José Hermano Saraiva, foi sobretudo um homem com um perfil extraordinário, tendo por esse facto passado incólume de todas as trapalhadas do novo regime dos novos senhores da política.
Homem leal que nunca teve a necessidade de se arvorar em novo-democrata ou vender ao politicamente correcto, como tantos outros, que necessitaram desse estatuto para continuar confortavelmente a ribalta do pérfido regime democrático fraudulento pós 25 de Abril.
Foi um genial contador de historias, um improvisador por excelência, foi um homem de cultura ímpar, que sempre me fascinou, a sua morte deixou mais pobre este nosso Portugal, o Portugal que ele conhecia como ninguém, o Portugal que tantas vezes nos mostrou como se foi construindo, como se foi conquistando, como nos tornámos portugueses e como se gerou esta mui nobre e antiga Nação, a Nação que o Professor levou no seu coração.
Quem não se lembra da forma como o grande Professor nos falava ao coração, da forma como exultava ao exaltar os grandes momentos e figuras da nossa História, sabia manter-nos agarrados ao ecran, sabia manter-nos interessados, aguçava-nos o apetite e a curiosidade de sabermos mais e mais daquilo que foi o nosso passado, no fundo era como se de um familiar próximo se tratasse, quem não ficava extasiado a ouvir as suas narrativas?
Fico com o sentimento de que Portugal perdeu um dos seus melhores Homens da cultura dos últimos dois séculos.
Aqui lhe presto com o devido respeito, o preito da minha admiração e homenagem.
Que descanse em Paz, até sempre
Alexandre Sarmento
«A vida da voz da História de Portugal
José Hermano Saraiva morreu aos 92 anos. Antigo ministro de Salazar e grande figura da televisão, gravou durante 40 anos programas onde divulgou a História de Portugal a várias gerações.
Ainda hoje na ilha terceira, nos Açores, há quem se lembre desse discurso de José Hermano Saraiva, que morreu, aos 92 anos, na sua casa de Palmela na sexta-feira passada. o comunicador de massas, que popularizou os programas de televisão sobre história de portugal, era então ministro da educação nacional de Salazar e arrebataria, em 1969, os jovens estudantes da ilha com um discurso de uma única palavra.
A plateia estava à espera e, com ar solene, Hermano Saraiva preparou-se para dar «a sua opinião» sobre aquela ilha açoriana. limitou-se a dizer interrogativamente: «terceira?!», a sala rebentou num aplauso, «uma ovação prolongada unânime», recordou o historiador nas suas memórias, publicadas pelo sol em 2007.
Filmou quase até ao fim os programas sobre história de portugal que o tornaram conhecido por várias gerações – numa colaboração com a RTP, que iniciou em 1972, com o tempo e a alma.
«era o colaborador mais antigo da rtp, gravámos o último programa em Dezembro », recorda ao sol o produtor dos seus programas, José António Crespo, da Videofono. gravava de improviso, sem um guião prévio, ligavam a câmara e o historiador falava: «nunca teve teleponto, às vezes, quando havia muitas datas, colávamos uma folha de papel à câmara».
Como nos últimos tempos José Hermano já não conseguia ler, era o produtor que lhe relatava os dados bibliográficos necessários ao programa, a memória e a capacidade de representação faziam o resto: «o meu tio gostava de palco. era essencialmente um actor que punha nos programas toda a sua imensa bagagem cultural», conta José António Saraiva, director do sol, que herdou do tio e também padrinho o primeiro nome.
A capacidade de falar durante horas de improviso era uma das suas características, «ardeu uma biblioteca», lamenta José António Crespo, «era um intelectual notável, com uma cultura soberba», e isso passava para o espectador, recebia dezenas de cartas por mês, até de crianças a contar que não perdiam os seus programas.
Mas mesmo em família monopolizava as conversas: era o centro das atenções, falar com ele era fácil, dialogar nem por isso.
Advogado e deputado
Nascido em Leiria em 1919, teve uma vida longa e agitada. licenciado em histórico-filosóficas e em ciências jurídicas, foi professor e reitor de liceu, advogado, deputado, ministro da educação nacional de Salazar e de Marcello Caetano, embaixador de portugal no Brasil e autor de cinco séries de programas televisivos (o tempo e a alma/histórias que o tempo apagou/lendas e narrativas/horizontes da memória/a alma e a gente).
Dirigiu ainda uma história de portugal em seis volumes (1983) e escreveu a história concisa de portugal, já na 25.ª edição, com um total de 180 mil exemplares vendidos.
Os tempos de namoro com Maria de Lourdes Bettencourt de Sá Nogueira, professora de inglês e francês, com quem teve cinco filhos, todos rapazes, foram os de «maior beleza poética, de encantamento interior, de toda a minha vida», escreveu nas suas memórias. durante os cinco anos de namoro, oferecia-lhe todos os dias um ramo de rosas brancas.
O filho António, médico já reformado do instituto de oncologia, recordou-o no dia do enterro como um bom pai, que educou os filhos «à moda antiga», e era a figura central da vida familiar.
Nenhum dos filhos lhe seguiu as pisadas como historiador. mas dois são licenciados em direito e advogados, como José Hermano, que durante a década de 40 exerceu advocacia num escritório na baixa lisboeta. depois optou pelo ensino, passando pelo liceu D. João de castro, em Lisboa, do qual foi reitor, e deu aulas no instituto superior de ciências sociais e políticas.
Mais tarde chega a deputado. em Agosto de 1968, é chamado ao forte de Santo António do Estoril por Salazar. queria convidá-lo para ministro da educação nacional. «foi uma surpresa», admitiria.
Fascínio por Salazar
O historiador nunca escondeu o seu fascínio pelo ditador. «Salazar era o seu grande ídolo», recorda José António Crespo. foi o último ministro da educação do Salazarismo e o primeiro do governo seguinte, liderado por de Marcello Caetano.
E foi já no governo marcelista, que enfrentou a crise académica de Coimbra, em 1969, ano que considerou «o mais longo» da sua vida. a revolta dos estudantes obrigou saraiva a ordenar o fim das aulas em maio e foi a razão oficial para o seu afastamento do cargo por Marcello Caetano, em Janeiro de 1970.
A dedicação à divulgação da história de portugal ocuparia os restantes 40 anos da sua vida. depois de regressar de Brasília, para onde partiu como embaixador em 1972, dedica-se à leitura, às viagens, à televisão e à escrita. e a uma outra paixão: a arquitectura. foi ele quem determinou quase tudo na enorme casa que construiu em Palmela, cuja disposição mediu, passo a passo no terreno. nesta moradia, que foi recheando com antiguidades, muitas delas compradas quando viajou pelo país para fazer os seus programas de televisão, construiu também os seus gigantescos presépios. as milhares de figuras, que adquiria todos os anos em Nápoles, distribuem-se por um antigo estábulo e um moinho no jardim, foi nesta casa que acabou por morrer, na sexta-feira ao final da manhã, vítima de cancro, foi enterrado no cemitério da cidade.»
joana.f.costa@sol.pt
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