quarta-feira, 20 de novembro de 2024

A esta terra que sofre.

 


A esta terra que sofre,
Diminuída, mutilada,
À procura de si própria,
Perdida, abandonada.

Mas ouvi, ó portugueses,
Corruptos ou estrangeiros,
Tontos, traidores, burocratas,
Ingénuos, fanatizados,

E vós também, os fiéis
Da verdade da raiz,
Ouvi o que diz o povo,
Ouvi a voz do país.

Portugal somos ainda,
Porque a semente que outrora
Germinou em terra ingrata,
Há-de reviver agora!

Em cada volta do tempo,
De novo começa o mundo.
Juventude, redescobre
O Portugal mais profundo!

(....)

Transviados, cabisbaixos,
Levantai o vosso olhar!
Pátria antiga, que sofreste
Há mais mar, p'ra além do mar!

(...)

António Quadros
Ó Portugal Ser Profundo, ed. Espiral (1980)

Na imagem, D. Nuno Alvares Pereira, o Santo Condestável. 

Direito de Resistência.

 


Os nossos governantes pegaram fogo ao país e despovoaram o interior para que pudessem vender as riquezas do subsolo aos grandes interesses internacionais, foi isto o fruto da merda da democracia e do socialismo...
Terroristas combatem-se com terrorismo, temos direito a indignação, temos o direito de resistir, por todos os meios...
Sei que muitos me entenderam, esta na hora, ou melhor, já tarda!!!

Alexandre Sarmento

Como comer um português.

 


Agarra-se um português pelos tomates(quando os tem, no caso de não ter, pode ser agarrado pela ponta da língua), lava-se muito bem, especialmente o cérebro(quando existe), pinta-se de rosa, laranja, vermelho ou com a paleta de cores do arco íris, mistura-se uma bola, um idiota da casa dos segredos, o político da sua eleição, um televisor, e um telemóvel de última geração, tudo muito bem batido com umas cervejas, tremoços e uma pitada cartão de crédito, deixa-se apurar e está pronto a servir.
...et voilá, temos um português prontinho a ser comido de cebolada(os nossos políticos adoram)!!!

Alexandre Sarmento

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Para que serve a filosofia?

 


“Quando alguém nos pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irónica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado nem à Igreja que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém não é uma filosofia. Ela serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas. Existe alguma disciplina, fora da filosofia, que se proponha a criticar todas as mistificações, quaisquer que sejam sua fonte e seu objetivo? Denunciar todas as ficções sem as quais as forças reativas não prevaleceriam. Denunciar, na mistificação, essa mistura de baixeza e tolice que forma tão bem a espantosa cumplicidade das vítimas e dos autores. Fazer enfim do pensamento algo agressivo, activo, afirmativo. Fazer homens livres, isto é, homens que não confundam os fins da cultura com proveito do Estado, da moral ou da religião. Vencer o negativo e seus falsos prestígios. Quem tem interesse em tudo isso a não ser a filosofia? A filosofia como crítica mostra-nos o mais positivo de si mesma: obra de desmistificação. E que não se apressem em proclamar o fracasso da filosofia a esse respeito. A tolice e a bizarria por maiores que sejam, seriam ainda maiores se não subsistisse um pouco de filosofia que as impedisse, em cada época, de ir tão longe quanto desejariam, que lhes proibisse, mesmo que fosse por ouvir-dizer, de serem tão tola e tão baixa quanto cada uma desejaria por sua conta.”
— Gilles Deleuze. “Nietzsche e a Filosofia".

Silêncio e Solidão.

 

Chegados os dias cinzentos e o desconforto de uma ventania ou chuvada, assoma-se à alma um sentimento de melancolia e nasce uma tendência natural para o recolhimento. Não que não aconteça durante o resto do ano. Mas agora, com os frios e as neblinas e a vasta paleta da natureza quase reduzida a tons pardos, o convite ao recolhimento é mais apelativo e a inclinação bem mais profunda.
Em pousio é como quero ficar. Quase em estado letárgico para quem me vê por fora e serenamente activa para quem me vê por dentro. Na solidão e no silêncio do meu ser quero descansar. E explorar, descobrir o novo.
É que tudo muda. Tudo menos o lavrar do homem. Lavrou outrora assim, e qual jumento embezerrado, jamais experimentou lavrar assado. Lavrou sempre a mesma terra, cansando-a. Lavrou sempre da mesma maneira, ainda que mudasse o aspecto das alfaias. Colheu sempre o mesmo, porque semeou sempre o mesmo. Mudaram os tempos, as épocas. Passaram os anos, os séculos. E o homem a lavrar e a colher sempre da mesma maneira. Jamais permaneceu em pousio, nem a terra lavrada pelo homem, nem o homem lavrado pela terra.
Porque não fica em pousio é que o homem é tonta e frivolamente activo por fora. Cruel e violentamente activo por fora. E por dentro, desoladamente hibernante, inconscientemente ignorante. Tristemente cego e surdo para uma eventual primavera que o possa despertar.
E enquanto o homem persiste no contínuo e desenfreado aperfeiçoar das alfaias, no ridículo manter na moda das albardas e no obtuso impedir do descanso da terra, eu busco, no inverno, no terreno fértil da solidão e do silêncio, sementes novas que hei-de deitar à terra. Sementes que, na primavera, germinarão na mudança que eu própria gerei, serenamente activa por dentro, quase letárgica por fora.
Isabel Conde

Identidade e sentido de pátria...



O verdadeiro problema não é pois quanto a mim o de saber se ainda há pátria. Parece-me cada vez mais evidente - contra a opinião, bem o sei, de certas formas de ideologismo superficiais e mal fundamentadas -, que onde haja uma língua própria, uma estrutura cultural, uma actividade filosófica, um complexo social específico, um sistema de educação, a pátria é uma realidade a tonalizar necessariamente as ideias, os valores, os movimentos, as instituições. O que sucede muitas vezes é haver pessoas, frequentemente as que se formaram culturalmente na Universidade, que rejeitam consciente ou inconscientemente a sua pátria, julgando-se afastadas de tal ideia anacrónica, quando na realidade se tornaram cidadãos de outras pátrias. São os que desprezando e ignorando por exemplo a literatura portuguesa, a filosofia portuguesa, a cultura portuguesa e a língua portuguesa, se integraram por completo nos sistemas de outras culturas nacionais. A sua posição é a de um snobismo provinciano estéril, irremediavelmente distanciado da cultura emulada e ao mesmo tempo desenraízado da cultura circundante. Alienação cultural completa, incapacidade de abordar os problemas reais do seu povo, uma vez que constantemente se lhes querem vestir soluções ou figurinos concebidos para outros sistemas e formas psico-sociológicas da vida.

Os supostos apátridas deveriam perguntar a si próprios «onde está a minha pátria?». Serão a França ou a Alemanha? (opções universitárias). Será a América? (opção capitalista-tecnocrática). Será a Rússia? (opção ideológica). Será a China ou Cuba»? (opções políticas-nova vaga).

António Quadros

Uma sociedade anestesiada!!!

 

Para sufocar antecipadamente qualquer revolta, não deve ser feito de forma violenta. Métodos arcaicos como os de Hitler estão claramente ultrapassados.

Basta criar um condicionamento coletivo tão poderoso que a própria ideia de revolta já nem virá à mente dos homens. O ideal seria formatar os indivíduos desde o nascimento limitando suas habilidades biológicas inatas...

Em seguida, o acondicionamento continuará reduzindo drasticamente o nível e a qualidade da educação, reduzindo-a para uma forma de inserção profissional. Um indivíduo inculto tem apenas um horizonte de pensamento limitado e quanto mais seu pensamento está limitado a preocupações materiais, medíocres, menos ele pode se revoltar.

É necessário que o acesso ao conhecimento se torne cada vez mais difícil e elitista..... que o fosso se cave entre o povo e a ciência, que a informação dirigida ao público em geral seja anestesiada de conteúdo subversivo.

Especialmente sem filosofia. Mais uma vez, há que usar persuasão e não violência direta: transmitir-se-á maciçamente, através da televisão, entretenimento imbecil, bajulando sempre o emocional, o instintivo.

Vamos ocupar as mentes com o que é fútil e lúdico. É bom com conversa fiada e música incessante, evitar que a mente se interrogue, pense, reflita.

Vamos colocar a sexualidade na primeira fila dos interesses humanos. Como anestesia social, não há nada melhor. Geralmente, vamos banir a seriedade da existência, virar escárnio tudo o que tem um valor elevado, manter uma constante apologia à leveza; de modo que a euforia da publicidade, do consumo se tornem o padrão da felicidade humana e o modelo da liberdade.

Assim, o condicionamento produzirá tal integração, que o único medo (que será necessário manter) será o de ser excluído do sistema e, portanto, de não poder mais acessar as condições materiais necessárias para a felicidade.

O homem em massa, assim produzido, deve ser tratado como o que é: um produto, um bezerro, e deve ser vigiado como deve ser um rebanho. Tudo o que permite adormecer sua lucidez, sua mente crítica é socialmente boa, o que arriscaria despertá-la deve ser combatido, ridicularizado, sufocado...

Qualquer doutrina que ponha em causa o sistema deve ser designada como subversiva e terrorista e, em seguida, aqueles que a apoiam devem ser tratados como tal ′′

Günther Anders - ′′ A obsolescência do homem ′′ 1956 

segunda-feira, 18 de novembro de 2024

A decadência do Homem...

 

"O mito heróico de base individualista, voluntarista e de «super-homens» na época moderna representa um desvio perigosíssimo. Em virtude deste mito, o indivíduo, «cortando-se todas as possibilidades de desenvolvimento extra-indidivual e extra-humano, assume, por uma diabólica construção o princípio da sua pequena vontade física como ponto de referência absoluto, e ataca o fantasma exterior opondo-se-lhe com a exacerbação do fantasma do seu Eu. Não deixa de ser irónico o facto de, perante esta demência contagiante, alguém que se apercebe do jogo destes pobres homens mais ou menos heróicos pensar novamente no conselhos de Confúcio de que todo o homem razoável tem o dever de conservar a vida com vista ao desenvolvimento das únicas possibilidades que tornam o homem verdadeiramente digno de ser chamado como tal». Mas a verdade é que o homem moderno tem necessidade, como se se tratasse de uma espécie de estupefaciente, dessas formas degradadas ou profanadas de acção: precisa delas para encontrar em sensações exasperadas o sucedâneo de um verdadeiro significado da vida. Uma das características da «idade obscura» ocidental é uma espécie de agitação tetânica que ultrapassa todos os limites, que arrasta de febre em febre e desperta cada vez mais novas fontes de embriaguez e de atordoamento."

Julius Evola
in "Revolta Contra o Mundo Moderno", Publicações Dom Quixote (1989).

O Homem e a técnica.

 

"O empreendimento dirigido pela linguagem acarreta uma imensa perda de liberdade — essa secular liberdade do animal de rapina — tanto para o chefe como para os seus subordinados. Qualquer deles se torna, em espírito, corpo e vida, num membro de uma unidade superior. É a isso que se chama Organização: concentração da vida activa em formas definidas, em «estados propícios» aos empreendimentos, sejam eles quais forem. Com a acção colectiva dá-se o passo decisivo que transpõe a distância que vai da existência orgânica à existência organizada, da vida em grupos naturais à vida em grupos artificiais, da horda à tribo, à classe social e ao Estado.
E, suplantando os combates entre predadores isolados surgiu, então, a guerra como empreendimento organizado de tribo contra tribo, com chefes e seguidores, com incursões, emboscadas e batalhas organizadas. Do esmagamento dos vencidos emana a Lei que lhes é imposta. A lei humana é sempre a do mais forte, aquela perante a qual se tem de curvar o mais fraco; e essa lei, reconhecida e instituída duradoiramente entre os povos, constitui a «Paz». Uma paz semelhante prevalece também no próprio interior da tribo, de forma a que o seu potencial de força permaneça disponível para se utilizado contra o exterior; o estado é a ordem interna de um povo com vista aos seus objectivos exteriores. O Estado, como forma e como potencialidade, corresponde àquilo que é a história de um povo como actualidade. Mas a história, agora como sempre, é uma história guerreira. A política não passa de um substituto temporário para a guerra, substituto esse que utiliza armas mais intelectuais. E o conjunto de homens de uma comunidade confundia-se primitivamente com o seu exército. As características do animal predador livre transmitiram-se nos seus traços dominantes, ao povo organizado — esse animal de alma comunitária e múltiplas mãos. As técnicas de governação, da guerra e da diplomacia têm todas a mesma raiz e sempre manifestaram, ao longo dos tempos, uma profunda conexão interior."

Oswald Spengler
in "O Homem e a Técnica", Guimarães & C.ª Editores.

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

A farsa dos cravos de Abril.


 "Os Banksters Rothschilds, Mary Poppins e os cravos vermelhos da D. Celeste...

Vou contar-vos uma história, esta autêntica...
Os cravos vermelhos são, desde o Séc. XIX, um dos principais símbolos dos Rothschilds e dos banqueiros da City de Londres. Simbolizam o poder da banca internacional, como muito bem é caracterizado no final do filme «Mary Poppins» do Walt Disney (que detestava os banqueiros e os Rothschilds)...
No dia 22 de Abril de 1974, entra no Tejo uma esquadra da NATO/OTAN, incluindo um porta-aviões e dois navios de guerra electrónica, o USS Warrior e o Iate Apollo, no âmbito do exercício "Dawn Patrol". Na noite desse dia, decarregam cerca de trinta contentores no porto de Lisboa, cheios de cravos vermelhos da América do Sul. Para quem não saiba, em Portugal os cravos só florescem nos finais de Maio e início de Junho... Agora há estufas para cultura intensiva, mas na época não...
Na madrugada do dia 25/4, uma frota de camiões da NATO distribuiu esses cravos por várias unidades militares revoltosas, para que os soldados os colocassem nos canos das armas. Finalidade: indicar às forças «amigas» (da banca internacional) que estava tudo bem, e que o golpe era controlado por «eles»... Isto foi-me confirmado por várias fontes militares ligadas à NATO...
Depois, para encobrir a vergonhosa verdade. inventou-se a historieta (para tótós) de que teria sido uma certa D. Celeste Martins Caeiro, empregada da limpeza de um restaurante no edifício «Franjinhas» da rua Brancaamp que, tendo o dono (não era um dono, mas uma dona, e a «história» para tótós está toda aldrabada), que estava a aprontar a sala para a inauguração, dito para os empregados levarem as flores (cravos que ainda não havia à venda nessa altura em Portugal) para casa... A D. Celeste leva-as para o Largo do Carmo - pessoalmente, a comandar uma frota de camiões da NATO - e começa a distribuir os ditos cravos, sabendo de antemão o que nem a PIDE/DGS suspeitava!
Outras «fontes revolucionárias» dão a D. Celeste como florista com lojinha no edifício do Cinema Império, que, com colegas, andou a recolher cravos inexistentes nos stocks para distribuir aos revoltosos... Estava mais bem informada que a PIDE, a CIA e a KGB, não contando o MI6 de Sua Majestade...
Enfim, e assim se alicerçam «a martelo» as mentirolas de Abril... Não a 1, mas a 25... E continuam..."
Os meus agradecimentos pela disponibilização do texto ao amigo Carlos S Silva.

Mais uma "estória" muito mal contada por parte da cambada abrileira, eles fizeram pontes numa noite, mataram o fascismo, e a cereja no topo do bolo, fizeram o milagre da multiplicação dos cravos!!!
Não falta gente que se preste a fazer o papel de mentiroso de serviço nesta opera bufa abrileira...

Alexandre Sarmento

quarta-feira, 13 de novembro de 2024

Democracia, a ditadura das multidões.

 

«O homem é naturalmente resignado. O homem moderno mais do que os outros, em consequência da extrema solidão que o mergulha uma sociedade que praticamente já não conhece entre as pessoas outras relações que não sejam as do dinheiro. Mas mal andaríamos se acreditássemos que essa resignação faz dele um animal inofensivo. Ela concentra no homem venenos que, chegando o momento, o tornam disponível para toda a espécie de violência. O povo das democracias não passa de uma multidão, uma multidão mantida na expectativa pelo Orador Invisível, pelas vozes vindas de todos os cantos da terra, pelas vozes que a agarram pelas entranhas, que exercem tanto mais poder sobre os seus nervos quanto mais se dedicam a falar a própria língua dos seus desejos, dos seus ódios, dos seus terrores. É verdade que às democracias parlamentares, mais excitadas, falta temperamento. As ditatoriais, essas, têm fogo no ventre. As democracias imperiais são democracias com cio.»

Georges Bernanos
in "Os grandes cemitérios sob a Lua", Edição «Livros do Brasil», Lisboa, 1988

Inteligência é preciso!!!

 


«...ilusão perigosa é a de crer que o advento da administração planetária é uma fatalidade histórica inevitável. A facilidade com que a pequena Honduras quebrou as pernas do gigante mundialista mostra que, ao menos por enquanto, o poder desse monstrengo se constitui apenas de um blefe publicitário monumental. É da natureza de todo blefe extrair sua substância vital da crença fictícia que consegue inocular em suas vítimas. Com grande frequência vejo liberais e conservadores repetindo os slogans mais estúpidos do globalismo, como por exemplo  o de que certos problemas - narcotráfico, pedofilia, etc. - não podem ser enfrentados em escala local, requerendo antes a intervenção de uma autoridade global. O contrasenso dessa afirmativa é tão patente que só um estado geral de sonsice hipnótica pode explicar que ela desfrute de alguma credibilidade. Aristóteles, Descartes e Leibniz ensinavam que, quando você tem um problema grande, a melhor maneira de resolvê-lo é subdividi-lo em unidades menores. A retórica globalista nada pode contra essa regra de método. Ampliar a escala de um problema jamais pode ser um bom meio de enfrentá-lo. A experiência de certas cidades americanas, que praticamente eliminaram a criminalidade de seus territórios usando apenas seus recursos locais, é a melhor prova de que, em vez de ampliar, é preciso diminuir a escala, subdividir o poder, e enfrentar os males na dimensão do contato direto e local em vez de deixar-se embriagar pela grandeza das ambições globais.

Que o globalismo é um processo revolucionário, não há como negar. E é o processo mais vasto e ambicioso de todos. Ele abrange a mutação radical não só das estruturas de poder, mas da sociedade, da educação, da moral, e até das reações mais íntimas da alma humana. É um projecto civilizacional completo e sua demanda de poder é a mais alta e voraz que já se viu. Tantos são os aspectos que o compõem, tal a multiplicidade de movimentos que ele abrange, que sua própria unidade escapa ao horizonte de visão de muitos liberais e conservadores, levando-os a tomar decisões desastradas e suicidas no momento mesmo que se esforçam para deter o avanço da "esquerda". A ideia do livre comércio, por exemplo, que é tão cara ao conservadorismo tradicional (e até a mim mesmo), tem sido usada como instrumento para destruir as soberanias nacionais e construir sobre as suas ruínas um onipotente Leviatã universal. Um princípio certo sempre pode ser usado da maneira errada. Se nos apegamos à letra do princípio, sem reparar nas ambiguidades estratégicas e geopolíticas envolvidas na sua aplicação, contribuímos para que a ideia criada para ser instrumento da liberdade se torne uma ferramenta para a construção da tirania».

Olavo de Carvalho («A Filosofia e seu Inverso»).

Qual a verdadeira face de Putin?

 

"Consideramos as tentativas para minar a legitimidade das Nações Unidas como algo extremamente perigoso. Isso poderia levar ao colapso de toda a arquitectura das relações internacionais e nada mais restaria senão a lei da força. Teríamos então um mundo dominado pelo egoísmo em vez do trabalho colectivo, um mundo caracterizado pela tirania e não pela igualdade. Não haveria democracia nem liberdade num mundo onde os diferentes estados seriam substituídos por um número crescente de protectorados e territórios externamente controlados" (discurso de Vladimir Putin nas Nações Unidas, 2015).


Pelo que podemos depreender, esta figura alinhava pela batuta globalista, o que, sem dúvida me deixa de pá atrás, e sabendo nós que a alta política é um jogo de espelhos, não ponho a mão no fogo por ninguém.

Alexandre Sarmento


segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Conscientes e despertos...


Os donos do poder criam-nos inimigos e dirigem o nosso ódio para eles em várias frentes ao mesmo tempo.
Fomentam a ira, o ódio e o rancor para construir o caminho que levaremos até terem o seu objectivo completamente cumprido.
Somos portanto meros peões, meros objectos manipuláveis...
Como se pode evitar esta situação, perguntam?
Pensem pelas vossas cabeças, dispam-se de preconceitos, estejam verdadeiramente informados, procurem a verdade.
Sejam atentos e conscientes...

Alexandre Sarmento

Pintura "Narcissus" de Roberto Ferri. 





domingo, 10 de novembro de 2024

A tradição.

 

Tradição: para uma estirpe dotada da vontade de voltar a situar a ênfase no âmbito do sangue, é palavra brava e bela. Que a pessoa singular não viva somente no espaço. Que seja, pelo contrário parte de uma comunidade pela qual deve viver e, sucedida a circunstância, sacrificar-se, esta é uma convicção que cada homem com sentimento de responsabilidade possui e que postula à sua maneira particular com os seus meios particulares. A pessoa singular não se encontra, no entanto, ligada a uma comunidade superior unicamente no espaço, mas, de uma forma mais significativa, ainda que invisível, também no tempo. O sangue dos antepassados está latente, fundido com o seu, ele vive dentro de reinos e vínculos que eles criaram, custearam e defenderam. Criar, custear e defender: esta é a obra que ele recebe das mãos daqueles e que deve transmitir com dignidade. O homem do presente representa o ardente ponto de apoio interposto entre o homem do passado e o homem do futuro. A vida relampeja como o rastilho incendiado que corre ao largo da mecha que ata, unidas, as gerações…queima-as, certamente, mas mantém-nas enlaçadas entre si, do princípio ao fim. Em breve também o homem presente será igualmente um homem do passado mas, para conferir-lhe calma e segurança, permanecerá a ideia de que as suas acções e gestos não desaparecerão com ele mas antes constituirão o terreno sobre o qual os vindouros, os herdeiros, se refugiarão com as suas armas e instrumentos.


Isto transforma uma acção num gesto heróico que nunca pode ser absoluto nem completo como fim em si mesmo e que, pelo contrário, encontra-se articulado por meio de um conjunto dotado de sentido e orientação, dados pelos actos dos predecessores e apontando ao enigmático reino daqueles que ainda estão para vir. Obscuros são os dois lados e encontram-se mais para cá e mais para lá da acção, as suas raízes desaparecem na penumbra do passado, os seus frutos caem na terra dos herdeiros… a qual não poderá nunca vislumbrar quem actua e que é todavia nutrida e determinada por estas duas vertentes nas quais justamente se funda o seu esplendor intemporal e a sua sorte suprema. É isto que distingue o herói e o guerreiro face ao mercenário e ao aventureiro: e é o facto de que o herói extrai a sua força de reservas mais elevadas do que as que são meramente pessoais, e que a chama ardente da sua acção não corresponde ao clarão ébrio de um instante mas ao fogo cintilante que funde o futuro com o passado. Na grandeza do aventureiro há algo de carnal, uma irrupção selvagem, e em verdade não privada de beleza, em paisagens variadas… mas no herói cumpre-se aquilo que é fatalmente necessário, fatalmente condicionado: é o homem autenticamente moral e o seu significado não repousa unicamente em si mesmo, nem só no seu dia de hoje, mas é para todos e para todo o tempo.


Qualquer que seja o campo de batalha ou a posição perdida na qual se esteja, ali onde se conserva um passado e se deve combater por um futuro, não há acção que esteja perdida. A pessoa singular certamente pode andar perdida mas o seu destino, a sua sorte e a sua realização, valem em verdade como o crepúsculo que favorece um objectivo mais elevado e mais vasto. O homem privado de vínculos morre, e a sua obra morre com ele, porque a proporção dessa obra era medida só em relação a ele mesmo. O herói conhece o seu crepúsculo mas o seu crepúsculo assemelha-se àquele sangue vermelho do sol que promete uma manhã nova e mais bela. Assim devemos recordar também a Grande Guerra: como um crepúsculo ardente cujas cores já antecipam uma alvorada sumptuosa. Assim devemos pensar nos nossos amigos caídos e ver no seu crepúsculo o sinal da realização, o assentimento mais duro dirigido à própria vida. E devemos olhar longe, com um desprezo imundo, perante o juízo dos negociantes, daqueles que sustêm que “ tudo isto foi absolutamente inútil”, se queremos encontrar a nossa fortuna vivendo no espaço do destino e fluindo na corrente misteriosa do nosso sangue, se queremos actuar numa paisagem dotada de sentido e significado, e não vegetar no tempo e no espaço onde, nascendo, tenhamos chegado por casualidade.


Não: o nosso nascimento não deve ser uma casualidade para nós! Esse nascimento é o acto que nos radica no nosso reino terrestre, o qual, com milhares de vínculos simbólicos, determina o nosso posto no mundo.Com ele convertemo-nos em membros de uma nação, por meio de uma comunidade estreita de laços nativos. E daqui vamos depois ao encontro da vida, partindo de um ponto sólido, mas prosseguindo um movimento que teve início muito antes de nós e que muito depois de nós terá o seu fim. Nós percorremos apenas um fragmento desta avenida gigantesca, neste trecho, todavia, não devemos transportar apenas uma herança inteira mas devemos estar à altura de todas as exigências do tempo.


E agora, certas mentes abjectas, devastadas pela imundície das nossas cidades, surgem para dizer que o nosso nascimento é um jogo de azar, e que “poderíamos perfeitamente ter nascido franceses como alemães”. Certo, este argumento vale precisamente para quem assim pensa. Eles são homens da casualidade e do azar. É-lhes estranha a fortuna que reside no sentir-se nascido por necessidade no interior de um grande destino e de sentir as tensões e lutas desse destino como nossas, e com elas crescer ou inclusive perecer. Essas mentalidades sempre surgem quando a sorte adversa pesa sobre uma comunidade legitimada pelos vínculos do crescimento, e isto é típico delas. Reclama-se aqui a atenção sobre a recente e bastante apropriada inclinação do intelecto de insinuar-se parasitariamente e nocivamente na comunidade de sangue, e a nela falsear a essência em nome do raciocínio…isto é, através do conceito, à primeira vista correcto, de “comunidade de destino”. Da comunidade de destino, no entanto formaria também parte o negro que, surpreendido na Alemanha ao início da guerra, foi envolto no nosso caminho de sofrimento, nas senhas do pão racionado. Uma “comunidade de destino”, neste sentido, é constituída por passageiros de um barco a vapor que se afunda, muito diferentemente da comunidade de sangue: formada esta pelos homens de um navio de guerra que descende até ao fundo com a bandeira ondulando.


O homem nacional atribui valor ao facto de haver nascido entre confins bem definidos: nisto ele vê, antes de tudo, uma razão de orgulho. Quando acontece que trespasse esses confins, não sucede nunca que flua sem forma para além deles mas de modo a alargar com isso o seu espaço no futuro e no passado. A sua força reside no facto de possuir uma direcção, e portanto uma segurança instintiva, uma orientação de fundo que lhe é conferida em dote conjuntamente com o sangue e que não precisa das luminárias mutáveis e vacilantes de conceitos complicados. Assim a vida cresce numa maior unidade, e assim devém ela mesmo unidade, pois cada um dos seus instantes reingressa numa conexão dotada de sentido.


Claramente definido pelos seus confins, por rios sagrados, por férteis vales, por vastos mares: tal é o mundo no qual a vida de uma estirpe nacional se imprime no espaço. Fundada numa tradição e orientada para um futuro longínquo: assim se imprime ela no tempo. Ai daquele que corta as próprias raízes!..esse converter-se-á num homem inútil e num parasita. Negar o passado significa também renegar o futuro e desaparecer entre as ondas esquivas do presente.

Para o homem nacional, por outro lado, subsiste um perigo grande: o de esquecer-se do futuro. Possuir uma tradição comporta o dever de viver a tradição. A nação não é uma casa na qual cada geração, como se fosse um novo estrato de corais, deva acrescentar tão-somente um piso mais, ou onde, por meio de um espaço preestabelecido de uma vez por todas, não sirva outra coisa que continuar a existir, mal ou bem. Um castelo, um palácio burguês, dir-se-ão construídos de uma vez para sempre. Prontamente, todavia, uma nova geração, incentivada por novas necessidades, vê a obrigação de impor importantes modificações. Ou, por outro lado, a construção pode acabar por arder num incêndio, ou terminar destruída, e então um edifício renovado e transformado vem a ser construído sobre os antigos cimentos. Muda a fachada, cada pedra é substituída, e todavia, como se encontra ligada à raça, perdura um sentido do todo específico: a mesma realidade que foi num princípio. Talvez se possa dizer que somente durante o Renascimento ou na idade barroca tenha existido uma construção perfeita. Por acaso então se detinha uma linguagem de formas válida para todos os tempos? Não, mas aquilo que existia então permanece de algum modo oculto no que existe hoje.

Ernst Jünger,"Die Tradition."

Segredos da descolonização de Angola.

 


«Para Almeida Santos o documento de Mombaça "continha o essencial do texto, só formalmente não acabado, que viria a converter-se no acordo assinado na Cimeira do Alvor". Fora apenas submetido a um "simples ajustamento de forma". O papel dos negociadores nacionais tinha sido tão irrisório que até se poderia dizer que a "participação dos responsáveis políticos nas negociações do Alvor" tinha sido "uma participação chancelar": a delegação portuguesa limitara-se "a pôr em bom português o texto que de Angola veio". O Acordo tinha sido o que os líderes angolanos "quiseram que fosse" e a "pressa com que foi negociado" demonstrara "a urgência" que tinham "em se verem livres de nós". Tinha havido pouco tempo "para tudo fazer", o que "levou a que praticamente se não tivesse chegado a fazer nada". Gonçalves Ribeiro não considera que o texto do Alvor seja um mero decalque do Acordo de Mombaça porque (como as actas atestam) ao longo das reuniões "foi sendo sucessivamente ajustado às sensibilidades, percepções, vontades e credos de cada uma das partes".


(...) Os mais satisfeitos com o Acordo eram os militares portugueses em Angola: estavam orgulhosos do trabalho feito por Rosa Coutinho, para o qual auguravam, num futuro próximo, um papel proeminente em Portugal. As críticas ao Almirante, tanto por parte dos brancos como dos negros, estavam indubitavelmente ligadas ao favorecimento do MPLA, embora o diplomata [Tom Killoran] considerasse ser impossível a qualquer mortal cumprir aquela missão "sem ofender alguém". Rosa Coutinho rechaçara "as intenções golpistas que se tinham formado nas cabeças de meia dúzia de extremistas brancos", mas nem sempre respeitara os direitos dos próprios compatriotas: "Certamente terá violado os direitos civis de alguns brancos e poderia até vir a ser processado judicialmente por tê-lo feito, mas como era 'uma raposa velha' não se preocupava com tais minudências".

(...) O Acordo do Alvor tinha sido publicado (na íntegra ou parcialmente) pela Imprensa nacional e estrangeira, mas em 16 de Janeiro de 1975 o embaixador português nas Nações Unidas ainda não o tinha recebido: Veiga Simão solicitava que Lisboa lho enviasse urgentemente "a fim de ser imediatamente divulgado", senão acabaria por ser primeiro distribuído pelos representantes angolanos. Em Angola, as previsões mais cépticas ou os comentários menos alinhados com o triunfalismo ostentado pelas partes subscritoras do Acordo não eram bem-vindas. Os meios de comunicação eram uma poderosa arma de propaganda e (como a FNLA já adquirira um jornal) o governo de Rosa Coutinho impôs restrições à liberdade de informação. A decisão, justificada pela desejada paz social, era uma forma de silenciar opiniões divergentes da "linha justa". As transgressões consagradas na nova Lei de Imprensa incluíam a difamação do chefe de Estado, de ministros e diplomatas, a agressão ideológica a princípios democráticos legais ou ao processo de descolonização, violações ao Direito Civil e o incitamento à revolta popular ou à greve (que em Portugal viria a ser um direito constitucional). A coima mínima era de 200 contos e a mais pesada correspondia à suspensão do orgão noticioso por um período mínimo de 30 dias.




Durante uma conversa informal com Tom Killoran (antes de partir de Luanda), Rosa Coutinho disse-lhe que o Acordo do Alvor era "um acordo desajeitado", não crendo que "o espírito de cooperação entre os três Movimentos fosse muito sincero". Anos depois mantinha a opinião expressando-a através de uma típica metáfora gastronómica bem nacional: o Alvor tinha sido "uma 'caldeirada à portuguesa'", mas não se negasse o mérito de ter juntado os líderes angolanos à mesa com Portugal, de ter fixado a data da independência e de ter mantido Cabinda anexada a Angola. Para Mário Soares, a Cimeira assemelhou-se mais a um "jogo viciado". O ministro - que teve início pretensões de "cavalgar a questão africana", julgando que "poderia solucioná-la melhor do que os outros" - percebeu ao chegar à Penina que "os dados estavam lançados e o jogo praticamente feito". "A visão dominante naquela sala era pró-MPLA", diria. A leitura de Savimbi era semelhante: "As forças gonçalvistas" pretendiam "entregar o Poder exclusivamente ao MPLA" e Rosa Coutinho, que tinha sido "introduzido 'a martelo'" na Cimeira, como observador, não tinha parado "de manobrar nos corredores do hotel". Depois de se conhecerem as actas das reuniões pode aferir-se de que forma os ministros socialistas foram relegados para um lugar secundário nas conversações, como alegaram posteriormente. Almeida Santos referiu ter sido um mero escrivão e o MNE [ministro dos Negócios Estrangeiros] que ambos se limitaram a desempenhar um papel quase decorativo: "Tanto o Almeida Santos como eu estávamos um pouco à margem desses esquemas e a nossa contribuição na Cimeira, para dizer a verdade, foi mais do tipo 'chá e simpatia', limando algumas arestas mais vivas que já se desenhavam, claramente, entre eles". Para o fundador do PS, o Alvor foi "o compromisso possível", não crendo que houvesse outra estratégia que pudesse ser seguida: "Não tinha uma visão claro do que se poderia fazer de diferente e a minha capacidade de intervenção era reduzida. Não havia grandes saídas ou outras opções a tomar, com êxito".


(...) Rosa Coutinho, Mário Soares e Almeida Santos não acreditaram, logo após a assinatura do Acordo que este fosse posto em prática devido à direcção tricéfala do governo com um primeiro-ministro mensal. Mas como "vinha de Mombaça, tinha sido acordado por eles e não havia nada a fazer", justificou Pezarat Correia. Na verdade, o executivo angolano viria a revelar-se absolutamente disfuncional desde o início, mas o maior óbice à paz e ao cumprimento do Alvor foi a coexistência de três exércitos rivais, cuja manutenção foi permitida. Não foi imposta qualquer restrição ao poderio militar ou ao número de efectivos das tropas nacionalistas e essa lacuna contribuiu para o caos gerado em Luanda, quando nem 30 dias tinham decorrido sobre a assinatura do Acordo.

Para Melo Antunes, o "calcanhar de Aquiles" de Portugal foi a incapacidade de obrigar os líderes angolanos a cumprirem o Acordo. O Alvor não previa qualquer punição eficaz em caso de incumprimento pelos Movimentos e a única forma de o fazer respeitar seria recorrer à coacção pela força militar, o que era inevitável. Em Angola tinha começado a desmobilização dos soldados africanos das FAP e dos brancos recrutados na Província; o tempo de serviço das tropas fora reduzido e o Exército abdicou das Forças Auxiliares. Força militar era algo que Portugal já não tinha em Angola e também não poderia contar com eventuais reforços da Metrópole.


Havia ainda a intervenção em Angola das grandes potências mundiais (China incluída) que Lisboa não controlava, mas que para Melo Antunes poderia ter sido neutralizada, se as autoridades em Luanda tivessem meios para travar a corrida aos armamentos e as hordas estrangeiras (de zairenses, cubanos, russos) que dissimuladamente se foram infiltrando nos campos de treino disseminados pelo território. Como escreveu Savimbi: "A nenhum observador atento passava despercebido o desejo de supremacia que cada um dos ML procurava obter sobre os restantes. Daí a uma corrida ao armamento foi um abrir e fechar de olhos". Melo Antunes acreditava que, se Portugal tivesse sido capaz de obrigar à obediência do Alvor, "a influência das grandes potências pouco se poderia fazer sentir". Mas perante o "vazio de Poder da potência colonial", ficou dependente "da capacidade de os Movimentos levarem por diante a aplicação dos acordos e, portanto, dependentes apenas da sua boa-fé".

(...) O primeiro embaixador soviético em Portugal também não foi uma escolha casual. Formado na escola diplomática de Moscovo (o Instituto Estatal das Relações Internacionais) ainda na presidência de José Estaline, Arnold Kalinin desembarcou em Lisboa em 1974, proveniente de Havana, onde era conselheiro da Embaixada da URSS, desde 1969. Kalinin possuía no seu currículo duas competências muito recomendáveis à missão que lhe tinha sido destinada: falava "brilhantemente espanhol e português" e teve um papel relevante nos contactos entre militares do MFA e as Forças Armadas de Cuba, a partir do primeiro trimestre de 1975. Também não terá tido um contributo de somenos importância nos contactos que antecederam a intervenção cubana em Angola, onde foi embaixador da União Soviética a partir de 1983, um ano após deixar Lisboa. Falecido no início de 2012, Kalinin terminou a carreira diplomática em Havana, onde a iniciara. Como refere Vasco Vieira de Almeida: Ouvira falar "antes de ir para Angola de uma possível ajuda de cubanos ao MPLA. [...] Os intermediários estavam em Lisboa. Os primeiros contactos foram com o embaixador cubano que estava cá na altura...".


Para Pinheiro de Azevedo, "a descolonização, tal como se processou", só poderá ser entendida tendo em conta "as decisões dos grandes centros mundiais sobre África", embora Lisboa pudesse ter feito mais para se opor às ingerências directas de Moscovo e de Washington: "Portugal teria podido orientar a descolonização por forma a salvaguardar os seus interesses e antes de mais os interesses dos portugueses radicados em Angola e em Moçambique, se o povo português e os seus dirigentes tivessem reagido violentamente à entrega daquelas colónias a Movimentos comunistas. Não teria havido interferência das superpotências, apesar de estarem de acordo quanto a essa entrega. Mas essa reacção não foi possível porque as forças da Esquerda determinaram três factos fundamentais: primeiro, impediram a saída de soldados para as colónias, a partir de certa data depois do 25 de Abril; segundo, "lavaram o cérebro" e mentalizaram os que de facto partiram, de tal maneira que, em vez dos esplêndidos combatentes que tivemos de 1961 a 1974, seguiram para África transformados em cobardes; e terceiro, provocaram entre as nossas forças um ambiente de derrotismo e abandono tão pronunciado que não mais se pôde contar com elas, o que tornou impossível que negociações políticas diferentes fossem apoiadas pela força"».

Alexandra Marques («Segredos da Descolonização de Angola»).



sábado, 9 de novembro de 2024

Salazar, pungentemente profético!!!

 


Salazar bem sabia que o futuro não seria risonho, estava consciente dos vampiros e da luta pelo poder...
Um testemunho bem expressivo do sentimento do homem do leme!!!

«Lisboa, 12 de Dezembro [de 1965] - Encontro no regresso o chefe do governo um pouco constipado e rouco. Atribui tudo à secura do ambiente aquecido. Falo-lhe do Concílio, dos nossos bispos, dos progressistas, das impressões colhidas. Salazar concentra-se nos progressistas. Diz: "Eu não os compreendo. Eu não sei compreendê-los. Monsenhor Rotoli, da Nunciatura, tem razão quando diz que eu não tenho sensibilidade católica. Quer ele dizer que as minhas ideias não são a da maioria de hoje. É verdade. E no entanto nunca na história de Portugal alguém fez pela Igreja mais do que eu. Desde os tempos de D. Pedro I, e de João V, etc., fui eu quem mais tem protegido e ajudado a Igreja. Mas não me importo. Enquanto não se meterem comigo, não me importo".

(...) Lisboa, 5 de Dezembro [de 1967]- Salazar repete-me que se quer ir embora. Diz com ênfase: "não quero, repito que não quero morrer neste lugar. E também não quero viver muito tempo depois de sair, porque não quero ver as desgraças e a confusão em que o mundo vai mergulhar, e o país". Como eu disse que era melhor o destino resolver um problema que não está posto, Salazar ripostou: "Ah! mas vai estar! Porque eu vou levantá-lo com o Chefe do Estado. Mas os senhores, em lugar de estarem para aí com essas coisas, deviam era ajudar, e colaborar para todos juntos vermos a melhor maneira de se proceder à transição sem solavancos, e de modo a que não houvesse alteração nas coisas fundamentais". Depois, o chefe do governo retomou a sua preocupação com o progressismo: "Já não será no meu tempo, mas eu adivinho um choque brutal entre a Igreja e o poder civil. No dia em que o progressismo for anti-nacional - e caminha para isso! - o governo que aqui estiver não pode deixar de reagir. Note: já hoje o progressismo invade muita coisa. Nos ministérios já há muito progressismo. Daqui a pouco, temo-lo no governo, se é que já não o temos". Aludiu de seguida ao Cardeal Cerejeira: "Publicou para aí um livrinho, Na Hora do Diálogo. Pois bem: é tudo defensivo, é só para se defender, não teve a coragem de contra-atacar. É um fraco, sempre foi um fraco, nunca teve a coragem de castigar ninguém".

Franco Nogueira («Um Político Confessa-se - Diário: 1960-1968»).

A esta terra que sofre.

  A esta terra que sofre, Diminuída, mutilada, À procura de si própria, Perdida, abandonada. Mas ouvi, ó portugueses, Corruptos ou estrangei...