados, declarada e nitidamente, hostis, onde as forças inimigas dispunham de todo o apoio e de total liberdade de acção;

- Extensa fronteira terrestre (700 km), aberta em toda a sua dimensão, dum extremo ao outro; da conjugação deste factor com o antecedente resultava, para o inimigo, facilidade de penetração no território da Guiné e de ataque às guarnições de fronteira e, para as Forças Nacionais, acrescida vulnerabilidade destas guarnições e dispersão de esforços na vigilância da faixa fronteiriça;

- Reduzida superfície, que assim não punha ao inimigo, por isso e pelo apoio recebido nos países vizinhos, problemas de alongamento das suas linhas de comunicações, de dispersão de efectivos e de complexidades logísticas;

- Dos pontos de vista de comando, de manobra e de apoio logístico, com centralização em Bissau, compartimentação, por obstáculos naturais, em 3 zonas: 


- a norte do rio Geba
- entre os Rios Geba e Corubal
- a sul destes dois Rios



Esta compartimentação do Teatro de Operações por rios de envergadura, nenhum deles com pontes entre as suas margens e com a navegabilidade condicionada, em absoluto, pelo regime de marés, implicava fortes limitações à acção de comando, ao deslocamento de forças e ao apoio logístico, e lançava um pesado ónus sobre os meios navais e aéreos;

- Clima e terreno não favoráveis às operações, em particular na metade ocidental do território, com as suas quase impenetráveis zonas de mangal e densas florestas tropicais, e com as marés a penetrarem diariamente pela terra dentro, alagando as terras e causando nos rios desníveis de metros;

- Um mosaico de etnias, mais de trinta, diferenciadas entre si, com características e organizações específicas, seus problemas, seus anseios próprios e suas rivalidades.

Por outro lado, o empenhamento das unidades militares na manobra sócio-económica conduzira a uma inconveniente mistura da tropa com a população, que manifestava toda a sua acuidade quando de acções por parte do inimigo.

4. O inimigo evoluíra progressiva e significativamente no seu conceito geral de manobra (concentração de forças sobre objectivos seleccionados ao longo da fronteira, procurando conjugar concentrações maciças de fogos com acções de isolamento dos objectivos atacados) e no seu potencial militar, tanto humano como material, neste dispondo até de superioridade em algumas armas.

O inimigo punha, portanto, uma ameaça séria sobre as guarnições de fronteira, em particular daquelas com mais difícil acesso pelas Forças Nacionais, para reforço e reabastecimento.

5. As características naturais do Teatro de Operações, a evolução do inimigo e a sua liberdade de acção do outro lado da fronteira aliadas a, por parte das Forças Nacionais, reduzidas forças de intervenção e dificuldades de manobra de meios, limitavam em grau considerável a capacidade de iniciativa do Comando das Forças Armadas Portuguesas.

A necessidade de manter forças disponíveis para o eventual reforço, em tempo oportuno, dum objectivo seleccionado pelo inimigo constituía uma preocupação permanente do Comando, aliás traduzida em progressivo aumento das forças em reserva, e um condicionamento pesado da sua liberdade de manobra. Por outro lado, porém, o empenhamento de forças de intervenção nos sectores em que o inimigo decidira fazer o esforço, aumentava a probabilidade de actuação contra as forças que, como norma, se esvaíam e contribuía assim para a desarticulação do sistema adverso.

6. A listagem das características principais do Teatro de Operações da Guiné, feita no n.º 3, só por si conduz naturalmente à noção da grande dificuldade duma acção militar em tal teatro de operações.

Se a essa dificuldade se adicionarem as que resultavam de se defrontar um inimigo com as características que foram referidas, facilmente se deduz a gravidade da situação militar que se vivia na Guiné no 1.º trimestre de 1974.

Era uma situação extremamente exigente para os Comandos e também extremamente exigente e muito dura para as tropas, a requerer em curto prazo a adopção de medidas de âmbito local e no plano da Defesa Nacional, umas em planeamento ou já planeadas e outras em vias de execução.




7. No campo rigoroso do concreto, nega-se frontalmente a veracidade de algumas afirmações que sobre a Guiné têm sido produzidas.

Nomeadamente, aponta-se como rotundamente falso que, no 1.º trimestre de 74, dois terços do território estivessem sob o domínio do PAIGC; que as tropas portuguesas estivessem entrincheiradas em algumas cidades e algumas bases; que as Forças Nacionais estivessem acantonadas na capital e em mais dois ou três pontos.

Pelo contrário, afirma-se sem receio de desmentido, que as tropas portuguesas tinham acesso a quase todos os pontos do território, com medidas de segurança de intensidade variável; que os comboios auto, de reabastecimento, circulavam pelas estradas; as tropas se movimentavam em campo aberto, com maiores ou menores dificuldades, efectivos mais ou menos numerosos, apoios tácticos mais ou menos desenvolvidos; que o dispositivo militar cobria todo o território; que as Forças Nacionais ocupavam, com guarnições militares ou de milícias, 225 localidades.

8. A guerra estava militarmente ganha? Evidentemente que não. Nunca ninguém o disse, nem pretendeu fazê-lo crer.

A guerra, na Guiné, "estava perdida no campo militar", como se tem afirmado com alguma frequência? Estávamos, na Guiné, "à beira dum desonroso colapso militar", como também se declarou?

A situação na Guiné, no 1.º trimestre de 1974, concedia base àquela primeira afirmação ou apontava irremediavelmente para a segunda?

Estas "notas", no rigor da sua objectividade, poderão ser, julga-se, elemento de informação útil para quem procure obter resposta a estas questões.

Certo é que as guerras sempre foram e continuarão a ser lutas de vontades... e não só das vontades dos combatentes».

General Bethencourt Rodrigues (in «África: A Vitória Traída»).

sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Como se Levanta um Estado.

 



Como se levanta um estado?
Repondo:
A ordem política.
A ordem económica.
A ordem social.

...e como?

Reformulando todo o sistema político, saneando o actual e adaptando um sistema que na realidade sirva os propósitos da nação, um governo verdadeiramente do povo e para o povo, um governo que faça a ponte entre o poder executivo e aqueles que serve, sim um modelo em que o poder político sirva os interesses da nação e não os seus próprios interesses.

Devolvendo o bom nome do país honrando os compromissos assumidos internacionalmente, tendo especial atenção ao dever e ao haver promovendo a produção interna, ou seja tornar-nos menos dependentes do estrangeiro, pondo os nossos sectores primários novamente em acção, fazendo por exemplo um verdadeiro aproveitamento dos nossos recursos naturais, aproveitando verdadeiramente a nossa Zona Económica Exclusiva marítima, que como todos sabemos tem neste momento uma área oitenta vezes a área continental, situação nada negligenciável e com recursos ainda não contabilizados. Aproveitando a nossa área de reserva agrícola, aproveitando as características do solo bem como a meteorologia que como sabemos nos é bastante favorável.
Promovendo a industria transformadora que por sua vez alavancará a nossa agricultura e pescas. Promovendo turisticamente todo o território nacional, pois como todos sabemos temos um interior injustamente esquecido com enormes potencialidades. promovendo a utilização da nossa industria naval à imagem de outrora, seja para o sector das pescas, turístico, mercante, bem como militar.
Promover o consumo de bens nacionais, como todos sabemos de muito melhor qualidade do que os importados e se bem regulado o mercado poderão ser adquiridos por preços muito mais competitivos dando assim um valente empurrão na produção nacional.

Repondo a justiça, ou seja devolvendo à justiça o seu verdadeiro papel, o papel de garante da ordem, o papel de aplicador de regras de boa convivência. A devolução do bem estar social fazendo o comum cidadão sentir-se parte integrante da sociedade, sentindo-se ao mesmo tempo responsável e beneficiado pelos seus próprios actos de cidadania, seja a nível produtivo, seja familiar ou seja nas pequenas coisas do dia-a-dia, aquelas nas quais não reparamos mas que são de vital importância, sendo as principais a manutenção da nossa identidade cultural, língua, usos e costumes.
Desenvolver um verdadeiro sistema educativo que tenha como único veículo a educação e a promoção da nossa cultura e identidade, tendo especial atenção em manter viva a nossa história e mostrando aos mais jovens como e porquê nos mantivemos íntegros como nação até hoje, um sistema que forme na realidade cidadãos exemplares e não meros portadores de diplomas sem preparação alguma para enfrentar o futuro.
Criar condições dignas em termos económicos para que se possa irradiar de vez a pobreza que grassa entra as classes mais desfavorecidas diminuindo o fosso entre os que mais têm e os mais necessitados, em suma por um verdadeiro estado social em funcionamento, sem exploradores e muito menos, explorados.

Pensem nisto?

Alexandre Sarmento

Salazar - Em defesa do Império.

 



«... mesmo em ambiente de paz, um ponto sobressalta a sensibilidade política de Salazar: a campanha que internacionalmente se lança contra a existência de ligações de soberania entre a Europa Ocidental e territórios noutros continentes. Já há anos, em discurso público, aludira a ventos que poderiam pegar fogo à África; e em Conselho de Ministros de há tempo declarara estar no momento mais preocupado com o futuro do ultramar português do que o estivera durante a guerra. E agora Salazar verifica que se interpretam e procuram aplicar algumas disposições da Carta das Nações Unidas no sentido de pôr em causa e destruir os laços políticos que a Europa Ocidental mantém na Ásia e África; e o maior perigo reside em os Estados Unidos e a União Soviética, no seu intervencionismo, darem à Carta da ONU, naquele capítulo, uma interpretação semelhante, e no facto de a Europa parecer desejosa de alijar as suas responsabilidades pelo mundo. Perante as grandes forças, e as borrascas que desencadeiam, há que resistir até ao amainar da tempestade: e o chefe do governo procura incutir no país o ânimo apropriado, e habilitá-lo a descortinar com nitidez as realidades por detrás das aparências.





(...) E Salazar, certo de que, mais do que a de outros povos, é fugaz a memória dos portugueses, insiste nos seus temas. Em face dos erros cometidos pelos ocidentais, na sua política de guerra, a Rússia tem explorado com êxito a vitória, criando à sua volta uma rede de países em que a identidade do sistema constitui o elemento de defesa e de monopólio económico; o comunismo deixou de ser havido por doutrina filosófica ou económico-social como qualquer outra, aspirando a partilhar o poder ou a realizar no poder certo número de reformas em favor das massas; o carácter totalitário da doutrina torna-a incompatível com a civilização do Ocidente, e os partidos comunistas funcionam "efectivamente como secções de um partido que é um Estado estrangeiro"; todas as tentativas de conciliação na ordem interna ficam votadas ao fracasso; e a vastidão do império russo dá-lhe imunidade quanto ao exterior, ao mesmo tempo que se arroga o direito de intervir por toda a parte. Felizmente, desde há um ano, as potências ocidentais retomaram a iniciativa, e as vantagens têm sido evidentes. Se todos os povos, incluindo o russo, aspiram à paz, "só é política digna dos nossos esforços a que tenda e consiga evitar a guerra". Mas um conflito apenas pode ser prevenido "através de uma preparação bastante" que restabeleça "um equilíbrio de forças", de modo a tornar "a guerra negócio arriscado e grave". Ao Ocidente compete, portanto, "reforçar a sua defesa e não largar de mão as poucas cartas que, embora diminuídas, ainda lhe ficaram no desbarato final das operações militares". Esta política de se "armar para a guerra por amor da paz" exige sólidas frentes interiores, e sobre a "formação da nossa farei as minhas últimas considerações". Importa ter em conta que "o comunismo não é necessariamente um partido nem precisa de dispor de maioria: basta-lhe dispor de uma minoria, movida por uma fé e servida por uma técnica de proselitismo e de combate, técnica que é a síntese de tudo quanto a experiência e a psicologia descobriram para dominar e conduzir as massas humanas". Para se opor ao comunismo há uma tendência para depositar esperanças na repressão; mas estas são excessivas; e impõe-se sobretudo uma "acção intensiva de aliciação das inteligências à volta de um sistema de ideias que o repilam". E o chefe do governo conclui: "Tomemos sobretudo em mãos a iniciativa da campanha, porque é para mim evidente que o comunismo em Portugal só pode tomar o lugar que nós deixarmos vago na inteligência e no coração dos portugueses".

No Diário de Notícias, em dois longos fundos, Augusto de Castro comenta o discurso de Salazar: E pergunta: há uma ideologia ocidental? Há: "é greco-latina, cristã, atlântica, mãe soberba de todas as grandes invenções".

(...) Paralelamente, adquire consciência e dimensão a ofensiva ideológica contra os países ocidentais. Seguindo a orientação política que já Lenine propusera, e uma vez que está organizada a defesa da Europa Ocidental, Moscovo procura contornar esta, e enfraquecê-la em áreas que ficam para além dos limites geográficos do Pacto do Atlântico. À derrota do Japão sucede o esboroamento da hegemonia ocidental no extremo-asiático; e paradoxalmente o Japão vê triunfar, naquela parte do mundo, os ideais e os objectivos por que se batera e fora esmagado. Mas outro continente está ligado à Europa: é a África: e ambos se entreajudam e são complementares nos planos económico, estratégico, político. Nesta base, a ruptura e a hostilidade entre os dois arrastam ao enfraquecimento recíproco; e este convém à União Soviética, e aos novos países cuja independência fora proclamada na Ásia depois da guerra. Para o conseguir, os adversários exploram princípios de que o próprio Ocidente é autor e lhe são caros: a dignidade da pessoa humana, os direitos individuais, a legitimidade do facto nacional, o direito dos povos a determinarem o seu destino, o consenso democrático em torno de instituições e regimes, a liberdade de expressão do pensamento. Do mesmo passo, acusa-se o Ocidente Europeu de se contradizer, e alega-se o imperialismo, a opressão, o racismo, a exploração económica a que está submetido o continente africano. Julgam os países europeus que se encontram presos de um dilema: proclamarem para si princípios que negam para outros. E a Europa, ainda exangue, perturbada, em crise moral e mental, suscita no seu seio um complexo de culpa: há que redimir os pecados, há que ser genuína no respeito e aplicação dos princípios. E entre os europeus dissemina-se uma convicção: a melhor forma de destruir as acusações consiste em aceitar a sua procedência. Se se instituir por toda a África o princípio da democracia de raiz ocidental, este facto leva por si à rejeição de regimes autoritários e assegura a continuidade da cooperação e do entendimento entre a Europa do Ocidente e a África. Para mais, uma tal solução aliviará a Europa de pesadas responsabilidades, de despesas de administração, de gastos militares para a defesa da soberania. Está-se assim perante uma situação que é, ao mesmo tempo, ideológica e de expediente político. Por parte da União Soviética, seus satélites e novos países, há o objectivo de enfraquecer a Europa, batendo-a com os seus próprios princípios, e de negar a esta o apoio e os recursos da África; e por parte do Ocidente há o objectivo de, dando razão ao adversário, frustrar as acusações deste, e manter para a Europa a cooperação da África, garantindo assim a complementaridade dos dois continentes. Conquistar ideologicamente a África torna-se fundamental; e para tanto segue-se uma política de licitação pública, numa corrida de concessões em que cada um procura exceder as dos adversários, para assim aliciar as boas graças daqueles cujo apoio busca. Está firmado o anticolonialismo.




Encontra este o seu centro impulsionador no plano das Nações Unidas, e à sombra da Carta. Para promover o bem-estar dos povos e assegurar entre as nações a colaboração nos domínios económico, social, educativo e até político, a Carta estabelece três modalidades: a Cooperação Internacional Económica e Social, regulada nos capítulos IX e X; a Declaração sobre Territórios Não-autónomos, de que se ocupa o capítulo XI; e o Sistema Internacional de Fideicomissos ou Curadorias, tratado no capítulo XII. Ao primeiro sistema, e para o executar, corresponde o Conselho Económico Social, onde se debatem os problemas económicos e sociais que afectem áreas determinadas ou grupos de nações; e ao terceiro corresponde o Conselho de Curadorias, onde se examinam as questões respeitantes a territórios sob o antigo mandato da Liga de Genebra, ou que as potências responsáveis hajam espontaneamente colocado sob curadoria internacional. Mas para administrar o sistema do capítulo XI - relativo a territórios não-autónomos - não estabelece a Carta qualquer orgão. No entanto, o anticolonialismo rapidamente aproveita a Quarta Comissão da Assembleia Geral e transforma-a no orgão de ataque às potências coloniais. Para o efeito, o capítulo XI, nos seus arts. 73.º e 74.º, é interpretado através de sucessivas resoluções como impondo às potências administrativas de territórios não-autónomos obrigações equivalentes às das potências em territórios em fideicomisso. Nestes termos, os territórios não-autónomos são havidos por colónias e da parte das potências detentoras há o dever de conduzir os seus habitantes à auto-determinação, sob a égide e fiscalização da ONU: e os membros das Nações Unidas que possuam colónias são solicitados a declarar as suas intenções e os seus planos para se alcançar aquele objectivo. Achou o anticolonialismo a sua plataforma parlamentar para a acção política.

Desde 25 de Novembro, Salazar não tem reunido o Conselho de Ministros. Arreiga-se a sua convicção de que é pouco profícuo o trabalho do Conselho em plenário. Para mais, preocupa-o a revisão constitucional, e em particular a do Acto Colonial. Trata-se de integrar este, de forma homogénea, no corpo da Constituição. Importa acima de tudo, no entanto, resolver um problema básico: mantém-se para os territórios de além-mar a designação de colónias ou regressa-se à de províncias ultramarinas? Não é apenas vocabular a questão; e são muitas as implicações no plano interno e externo: No primeiro, a mudança supõe a ideia de integração progressiva, nos domínios económico e político, entre metrópole e ultramar, com toda uma visão nova e em grande da nação portuguesa; no plano externo, nega frontalmente as teses anticolonialistas, e portanto exime os territórios de além-mar à aplicação dos princípios proclamados pelas Nações Unidas; e finalmente, por paradoxal que parecesse a muitos, significa o abandono da noção de império e de estruturas imperiais, incompatíveis com uma integração paritária.




(...) Na tradição do direito público português e na terminologia corrente os territórios de além-mar haviam tido a designação de províncias. Esta designação é usada desde 1576 e consta de um diploma de 12 de Março de 1633; e foi transladada para as constituições liberais, desde 1820, que consideravam as províncias ultramarinas como parte integrante da Coroa portuguesa. O Título V da Constituição de 1911 designava-se: Administração das Províncias Ultramarinas. Posteriormente, a I República adoptou a designação de colónias. A abolição deste nome e o regresso ao de províncias foi assim um retorno a uma tradição de séculos. No plano internacional, o governo português foi depois acusado de inventar a expressão províncias ultramarinas e de a usar como expediente político para escapar ao anticolonialismo. Este factor teve decerto influência; mas não foi o único; e em qualquer caso não se tratou de facto de uma invenção.

(...) Este último ponto, todavia, suscita dúvidas e objecções em alguns sectores. Do Acto Colonial, por que Salazar fora responsável quando gerira as Colónias, passara-se a uma concepção imperial, a que Armindo Monteiro dera o seu esforço, quando ministro daquela pasta. Depois de demitido da embaixada de Londres e de um regresso acerbo a Lisboa, atravessara um período de ressentimento e ostracismo. Esbatida a mágoa, Monteiro reaproxima-se do governo, e pela mão de Marcello Caetano entra como procurador da Câmara Corporativa. Mas agora enfileira entre os que se opõem à conversão de colónias em províncias. Salazar encara o problema sob ângulo diverso: há que colocar o país num terreno jurídico e político que lhe permita resistir com êxito à onda de anticolonialismo. É nesta base que Salazar concebe as propostas de revisão constitucional a apresentar à Câmara Corporativa e à Assembleia Nacional e que, além do Acto Colonial, afectam outros artigos da Constituição, para os tornar conformes com a nova terminologia. Salazar concentra-se no problema com atenção e minúcia; e consulta repetidamente os seus conselheiros e numerosas personalidades ultramarinas. Pensa, reflecte, avança com lentidão. Para mais, o funcionamento da Assembleia está suspenso, e não é necessário precipitar a submissão das propostas.

Desta preocupação é distraído em meados de Janeiro de 1951. Numa viagem que o leva às capitais dos países membros do Pacto do Atlântico, chega a Lisboa o general Eisenhower, e na manhã de 17 daquele mês é recebido pelo chefe do governo.

É no gabinete de S. Bento; Salazar está bem-disposto, com modo afável mas decidido, e calmo e senhor de si. Felicita Eisenhower pela designação para comandante supremo das forças do Pacto, e estima a escolha, tão lembrado como o general é desde as campanhas na Europa. Eisenhower parece intimidado: fala de locais pitorescos de Lisboa, das fotografias que tirou. Salazar pergunta que estado de espírito encontrou o general nas capitais já visitadas. Tem melhorado, afirma Eisenhower, mas há um problema psicológico: os europeus não actuam sem que os americanos entreguem os equipamentos prometidos, os americanos não entregam os equipamentos sem saber o que estão os europeus fazendo de concreto. Comenta Salazar que este lhe parece ser um problema político: se solucionado, os demais resolver-se-ão também. Depois, o chefe do governo expõe o seu ponto de vista sobre a situação actual. Foi errada a base de partida. Julgou-se ser a miséria a única fonte do comunismo. "isto é uma ilusão: o comunismo pode desenvolver-se mesmo em meios ricos ou pobres: é uma atitude de snobismo intelectual, com a pretensão de ser diferente dos demais". E assim "os milhões de dólares americanos não bastarão para o conter". Todavia, em virtude do plano Marshall, está hoje facilitada a missão do comandante supremo; agora, importa evitar a guerra, não importa vencê-la; e apenas pela força é possível evitá-la. Seriam idênticos para todos os resultados de um conflito: a destruição. "Decerto", interpõe Eisenhower, "mas se a guerra deflagrar, a última das coisas a fazer seria perdê-la". Salazar entende que pior do que a derrota é a escravidão. Por si, a "Rússia não quer a guerra"; e "não haverá guerra se for possível preparar defensivamente todo o Ocidente". Mas Eisenhower sente um receio: as correntes isolacionistas nos Estados Unidos. Homens de consequência, como Hoover ou Taft [Herbert Hoover, antigo presidente dos Estados Unidos, e Robert Taft, influente senador do Partido Republicano], desconfiam da Europa, e sustentam que a América não tem de assumir responsabilidades para além-fronteiras. Há que persuadi-los de que a Europa está pronta a dar a sua contribuição. "É muito perigosa para os próprios Estados Unidos a tese do Senador Taft", diz Salazar. Sem dúvida: mas veja-se como é aliciante: "não mais encargos, não mais impostos a pagar". Há que rebater a tese antes de conquistar muitos adeptos; e por isso Eisenhower está desejoso de ir aos Estados Unidos para "poder falar dos esforços feitos na Europa, do que viu e ouviu com os seus próprios olhos e ouvidos". Sim, conclui Salazar, a Europa está pronta, se os Estados Unidos forem firmes no seu apoio, e há ainda valores europeus desaproveitados, que o poderiam ser com benefício. Eisenhower despede-se. Mas antes de sair quer pedir desculpa de um incidente. Desculpa? Um incidente? Sim, um incidente durante a guerra. Um piloto americano, dirigindo-se a África, aterrou por engano em Portugal, e só então se apercebeu de que estava em país neutral; prometeu à torre de comando que se apresentaria às autoridades portuguesas; mas levantou voo, e fugiu. Quebrara assim a promessa, e iludiu a boa-fé daquelas. Então Eisenhower entrou em contacto com o embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, e pediu-lhe para comunicar às autoridades portuguesas que estava disposto a mandar o piloto para ser internado. Simplesmente, o governo de Lisboa responde que "esquecera" o incidente. E Salazar ri: "Ah! É que houve a intenção de não diminuir as forças de que dispunha o general!" Depois o comandante supremo visita ainda Santos Costa, Paulo Cunha, entidades militares superiores, e cumprimenta Carmona. E quando atravessa o Atlântico e, em Otava, se avista com os ministros canadianos reunidos em Conselho, Eisenhower diz-lhes: "De todos os estadistas europeus com quem conversei, Salazar parece-me o mais lúcido e avisado".




(...) Chegam a Lisboa jornalistas  do mundo e figuras de marca na política internacional do Ocidente: Dean Acheson, pelos Estados Unidos; Anthony Eden, pela Inglaterra; Paul Van Zeeland, pela Bélgica; Dirk Stikker, pela Holanda; Edgar Faure, Robert Schumann e Georges Bidault, pela França; Lester Pearson, pelo Canadá; Alcide de Gasperi, pela Itália. No Palácio de S. Bento, a 20 de Fevereiro de 1952, reúnem-se todas as delegações para uma sessão solene, sob a presidência de Costa Leite, em representação de Salazar. Paulo Cunha profere um discurso de abertura: são seus temas o Ocidente, o reforço da sua defesa, a admissão da Espanha no Pacto. No Diário de Notícias, Augusto de Castro reivindica para Portugal e Salazar a prioridade na definição de atitudes do Ocidente, que foram mais tarde perfilhadas e seguidas pelas grandes potências. Depois, são as sessões de trabalho no Instituto Técnico. São tomadas decisões básicas: a entrada definitiva da Grécia e da Turquia, como membros do Pacto; a criação de um posto de secretário-geral; o reforço do dispositivo de segurança; a mobilização de 50 divisões de combate; a atribuição de novos créditos para despesas militares. Salazar recebe individualmente os principais ministros estrangeiros. Recebe o seu amigo André de Staerck, delegado belga junto da NATO, que "deu o prazer de vir um dia almoçar comigo" mas "não me soube dar notícias do príncipe Carlos". E "pude estar três quartos de hora com Van Zeeland, que foi brilhante como sempre". É longa a conversa com Eden: conhecem-se enfim aqueles dois homens que há quase vinte anos, cortados de algumas intermitências, conduzem entre si negócios graves para Portugal e Inglaterra, mesmo para o mundo. E é também extensa a entrevista com Dean Acheson. Este sente-se surpreendido: "Fiquei muito impressionado com Portugal". Não notou tensões sociais, nem os indícios de uma ditadura; o povo parecia tranquilo, tanto na cidade como nos campos. "E fiquei especialmente impressionado quando visitei Salazar", no edifício da Assembleia Nacional. Não havia polícia, nem guardas; no gabinete, não viu telefones; Salazar não tinha papéis em cima da secretária. Salazar diz que o seu interesse consiste em equilibrar o orçamento, manter estável a moeda, assegurar pleno emprego, fortalecer e ampliar uma vasta classe média, garantir preços baixos para géneros essenciais. E industrialização? Decerto; mas com vagar e prudência, para não criar desemprego. E que retrato de Salazar fixa Dean Acheson? "Ele é uma personalidade muito forte, e agradável, de tipo português""A coisa mais impressionante em Salazar, são as suas mãos, extraordinariamente belas, e sempre activas enquanto fala, esculpindo no ar aquilo de que fala, como se o ar fosse feito de plástico e ele o estivesse a talhar"; "nada tem de pomposo, nem pretende impor-se""enterra-se na poltrona, quase fica suspenso pelos ombros, pernas estendidas, e conversa com muita facilidade e calma". E Dean Acheson estranha o gabinete, modesto embora digno, mas sem bulício, sem agitação: "o do Presidente dos Estados Unidos é um cortiço, com gente a entrar e a sair, telefones a tocar, processos e papéis por toda a parte". Salazar comenta: "Eu não poderia trabalhar assim; fazer muitas coisas ao mesmo tempo e ter a sensação de estar muito atarefado não significa realização efectiva"; quando enfrenta um problema, tem de o estudar: e "não julga que muitos telefones a tocar e muitos secretários a correr o pudessem auxiliar". Não: pondera uma questão como um navegador, com a bússola e a carta, traça o rumo; no percurso surge toda a sorte de problemas, o mar calmo, as tempestades, os escolhos; vai-os resolvendo um a um; e com bússola e carta mantém o navio no rumo certo. Acheson observa que essa é a técnica de quem espera o futuro calmamente, sem pressas; e isso faz-lhe lembrar uma velha senhora sua conhecida, para quem a coisa melhor que o futuro tinha era aproximar-se apenas por um dia de cada vez. "É isso", diz Salazar, "essa senhora é muito sábia".

(...) Regressado aos Estados Unidos, Dwight Eisenhower apresenta a sua candidatura à Presidência, em nome do partido republicano; é eleito; e sucede a Harry Truman. No Departamento de Estado, Dean Acheson é substituído por John Foster Dulles. Tem repercussões no mundo o resultado da eleição: que política será a de Eisenhower? Em França, acentua-se a instabilidade governamental, e desta resulta uma oscilação constante da atitude de Paris. Schumann abandona os Negócios Estrangeiros, e regressa Georges Bidault; e de novo estão em causa o papel da França, na NATO, e as relações como a nova Alemanha de Konrad Adenauer. Neste particular, o debate político em França trava-se sobre a questão de manter um exército francês autónomo, ou de o europeizar numa união da Europa Ocidental, ou na estrutura da NATO; e ainda sobre o estatuto da Alemanha, que ressurge como Estado Federal, e a cooperação desta com o Ocidente. São tradicionais os receios da França perante um ressurgimento do poderio germânico; restabelecer este, todavia, parece indispensável para resistir ao expansionismo soviético; há que procurar, desta forma, o melhor enquadramento para uma Alemanha remilitarizada; e Londres e Washington, com a anuência de Bonn, inclinam-se para a entrada da nova República Federal no quadro do Pacto do Atlântico. Por seu lado os Estados Unidos, sob a orientação de Dulles, reforçam uma política de alianças para além da NATO, e destinada a conter a penetração russa; as Filipinas, a Austrália, a Nova Zelândia, a Tailândia, o Paquistão, a França e o Reino Unido dão o seu aval a essa política; e em paralelo com a NATO, é firmada a SEATO [iniciais para significar: South East Treaty Organization]. De súbito, porém o mundo é colhido por uma notícia inesperada: em 5 de Março de 1953 morre Estaline. Da reunião do presidium emana a escolha de Georgi Malenkov para lhe suceder em todos os cargos; mas, pouco após, a sua actividade fica cingida à chefia do governo; e as suas funções de secretário do partido são confiadas a Nikita Krushchev. No exterior, há a sensação de que, no plano político, está constituído um triunvirato formado por Malenkov, Beria e Molotov, e que disporia das decisões supremas: é o princípio da chefia colectiva ou colegial, apresentado como inovação na estrutura do poder soviético: e é denunciado o culto da personalidade do tempo de Estaline. Pelo mundo corre uma interrogação: vão cessar o terror, a agressividade, a subversão de terceiros países, o expansionismo imperial da ditadura estaliniana? Muitos ficam persuadidos de que a União Soviética, desaparecido o ditador de aço, vai entrar num período de distensão, de liberalismo; e entre os povos dos países satélites há sobressaltos de esperança. E Eisenhower declara: "o mundo inteiro sabe que com a morte de Estaline findou uma era".




Em Lisboa, Salazar, sempre apaixonado pela situação do mundo, não deixa de se sentir preocupado, e mesmo perplexo. Como a encara neste momento? Escreve para Bruxelas, a Eduardo Leitão: "Noto na vida internacional uma pausa, de um lado provocada por ninguém saber quais serão e até onde irão as divergências no respeitante aos negócios do mundo entre a administração Eisenhower e a de Truman, por outro lado pela mutação no governo da França que se encontra em face de uma opinião pouco disposta a aceitar o exército europeu, ou talvez mais precisamente a dissolução do exército francês no exército europeu". E quanto a ideias federalistas? "A meu ver", diz Salazar, "as ideias federalistas que parece terem sido tão do agrado de franceses e italianos e não sei se belgas e holandeses, apesar do impulso que por todas as formas lhes dão os americanos, encontram dificuldades de execução e até poucas simpatias em muitos meios, convencidos de que se trata menos de um problema europeu do que de arranjar maneira de resolver dificuldades da política francesa". Em nada disto tem Portugal que estar envolvido, mas "o caso é sobretudo desagradável porque estes vai-vens da política europeia fazem perder tempo na organização de forças e no estreitamente da cooperação económica, militar, cultural e política que, sem federação ou com federação, é possível e necessário estabelecer e reafirmar".

Estas preocupações pela defesa do Ocidente não são exclusivas de Salazar. São partilhadas por homens eminentes, da política e das letras, em muitos países do Ocidente. Há pouco fora Henri Massis, que viera desabafar junto de Salazar a sua ansiedade; e agora é a Gustave Thibon, da mesma linha ideológica de Massis e de Gabriel Marcel, que Salazar recebe, e interroga sobre a situação francesa, e de quem escuta iguais desabafos. E são também homens da política: é André de Staercke, muito ligado a Paul Spaak, que em cartas e visitas não esconde o seu pessimismo; é Van Acker, primeiro-ministro belga; é Paul Van Zeeland, que continua ministro dos Estrangeiros da Bélgica; são outros ainda. E justamente Van Zeeland acaba de convocar Eduardo Leitão e de lhe pedir para consultar o chefe do governo português sobre a conjuntura mundial, e em particular os negócios da Europa e as ideias em curso quanto ao futuro desta. Leitão tudo transmite para Lisboa, e Salazar responde à consulta de Van Zeeland no dia seguinte ao da morte de Estaline. Traça um quadro inicial: "As coisas aparecem-nos assim: os Estados Unidos, pela simplicidade do seu espírito e ligeireza das suas opiniões, não vêem para a Europa outra solução política que não seja a unidade através da federação; a França, que se nos afigura um país cansado de lutar e a quem a plena independência parece pesar, adopta a ideia como a maneira mais fácil de evitar o rearmamento alemão isolado e amanhã potencialmente hostil; as nações que se agrupam em volta da França parecem convencidas, embora por motivos diversos, de que aquele é o melhor caminho de salvar a Europa e talvez o único de assegurar o apoio americano, em potência militar ou em dólares". Desdobra depois o seu pensamento: há apenas duas realidades, que são uma ideologia americana e uma política francesa: mas a viabilidade de executar a ideia, o ambiente político e moral, os problemas económicos, estão em plano secundário, embora sejam o essencial. Por ideologia americana, entenda-se uma ideia de partido político no governo; por política francesa entenda-se a de uma fracção dos políticos franceses, porque a França, "se anseia por não ter de bater-se, também procura não ser mandada por outros"; e quanto ao receio de perda do auxílio americano, "penso que esse receio não tem razão de ser, porque a Europa é tão necessária à América como esta à subsistência da liberdade europeia". Mas "é sobre tão frágeis fundamentos que se anda a construir a federação da Europa". E essa federação é possível? No domínio lógico, é. Apenas há duas maneiras, no entanto, de a conseguir: por acto de força de um federador ou por lenta evolução que pode levar séculos. Não existe um federador: "se a Rússia puder, talvez ela o faça nos países danubianos sob a sua égide; se Hitler tem ganho a guerra, era possível que obrigasse a Europa a federar-se sob a hegemonia alemã; e pelos frutos e demoras da evolução não se quer esperar". E que pode resultar de uma federação? Resultam o abandono de terras, arrumação ou concentração de indústrias, deslocação de populações, desequilíbrios económicos, perdas de interesses e capitais: são sofrimentos sem conta, alterações profundas nas maneiras de viver e de pensar: "mas retoma-se a vida em novas bases, e no futuro, num futuro largo, pode até ser melhor para todos os que então existirem". Isto pode fazer-se pela força; não o podem fazer os políticos, ao menos de um dia para o outro, contra interesses inconciliáveis e os sentimentos das populações. Porque a verdade é que a Europa nasceu de um certo modo e tem um certo carácter; a sua diversidade, se é fraqueza, é também fonte da sua radiação universal; tem nações tão antigas que o seu nacionalismo se confunde com o instinto de propriedade; e é duvidoso que por combinações ou tratados se possa erigir o Estado Europeu. E, se se constituísse, esse Estado europeu seria por muito tempo destituído de coesão e força efectiva; "o momento óptimo para o ataque russo, se a Rússia pensasse em atacar o Ocidente, era exactamente o da constituição do Estado Federal Europeu". Essa federação, a fazer-se, far-se-ia sob a égide republicana: comportaria três grandes repúblicas (França, Alemanha, Itália) e três pequenas monarquias (Bélgica, Holanda, Luxemburgo): a força das primeiras, a dificuldade de escolha de uma dinastia comum, o desejo dos americanos, imporiam a solução republicana: e os três pequenos países teriam de se desfazer das suas instituições. Depois, há o problema colonial. Itália e Alemanha foram despojadas de tudo; os domínios ultramarinos serão integrados na federação, que herdará as colónias belgas e francesas; os que nada têm a perder são os que têm tudo a ganhar; mas a Bélgica e a França não pertencem a este grupo. Deste modo, uma federação europeia suscitará mais problemas do que resolve; constituiria por muito tempo uma construção política e economicamente frágil; por cima de sacrifícios e sofrimentos a impor às gerações actuais, a Federação poderá dispor de mais espaço, racionalizar a produção, conseguir com os territórios ultramarinos uma maior base económica para o conjunto. Acontece que, pela sua força e capacidade, será a Alemanha quem conduzirá a federação para todos os seus destinos. "Para isto, talvez não valesse a pena ter feito a guerra". E a Inglaterra? No território europeu, a Inglaterra funciona já como um estado federal; no mundo, é a cabeça de uma associação de Estados. Se a Inglaterra tomar na Europa o compromisso de um esforço total, será a perda da chefia da comunidade; e os vários Estados que compõem esta, privados daquele ponto de apoio, procurarão outros pólos de atracção. Parece desassisado que, em nome de uma unidade hipotética, se desfaça ou corra perigo de desaparecer uma outra unidade, já existente e de real valor.




Neste quadro, que posição convém a Portugal? Independentemente da aliança antiga, e considerando apenas o jogo das forças mundiais que emergem, importa a Portugal uma Inglaterra forte e independente: "quem nos dera que possa continuar a ser um factor de equilíbrio entre os Estados Unidos e uma federação europeia em que a Alemanha seja o elemento preponderante". No mais, e "se posso ser intérprete do sentimento do povo português, devo afirmar que é tão entranhado o seu amor à independência e aos territórios ultramarinos, como parte relevante e essencial da sua história, que a ideia da federação, com prejuízo de uma e de outros, lhe repugna absolutamente". Nos dissídios da Europa, raras vezes Portugal interveio; e sempre com dano de outros interesses mais altos. Se agora se compromete no Pacto do Atlântico, e para caso de ataque pelo imperialismo russo, "é que há a compreensão nítida de que esse imperialismo traz consigo os elementos destrutivos da nossa mesma razão de ser"; e por isso evitar aquele ataque "é condição necessária ao prosseguimento da nossa missão no mundo". Da Europa, interessam a Portugal a paz, o génio e espírito da civilização cristã e mais nada; e Angola e Moçambique interessam bem mais. Felizmente, são de tal relevo os Pirenéus que abrigam a Península de uma absorção ou decisiva influência; a Espanha, com as suas ligações à América Central e do Sul decerto vê mais futuro no conjunto hispano-americano do que numa federação europeia. Do debate em torno do problema, a Portugal somente interessa não ser embaraçado no seu caminho; e por isso se tem abstido de intervir em discussões públicas ou de pertencer a alguns organismos, como o Conselho da Europa e outros. Portugal sabe que não pode influir na evolução das ideias e dos acontecimentos; "mas não devemos esquivar-nos a dizer com inteira lealdade o que pensamos acerca de umas e dos outros"».

Franco Nogueira («Salazar. IV, O Ataque - 1945-1958»).

Salazar - Uma Palavra Sobre Angola.

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