Aldous Huxley, autor de ‘Admirável Mundo Novo’, enviou carta para o aluno George Orwell após ler ‘1984’
Por Vitor Paiva
Quando um autor lança um novo livro, receber boas palavras de seu mestre sobre a obra é mais importante do que qualquer resenha crítica ou sucesso comercial – mesmo quando esse autor é um gigante como o inglês George Orwell, e o livro em questão é o clássico 1984 – ainda mais quando o mestre é outro gênio do estilo, o também inglês Aldous Huxley. Quando o último e mais famoso livro de Orwell foi lançado, o autor fez questão de que a editora enviasse uma cópia para Huxley, sua maior referência – não é difícil perceber a influência de Admirável Mundo Novo sobre 1984.
Mais do que se a resenha foi ou não elogiosa – a carta contém elogios, ressalvas, comentários e percepções, sendo essencialmente bastante positiva – a fala de Huxley é do tipo mais generosa e proveitosa possível: uma fala aprofundada, que mergulha no livro e nas reflexões que 1984 lhe provocaram.
O olhar de Huxley sobre o livro é de tal forma profundo que chega a refletir na própria percepção do autor diante de sua obra maior. “Eu sinto que o pesadelo de 1984 está destinado a ser modulado ao pesadelo de um mundo mais semelhante ao que eu imaginei em Admirável Mundo Novo”, escreve Huxley para Orwell.
A ínterga da carta, escrita de um mestre das palavras para outro, é uma interessante reflexão não somente sobre o livro de Orwell, mas sobre política, governos, estado, paranoia e controle.
“Wrightwood. Cal. 21 de outubro de 1949 Querido Sr. Orwell,
Foi muito gentil da sua parte pedir aos editores que me enviassem uma cópia do seu livro. Ela chegou enquanto eu estava em meio a um trabalho que me demandava muita leitura e consultas de referências; e como a falta de visão faz com que seja necessário racionar a minha leitura, eu tive que esperar por muito tempo antes de ser capaz se embarcar em 1984.
Concordando com tudo o que a crítica escreveu sobre isso, eu não preciso te dizer, mais uma vez, o quão bom e profundamente importante o livro é. No lugar, posso falar sobre o que o livro aborda, — a revolução definitiva? as primeiras pistas de uma filosofia da revolução definitiva? — a revolução que está além da política e da economia, que aponta para a subversão total da psicologia e fisiologia do indivíduo — que podem ser encontradas em Marquês de Sade, que se considerava o continuador, o consumador de Robespierre e Babeuf. A filosofia da minoria dominante em 1984 é de um sadismo que foi levado à sua conclusão lógica, indo além do sexo e negando-o.
Se a política do “boot-on-the-face” realmente pode continuar indefinidamente me parece duvidoso. Minha crença é de que a oligarquia dirigente irá achar formas menos árduas e perdulárias de governar e de satisfazer a sua cobiça por poder, e estas formas irão se assemelhar àquelas que eu descrevo em Admirável Mundo Novo. Recentemente, eu tive a oportunidade de pesquisar sobre a história do magnetismo e do hipnotismo animal, e fiquei bastante impressionado pela forma que, por 150 anos, o mundo se recusou a reconhecer seriamente as descobertas de Mesmer, Braid, Esdaile e o restante.
Em parte por causa do materialismo prevalecente e em parte por causa da respeitabilidade predominante, filósofos do século 19 e homens da ciência não estavam inclinados à investigar os fatos mais estranhos da psicologia para homens práticos, como políticos, soldados e policiais, para aplicar no campo do governo. Graças à ignorância voluntária dos nosso pais, o advento da revolução definitiva foi adiado em cinco ou seis gerações. Outro incidente da sorte foi a incapacidade de Freud de hipnotizar pacientes com sucesso e seu descrédito ao hipnotismo. Isso atrasou a aplicação geral do hipnotismo na psiquiatria por pelo menos 40 anos. Mas agora psico-análises estão sendo combinadas com a hipnose; e a hipnose se tornou fácil e indefinidamente extensível através do uso de barbitúricos, que induzem a um estado hipnótico e sugestivo mesmo nos assuntos mais recalcitrantes.
Dentro da próxima geração, eu acredito que os governadores do mundo irão descobrir que o condicionamento infantil e a narco-hipnose são mais eficientes, como instrumentos de governança, do que porretes e prisões, e que a cobiça pelo poder pode ser completamente satisfeita ao sugerir que as pessoas amem a sua servidão, ao invés de chicoteá-las e chutá-las à obediência. Em outras palavras, eu sinto que o pesadelo de 1984 está destinado a ser modulado ao pesadelo de um mundo mais semelhante ao que eu imaginei em Admirável Mundo Novo. A mudança surgirá como resultado de uma necessidade sentida [pelo governo] para o aumento da eficiência. Enquanto isso, claro, pode haver uma guerra atômica e em maior escala biológica — caso em que teremos pesadelos de tipos diferentes e inimagináveis.
Obrigado mais uma vez pelo livro.
Atenciosamente, Aldous Huxley”
Via Hypeness
Chegamos aos dias de hoje perfeitamente manietados, perfeitamente dominados e transformados em meros objectos por parte do sistema, o pior é saber que há muito tivemos sinais e avisos de qual seria o nosso futuro e a forma como seríamos dominados, sucumbimos sem sequer questionar tudo aquilo que se passava em torno de nós, sem reagir ao jugo do sistema, acabámos por ser dominados de forma voluntária. Perdemos a capacidade de reacção, de retaliação e de reivindicação, tornámo-nos verdadeiros zombies, bonecos, coisas, objectos, o sistema tudo decide, a tecnologia e os químicos dominaram-nos, entrámos numa espiral de loucura colectiva, estamos numa espécie d suicídio colectivo, ignorando e alinhando com tudo aquilo que o sistema decide, perdemos a vontade própria e o raciocínio lógico. Estamos hoje num processo involutivo, em regressão acelerada, a morrer como civilização, a humanidade caminha para o apocalipse e principal causa é mesmo a ignorância. Escravos, mas felizes, triste realidade.
Alexandre Sarmento
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