sábado, 13 de dezembro de 2025

O Anticolonialismo dos Amigos Americanos.

 




O anticolonialismo norte-americano

No conjunto geral dos acontecimentos desenrolados, no decurso da metade do século, no domínio colonial, ou, melhor, no processo que, de facto, representa o desmembramento dos impérios coloniais, os Estados Unidos da América desempenharam um importante papel.

Nascidos eles mesmos da sublevação anticolonialista, os Estados Unidos da América destacaram o «anticolonialismo» como um dos elementos dominantes entre princípios da nação. Seria uma larga história a participação norte-americana nos movimentos anticolonialistas, desde a ajuda proporcionada aos movimentos revolucionários na Hispano-América, dirigidos contra a Espanha até à política actual norte-americana neste domínio. Todos os movimentos hispano-americanos dirigidos contra a Espanha e a sua presença no continente americano, gozaram de apoio oficial norte-americano, bem como da ajuda de personalidades de entidades privadas do dito país.

Este anticolonialismo norte-americano está oficialmente inspirado por razões e sentimentos justificados com uma argumentação muito humanitária e altruísta, mas a realidade demonstrou que, por detrás desta fachada demagógica, existem razões mais materialistas e egoístas. Um dos factos dominantes da história mundial na primeira metade do século actual é a rápida ascensão dos Estados Unidos da América ao posto de primeira potência do mundo ocidental. Potência política e económica, os Estados Unidos criaram um império económico e para isso tiveram de minar a potência económica de outros impérios. A expansão económica norte-americana e o rápido desenvolvimento da sua produção industrial impuseram a necessidade de procurar novos mercados e novas fontes de matérias-primas. Quando se sabe que a nação americana, cuja população representa 6% da população total mundial, produz quase 50% das riquezas industriais do mundo, é muito compreensível este afã de expansão económica.

Todavia, na actual situação, e com a ofensiva desencadeada pelo mundo comunista para conseguir a dissolução dos impérios coloniais e, através disso, debilitar o mundo ocidental e, sobretudo, a Europa, privando-a do seu apoio económico, o anticolonialismo norte-americano, compreendendo idêntico fim, ainda que com diferentes propósitos, representa, de facto, uma contribuição para o esforço comunista neste campo. Daqui, é natural que surja a situação de uma aliança «objectiva» entre os Estados Unidos da América e o mundo comunista com relação à política colonial.



Esta conclusão não escapou a certos círculos norte-americanos que demonstraram ultimamente por ela os seus reparos e inquietações. Em Março de 1958, a conhecida revista norte-americana Time fazia-se eco deste estado de espírito e publicava um artigo sob a significativa epígrafe: «O colonialismo e os Estados Unidos: conflito do ideal e da realidade». O autor do mesmo lamenta-se de que o anticolonialismo norte-americano não seja suficientemente apreciado nos países do regime colonial ou protector a que os tinham submetido as potências europeias. Em alguns destes países - diz o artigo - existe um forte ressentimento e receio pelos Estados Unidos. Na indonésia, o presidente Bourguiba acusa-os de cúmplices da França porque esta não poderia continuar a sua guerra de repressão na Argélia sem a ajuda financeira dos Estados Unidos. A mentalidade dos americanos na questão de Chipre incita os gregos. Em todos os lados pensa-se que pouco ou nada fizeram pela liberdade dos países. O citado semanário exibe o que poderíamos chamar a «folha de serviços» dos Estados Unidos, que demonstra o papel decisivo que exerceram na «descolonização» do mundo: serviços que, no juízo dos outros, são desmeritórios porque a eles se deve atribuir certa parte da actual situação do mundo, que não seria tão confusa nem perigosa se à grande questão do comunismo russo e anticomunismo ocidental não se tivesse unido a efervescência antieuropeia que reina, como diz o Time, desde as extensões arenosas do Norte de África até às selvas do seu Sudoeste asiático.

«Até ao final da primeira guerra mundial - começa o Time - a direcção dos Estados Unidos na luta contra o colonialismo era reconhecida universalmente. Woodrow Wilson, chefe da primeira colónia que alcançou a sua independência da Europa, nos tempos modernos, proclamou o direito de os povos se governarem a si  mesmos, como um estandarte sob o qual podiam acolher-se os caudilhos dos povos nativos de toda a parte. Na segunda guerra mundial, o presidente Franklin Roosevelt acusa de tal maneira Churchill sobre as possessões coloniais da Inglaterra que, durante uma conferência, Churchill exclamou: "Sr. Presidente: eu creio que está a tentar desfazer o Império Britânico". Em 1942, quando Sir Stafford Cripps tentava inutilmente chegar a um acordo com os nacionalistas da Índia, um representante dos Estados Unidos tomou parte nas negociações - um passo que, unido ao constante aguilhoar de Roosevelt sobre os ingleses, estimulou Gandhi e Nehru na sua luta, acelerando-se, desse modo, a independência da Índia e do Paquistão.



Em 1945, Roosevelt declarou que apoiaria os sírios e os libaneses na sua luta contra a França, por todos os meios, excepto a força. E, na conferência de Casablanca, Roosevelt impulsionou a completa independência de Marrocos nas suas conversações com o sultão, hoje Mohamed V. Depois da guerra, os Estados Unidos concederam a independência das Filipinas. Na Indochina, ainda que apoiando o esforço militar da França contra o imperialismo comunista no Sudeste da Ásia, exerceram sobre ela constante pressão para que concedesse a independência do Vietname do Sul, Laos e Camboja. Quando a Holanda intentou reconquistar a Indonésia, o Senado dos Estados Unidos «mostrou o seu jogo com um projecto de lei que suspendia a ajuda económica a toda a nação cuja conduta não se ajustasse com a Carta das Nações Unidas. Estas ameaças e a diplomacia de Merle Cochran obrigaram os holandeses a entrar em negociações das quais resultou a independência da Indonésia. Dulles disse que a República Indonésia existe, em grande parte, como resultado do interesse dos Estados Unidos.

Quando os egípcios, em 1951, iniciaram uma campanha de terrorismo para expulsar os ingleses da zona do canal de Suez, os Estados Unidos demonstraram claramente que as suas simpatias estavam com o Egipto. Depois que os ingleses acederam, em 1954, às reclamações egípcias, Sir Anthony Eden queixou-se de as negociações se terem complicado pelo facto de, enquanto se desenhava um acordo, o embaixador dos Estados Unidos, Jefferson Caffery, excitar o Egipto a pedir melhores concessões. Dois anos mais tarde, quando a Inglaterra e a França tratavam de voltar a ocupar a zona do canal de Suez pela força, os Estados Unidos condenaram publicamente os seus mais antigos e mais íntimos aliados, numa demonstração, por certo única na história, de fidelidade de princípios».

Depois desta citação, os Estados Unidos não podem negar a sua responsabilidade na actual situação do mundo. Mas os norte-americanos surpreendem-se de que, apesar de todo o apoio à independência dos países afro-asiáticos, a recompensa seja a ingratidão. Na opinião do Time, as causas são várias, mas podem reduzir-se a uma: que as novas nações saídas do regime colonial irritam-se porque os Estados Unidos não apoiam todas as suas aspirações, por mais irrealistas que sejam.

«Muitos esperavam que a independência os levaria ao bem-estar material que sempre lhes faltou e acusam os Estados Unidos quando a independência se mostra incapaz de subministrá-lo». Confessa o Time alguns erros. Por exemplo: «A julgar pelo caos que agora reina na Indonésia, acaso os Estados Unidos terão posto o seu peso na balança da independência?». Mas não se refere às complicações actuais no Médio Oriente, derivadas em grande parte da política norte-americana no Egipto e no conflito do Suez. Há motivo para se perguntar se com outra política se teria formado a República Árabe Unida e o rei Saud - o mais estreitamente ligado aos Estados Unidos - não teria sido forçado a delegar os seus poderes no emir Feisal.



Reconhece o Time que, se há dez anos os cidadãos dos Estados Unidos podiam compartilhar do conceito norte-americano do colonialismo como opressão e exploração, hoje os dirigentes dos Estados Unidos dão-se conta de que o colonialismo foi amiúde um instrumento do progresso e que os problemas do mundo não se podem resolver tomando uma posição anticolonial em todas as circunstâncias.

Mas há outra questão mais importante. Em muitas partes «o idealismo dos Estados Unidos enfrentou uma amarga verdade com o objectivo supremo deste país de defender o mundo livre contra a agressão comunista; tanto o bom senso como a conveniência levam a deixar aquela para segundo plano». Talvez já se tenha posto tanto em primeiro, que hoje seja demasiado tarde para conter «a onda de comunismo» que sobe misturada com a do nacionalismo, estimulado, como temos visto, pelos Estados Unidos.

O erro essencial não é nenhum dos que citam o Time, mas antes a crença optimista de que os nacionalistas seriam agradecidos. Parece, no entanto, condição natural dos nacionalistas o serem ingratos.

Quem os favorecer, confiado na sua gratidão, receberá a mesma paga que hoje amargura os Estados Unidos.

É de deplorar que o mencionado artigo fique somente a metade do caminho, deixando a outra metade na sombra. Com efeito, ao longo de toda a página do Time não há nem uma só alusão à «aliança objectiva» entre os Estados Unidos e a URSS no que se refere a esta política anticolonialista. Tão-pouco existe uma visão realista da situação. Ao fim e ao cabo, o anticolonialismo dos Estados Unidos da América actua somente num sentido ou, melhor, no que se refere aos mesmos Estados Unidos. Certas terras consideradas actualmente como Estados norte-americanos são fundo de uma política de colonização por parte da grande nação americana, ainda que com sentido bem mais político e, poderíamos dizer (com o perigo de utilizarmos o vocabulário comunista), «imperialista». De facto, que são Porto Rico, Alasca e as ilhas Havai (sem falarmos das «zonas» americanas do canal do Panamá e das distantes ilhas de Guam e Okinawa)? Colónias que, além do mais, não foram colonizadas pelos americanos, mas sim por outras nações, e conquistadas pelos Estados Unidos, como aliás foram conquistadas à Espanha as amplas regiões da parte meridional do território norte-americano, países donde o norte-americano não varreu as raízes hispânicas, tal como de outras regiões dos Estados Unidos não foram ainda varridas as raízes da civilização britânica ou francesa... 

Alejandro Botzàris in África e o Comunismo.


terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Cuidado com as falsas verdades.

 




«Mais do que pelas promessas, é pelas narrativas que vulgarmente se propagam as mentiras. Consciente da relação entre o antecedente e o consequente, o mentiroso pode atribuir falsas causas a acontecimentos reais. A História, apesar da sua cientificidade, está sujeita às arbitrariedades de quem a escreve e de quem a ensina.»

Álvaro Ribeiro

Pires Veloso, o PREC e Ramalho Eanes...

 


Trinta e três anos depois do golpe que marcou o fim, em Portugal, do Período Revolucionário em Curso (PREC), Pires Veloso considerou chegada a altura de contar o que diz ser a verdade sobre o 25 de Novembro de 1975. Escreveu um livro de memórias, Vice-rei do Norte, editado pela Âncora, onde apresenta a sua versão da História quando comandava a Região Militar do Norte.
O que faltou para que tivesse havido, em 1975, uma guerra civil?
Esteve mesmo para acontecer, não tenha dúvidas.
Os líderes de todos os partidos à direita do PC chegaram a instalar-se no Norte?
Pelo menos o Mário Soares veio. E havia muitos oficiais que já tinham lugares marcados nas casas de familiares e amigos, aqui no Norte, para fugir.
Essa "fuga" foi coordenada consigo?
Não. Dizem isso, mas é mentira. Como também é mentira que tenha entregue armas em Bragança. Nunca entreguei armas a civis. Só tinha a minha tropa.
Alguém entregou armas a civis?
Os UEC [União dos Estudantes Comunistas] estavam todos em casa à espera que lhes fossem entregues armas, na noite de 25 de Novembro. Se o Partido Comunista tivesse entregado essas armas, como estava previsto, teria havido guerra civil. O país teria sido dividido em dois.
E teriam força para criar uma "Comuna de Lisboa"?
Talvez sim. Porque o Comando da Amadora, onde estavam o [Ramalho)] Eanes, o Garcia dos Santos, o Monteiro Pereira, era fictício. Não tinham tropas com eles e não mandavam nada.
E quem teria aderido a essa "Comuna de Lisboa"? Costa Gomes (Presidente da República)?
Não digo que não. O Costa Gomes fazia sempre um jogo muito complicado. Uma vez, uma multidão da UDP, vinda lá das Almadas, dos Barreiros, foi protestar contra qualquer coisa que o Presidente dissera. Ele chegou à varanda, levantou os braços e gritou: "Camaradas!" Acalmaram logo. Era um homem muito inteligente.
Quem impediu que tivesse havido a guerra civil, a 25 de Novembro?
Se houve algum herói, foi o Jaime Neves [líder do Regimento de Comandos]. Eu falava com ele quase todos os dias e perguntava: "Neves, como vai isso?" Ele respondia: "Se não fosse o meu digníssimo, não sei." Ele tratava-me por digníssimo. "Era capaz de não me aguentar aqui." Eu só lhe dizia: "Aguente-se! Se for preciso, tem aqui a minha ajuda."
Houve coordenação consigo, nas operações do 25 de Novembro?
Houve sempre. No dia 25 de Novembro, não. Ele é que fez tudo.
Então como é que a Região Militar do Norte (RMN) ajudou o 25 de Novembro?
Porque estava ali uma força coesa e disciplinada, que levou os que queriam a guerra civil a pensar: "Alto!" À última hora, inopinadamente, o Cunhal mandou desmobilizar. Porque sabia que perdia. O Norte tinha dois mil homens disciplinados. O Jaime Neves lá em baixo com o Regimento de Comandos disciplinado. Sabia que perdia.
A RMN não teve uma participação concreta.
No dia 25, não. Depois é que me pediram, de Lisboa, para enviar três batalhões, porque estavam muito aflitos. Eu pensei: "Três batalhões são dois mil homens. Querem esvaziar-me." Eu não confiava muito neles.
E não enviou.
Enviei 500 homens, que desfilaram em Lisboa. O Vasco Lourenço era governador militar e foi ele que controlou a situação. O Eanes, na altura, não passava de um adjunto do Vasco Lourenço.
Mas logo a seguir é nomeado chefe de Estado-Maior.
Ainda há dias falei com o Vasco Lourenço e perguntei-lhe: "Olha lá, como é que ele no dia 25 era teu adjunto e depois, no dia 27, aparece como chefe de Estado-Maior, e tu ficas-te?" E ele respondeu-me: "Olha, pá, custou-me, mas não queria fazer barulho."
No seu livro, diz que Eanes não teve nenhuma participação no 25 de Novembro.
Ele não fez nada. No entanto, apareceu depois como o herói do 25 de Novembro.



Como é que isso acontece?
Foi o Melo Antunes que assim decidiu. Eram os dois muito amigos, da escola do Exército. Então o Melo Antunes decidiu dizer que o Eanes foi o herói do 25 de Novembro e ilibar o Partido Comunista do golpe. Porque o PC preparava-se para tomar o poder naquela noite. Mas o Melo Antunes, que era comunista, veio à televisão ilibá-lo.
O Melo Antunes era comunista? Sempre surgiu como um moderado, líder do Grupo dos Nove...
Eu sei que o Melo Antunes era comunista. E também sei que o Álvaro Cunhal e amigos estiveram com as malas feitas, para fugir, depois do 25 de Novembro. Mas o Melo Antunes surgiu na televisão a dizer que o Cunhal não seria preso e o PC não seria ilegalizado. E os comunistas continuaram a ter muito poder, ajudados pelo Melo Antunes e pelo Eanes.
Herói ou não do 25 de Novembro, Eanes tornou-se importante a partir dessa altura. Foi eleito Presidente da República.
Uma vez, numa reunião em São Julião da Barra, o Melo Antunes diz: "Meus senhores, temos de escolher o candidato das Forças Armadas à Presidência da República. Em meu entender, deve ser um homem com óculos, com patilhas..." E eu disse: "Melo Antunes, por que não dizes logo que é o Eanes?" Mas ele fez de conta que não ouviu.
Por que decidiu agora escrever um livro para atacar Eanes?
Não é para atacar o Eanes, é para contar a verdade sobre o 25 de Novembro. Porque acho que está na altura. Odeio a mentira. É preciso explicar a importância do 25 de Novembro; se não tivesse existido, o 25 de Abril teria desaparecido. É uma data de uma importância extraordinária, mas que sempre tentaram fazer esquecer. E não se pode ensinar às crianças, na História de Portugal, que o Eanes foi um herói. Pois se ele não fez nada! O Vasco da Gama é um herói, descobriu o caminho marítimo para a Índia. O Camões foi herói, escreveu os Lusíadas. Mas o Eanes? Se me explicarem o que é que ele fez, eu retiro o que disse e peço-lhe desculpa.
Mas ficou a ideia de que foi ele que travou o avanço do comunismo...
Sabe porquê? Ao Pinheiro de Azevedo, que é um homem de valor mas muito inconstante, disseram: "Senhor primeiro-ministro, é preciso ir à televisão dizer que o Eanes é que foi um gajo bestial." E ele foi. Em frente das câmaras disse: "Obrigado, Eanes!"
O Pinheiro de Azevedo era manipulável?
Nesse aspecto, era.
Irresponsável?
Não. Quando ele esteve sequestrado, com todo o Governo, eu disse: "Eh pá, temos de fazer alguma coisa pelo primeiro-ministro." E telefonei-lhe para dizer que íamos organizar uma grande manifestação de apoio, aqui no Porto, e queríamos que ele estivesse presente. Mas não me passavam a chamada. Diziam que estava numa reunião. À terceira ou quarta tentativa eu disse: "Porra! Ligue lá ao primeiro-ministro ou vou aí com a minha tropa!" Ligaram logo.
Por que não o queriam deixar falar com Pinheiro de Azevedo?
Porque ele estava rodeado daquela gente de esquerda, e eu era um reaccionário e um fascista. Mas ele veio à manifestação, e disse-me: "Sabe que aqueles gajos estiveram ontem, até meio da noite, a tentar convencer-me a não vir."
Mas quem eram esses assessores? Militantes do PCP?
Também. E de outros partidos. Era essa gente de Lisboa e de esquerda. Eram os patriotas.
Havia realmente uma divisão norte-sul?
Havia. Como ainda hoje há. São os mesmos que não podem com o Norte e o querem destruir.
Na altura dizia-se que no Norte estava a extrema-direita e que havia o perigo da contra-revolução. Esse perigo nunca existiu?
Para mim, isso foi tudo inventado. Diziam que havia uma Maria da Fonte, e o cónego Melo, e tal. Eu nunca contactei com ninguém dessa gente. O que havia era um clima de terror. As pessoas tinham de vir para a rua dizer que eram de esquerda, por medo.



As pessoas não vinham para a rua, por verdadeiro entusiasmo, com os ideais do 25 de Abril?
Também. Durante o PREC, havia entusiasmo e terror ao mesmo tempo. Muitas pessoas foram agredidas, ou presas, por serem, alegadamente, fascistas. De mim sempre disseram que era um fascista e um bombista...
Não esteve ligado à rede bombista?
Não. Que rede bombista? Disseram-me que havia o ELP e o MDLP, que tinham muitas armas. Para mim, o ELP era uma fantasia, para meter medo. O MDLP, do Alpoim Galvão, onde eu sabia que estavam muitos oficiais meus...
Sabia que os seus oficiais pertenciam à rede bombista?
Sim. Quer dizer, não sei. Bombistas havia por todos os lados.
Mas estava informado de que oficiais seus pertenciam a alguns desses grupos armados?
Pois, constava. Mas o que eles queriam, no fundo, era ordem e disciplina. Não digo que pertencessem a esses movimentos. Mas havia um apoio tácito.
Da sua parte também havia um apoio tácito, então.
Não. Não havia nenhum.
Se sabia que os seus homens estavam lá e não os punha na ordem...
Eu não sabia. Constava. Um dia, um major que se dizia meu amigo entrou no meu gabinete e disse: "Meu brigadeiro, sabe, os comunistas estão a pôr bombas. Acho que nós também devíamos pôr." Eu respondi-lhe logo: "Major, ponha-se na rua!"
Sempre resistiu ao método da bomba.
Claro. Quando, a certa altura, me deitaram abaixo do helicóptero, estava eu no hospital com trinta e tal ossos partidos, foi visitar-me o chefe da Polícia Judiciária Militar. "Meu brigadeiro, venho informá-lo de que se passam coisas gravíssimas aqui na sua região militar. E por isso vou levar preso o comandante da Polícia, Mota Freitas, e o subcomandante, o major Cerveira, porque estão ligados à rede bombista."



Era verdade?
Não sei. Mas disse logo: "O Mota Freitas não vai preso. E o Cerveira também não." Eu parecia uma múmia, todo engessado. Só tinha a cabeça de fora. O que eles queriam era meter-se com a RMN, esse "antro", como diziam.
A queda do helicóptero não foi um acidente?
Acho que não. O helicóptero não embateu em nada, não houve nenhuma razão para ter caído. Disseram que foi um "erro humano". Ora o piloto não era o que vinha habitualmente. Ele próprio me disse: "Substituíram o piloto à última hora."
Mas o piloto morreu no acidente. Quem estaria por trás do atentado?
Não sei. Era a máfia instalada.
A queda do avião que matou Sá Carneiro também não foi um acidente?
Foi um atentado. Sabe, eu tive seis comissões na guerra colonial. Em Angola, em Moçambique, andava sempre de helicóptero. Tive acidentes de todo o tipo, em todo o tipo de aeronaves. Posso dizer-lhe: acidentes como aquele não acontecem.
Fez toda a guerra colonial, sem concordar com ela.
Tinha de estar lá. Era uma missão.
Algumas pessoas fugiram do país...
Fugiram mas foi por entre os tiros. Eu era oficial, tinha de cumprir as minhas ordens. Mas, nas operações, eu ordenava: "Vão, mas não fazem fogo. É proibido matar."
Era sempre proibido matar?
Sempre... não digo. Mas em várias ocasiões. Dizia: "Evitem. Só se forem atacados."
Por humanidade ou por não concordar com a guerra?
Por não concordar.
Dava razão ao outro lado?
Com certeza. Se eu fosse negro, também andaria lá a lutar. Daria cá um guerrilheiro!
É possível fazer a guerra contra alguém que achamos que tem razão?
É difícil. Põem-se problemas de consciência.
Mas o seu sentido de dever e de obediência era mais forte do que os problemas de consciência.
Era. Porque, se eu refilasse, punham-me na prisão e seria um inútil. Assim, considerava-me útil.
Se achava a guerra um erro, era útil colaborar?
Tentava amenizar o erro. Não matar, criticar...
Não sofreu represálias por causa disso?
Não. Os meus amigos admiravam-se de eu nunca ter sido preso.
Por que não foi? Muitos foram.
Não sei. Sempre critiquei, sempre disse que não concordava...
O regime, afinal, permitia a liberdade de opinião.
Bem, eu também não dizia muito. Não andava por aí pelos jornais, com altifalantes... Não tinha vagar para isso.
Depois do 25 de Abril, foi mandado em missão para São Tomé e Príncipe. Tentou travar a descolonização?
Não. Nem ia com esse propósito. O objectivo era que houvesse uma descolonização pacífica. Eles tentaram roubar armas, etc., mas eu troquei-lhes as voltas.
Foi uma descolonização diferente das outras?
Foi a possível. Quando cheguei, estavam absolutamente embriagados com a ideia da independência. Há uns dois anos, falei com um dos líderes guerrilheiros, Filinto Costa Alegre. Contei-lhe: "Sabe que eu pensei, na altura, falar convosco e propor que ficassem com uma situação idêntica à da Madeira e dos Açores, uma região autónoma de Portugal. Mas não cheguei a dizer nada, porque pensariam que eu era um neocolonialista." Sabe o que ele me respondeu? "Senhor general, e não seria possível fazer isso agora?"
PÚBLICO - 08.12.2008

segunda-feira, 8 de dezembro de 2025

Salazar - Uma Palavra Sobre Angola.

 





Uma palavra sobre Angola. Estamos sendo vítimas ali de ataques que a princípio pretenderam acobertar-se sob a capa de sublevação das populações ansiosas por não continuarem integradas na Nação Portuguesa. O entusiasmo dos libertadores africanos porém não permitiu ocultar senão por pouco tempo a sua intervenção no recrutamento, financiamento e treino de elementos estrangeiros que através de Estados limítrofes penetram em Angola. De modo que hoje não pode já afirmar-se que há ali uma revolta de carácter mais ou menos nacionalista, mas que uma guerra é conduzida por vários Estados contra Portugal, num dos seus territórios ultramarinos. Ora, duas coisas se devem ter por certas: a primeira é que, ao atacar-se Angola, não se ataca só Portugal, mas se está pretendendo enfraquecer as posições, e não só estratégicas, de todo o mundo ocidental; a segunda é que os que atacam, os que apoiam, os que ajudam com a sua indiferença, estão a agir contra os verdadeiros interesses das populações de Angola, só com retardar-lhes o desenvolvimento pacífico e com levar ali a semente do antagonismo racial que não existia e é hoje, pelo que acima disse, o principal obstáculo ao progresso e bem-estar do continente africano.

Oliveira Salazar («Realidades da Política Portuguesa»).

sábado, 6 de dezembro de 2025

O Assassinato de Amílcar Cabral, a Verdade.

 

Amilcar Cabral


«No dia nove de Janeiro de 1976 podia ler-se no semanário "O Jornal" uma reportagem destinada a criar sensação no grande público. Três páginas compactas ajudavam a manter o complexo de culpa no povo português desencadeado pela estratégica do PCP. As grandes linhas mestras de todo o processo post-25 de Abril pareciam assentar na psicanálise. Não bastava culpar toda uma população pela guerra colonial: era necessário emocioná-la com pormenores chocantes para a alma cristã dos portugueses. Noticiar um desastre de comboio no qual morreram 50 pessoas, é uma coisa que impressiona, que torna as pessoas pensativas e, quiçá, revoltadas contra uns vagos técnicos responsáveis pela segurança dos caminhos-de-ferro. Mas se essa mesma notícia vier acompanhada de uma fotografia mostrando uma criança contorcida nos ferros quebrados, esmagada debaixo da sucata e a mãe chorando diante do espectáculo macabro, então as pessoas perdem a serenidade e o melhor que os técnicos responsáveis têm a fazer é não aparecer em público durante algum tempo.


Ronald Reagan e Sékou Touré

Da guerra colonial faltava o pormenor chocante, revoltante, que fazia transbordar a cólera dos portugueses: o assassinato de um líder respeitado. Foi assim que, naquele dia nove, o "Jornal" anunciava em grandes títulos: "Como Lisboa planeou a morte de Amílcar Cabral!..."

A reportagem abria da seguinte forma: "Completam-se, no dia 20 de Janeiro, três anos sobre a data em que Amílcar Cabral, o grande dirigente africano que fundou o PAIGC, morreu assassinado, no decurso de um golpe levado a cabo por alguns traidores desse partido, sob a direcção dos governantes fascistas portugueses".

Mais adiante o semanário transcreve do Livro Branco que o PAIGC preparou sobre o crime, a seguinte passagem: "No dia 20 de Janeiro do corrente (1973) os criminosos colonialistas portugueses conseguiram levar a cabo o mais crapuloso crime contra o nosso povo. O assassinato do nosso secretário-geral Amílcar Cabral é, sem dúvida alguma, o maior golpe que o inimigo desfechou desde a fundação do nosso partido.

Como se sabe, nesse dia, agentes inimigos, infiltrados de colaboração com certos elementos do nosso partido, corrompidos e frustrados nas suas ambições, perpetraram esse odioso crime que veio a juntar-se à enorme lista de barbaridades e massacres que o desacreditado exército colonial e fascista português pratica quotidiamente contra as nossas populações indefesas.

Com efeito, cerca das 22 e 30 desse dia, um grupo de traidores africanos devia pôr em execução o criminoso plano longamente preparado pelas autoridades de Lisboa para eliminação fisica do nosso secretário-geral e a destruição do nosso glorioso partido.

Cabral acabava de regressar de um jantar na Embaixada da Polónia. A maioria dos militantes, dirigentes e responsáveis presentes em Conacry encontrava-se na nossa escola-piloto de Ratoma, onde o camarada Chissano, membro da Comité Executivo da Frelimo, de passagem em Conacry, fazia uma conferência aos nossos quadros sobre o desenvolvimento da luta em Moçambique.





No secretariado, encontrava-se apenas o secretário-geral adjunto, camarada Aristides Pereira, em companhia de três camaradas, todos mobilizados pelos traidores, assim como os restantes guardas do secretariado.

Logo à chegada do secretário-geral, os traidores, encobertos pela noite, puderam assim dirigir-se, sem serem incomodados para o carro, em vias de estacionamento à porta da garagem. A bordo encontravam-se apenas Cabral e a sua esposa, ambos desarmados. Após uma tentativa infrutífera de rapto, o criminoso Inocêncio Kani disparou cobardemente um tiro de pistola que devia arrebatar à vida a esperança de todos aqueles que na África e no Mundo lutam contra a opressão colonial e para uma vida melhor de paz e de progresso.

Não satisfeito com o monstruoso acto que acabara de praticar, o renegado Kani ordenou aos seus cúmplices que concluíssem a obra destrutiva que ele próprio havia iniciado. Imediatamente, uma rajada de AK disparada por um dos guardas pôs termo à vida do nosso secretário-geral".

Estranhamente o Livro Branco não fala mais na mulher de Amílcar Cabral... Os assassinos não a mataram. Deixaram uma testemunha? Os executantes de operações deste género não costumam cometer erros tão elementares. Recordemos o assassinato do general Humberto Delgado: a sua secretária brasileira, Arajarir, foi igualmente morta para que, obviamente, não pudesse testemunhar. Porque teriam, então, poupado a mulher de Amílcar? Pela simples razão de que não foi assim que as coisas se passaram. A versão oficial do PAIGC e do governo da Guiné-Conacry não corresponde à realidade. Simplesmente não é verdadeira e, mais uma vez, o povo foi burlado pela estratégia do PCP em todo o processo revolucionário português.

Embora extremamente difícil de provar por forma irrefutável - como difícil se torna documentar a implicação dos comunistas na morte de Delgado -, a verdade é que não havia a mínima lógica para que as autoridades portuguesas desejassem, em 1973, o assassinato de Amílcar Cabral. E nas andanças de guerra os planeamentos à distância obedecem sempre a um critério lógico.




Para o governo de Sékou Touré essa eliminação era vital. E Sékou Touré mandou matá-lo. Tanto quanto foi possível apurar, Amílcar teria sido degolado e não morto a tiro. Mas vejamos as razões do interesse do ditador de Conacry.

Amílcar Cabral estava em contacto com o general Spínola para pôr fim à guerra de uma forma honrosa, e obter a independência de uma forma prudente. Sékou Touré soube disso e mandou matá-lo. Simplesmente isto.

Este livro revela documentos altamente secretos que provam os contactos havidos com Amílcar Cabral e o irmão Luís Cabral. Estes contactos eram realizados através de uma gente nossa colocada em Londres. Pelas datas dos telegramas aqui reproduzidos verifica-se que esses contactos se processaram cerca de dois meses antes da morte de Amílcar Cabral... Porque é que nós, portugueses, mandaríamos matar um homem com quem queríamos negociar e que nos havia respondido estar disposto a isso? Saberá por acaso o povo português que a mãe de Amílcar Cabral vivia tranquilamente em Bissau? E que o sonho de Sékou Touré era anexar pura e simplesmente a Guiné-Bissau?».

Alpoim Calvão («De Conacry ao MDLP»).

Guiné, a Vitória Traída - Bethencourt Rodrigues

 



«A situação vivida na Guiné, nos princípios de 1974, pode ser caracterizada pelos seguintes pontos:

1. O mais importante acontecimento político-social, nos três primeiros meses de 1974, foi o V Congresso do Povo, realizado de 21 de Fevereiro a 10 de Abril.

Manifestação de diálogo entre o Povo e o Governo, através do qual se conferia às populações a possibilidade de uma participação mais efectiva na vida da comunidade, o V Congresso do Povo desenvolveu-se nas suas fases regional e provincial, mobilizando alguns milhares de representantes das populações e dando lugar a 24 sessões de 4 reuniões cada, em 19 localidades da Guiné, além de Bissau.

Se a realização do Congresso, pelo quinto ano consecutivo, traduziu adesão das populações e, pelo lado da Administração, continuidade de acção e capacidade de execução, de salientar é também que trabalhos preparatórios, deslocamentos de autoridades e participantes e reuniões se processaram sem interferência do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), embora essa actividade se estendesse a todo o território da Província.

2. Ainda sem interferência do PAIGC se realizou a visita do Ministro do Ultramar, de 15 a 20 de Janeiro. O Ministro deslocou-se a Teixeira Pinto, Cacheu, Pelundo e Farim, no norte, a Nova Lamego e Bafatá (viajando de automóvel entre estas duas localidades), no leste, e a Catió e Caboxanque, no sul.

3. No princípio do ano iniciou-se a execução do Orçamento da Província, no montante de cerca de 380 000 contos, um aumento de 63 mil contos (quase 20%) sobre o orçamento do ano anterior.

Também se deu início à execução do Plano de Empreendimentos (IV Plano de Fomento), dotado com 155 000 contos e especialmente orientado para os sectores da Educação, Saúde, Vias de Comunicação, Agricultura e Melhoramentos urbanos e rurais.

4. No sector da Educação, existia uma população escolar de cerca de 61 000 alunos, com 2 200 professores.

Desta população pertenciam ao ensino primário cerca de 56 00 alunos, que se repartiam por 550 salas de estudo, onde ensinavam 1 050 professores (830 agentes de ensino e 220 militares). No ciclo preparatório estavam matriculados 3 800 alunos e 1 700, no ensino secundário.

5. A Guiné dispunha de 1 Hospital Central, 3 Hospitais Regionais, 6 Hospitais Rurais, 50 Postos Sanitários (24 com médico e enfermeiro) e 12 Maternidades.

Os Serviços de Saúde contavam com 82 médicos (dos quais 4 civis), 2 farmacêuticos e 1 farmacêutico-analista, 360 enfermeiros e auxiliares de enfermeiro, 2 assistentes sociais e 1 auxiliar social, e 76 parteiras e auxiliares de parteira.

Em 1972 foram dadas 676 000 consultas a doentes civis, sendo 174 000 nos Serviços Provinciais de Saúde e 502 000 pelas Forças Armadas.




6. Mantinham-se em construção as estradas Jugudul-Bambadinca, Piche-Buruntuma, Catió-Cufar e Aldeia Formosa-Buba.

7. No sector privado assinala-se a entrada em laboração duma fábrica de cerveja e refrigerantes e dum parque de armazenagem e envazilhamento de gases de petróleo liquefeito, e a construção duma nova unidade hoteleira em Bissau, já em fase adiantada.

8. Problema que afectava toda a população da Guiné era o do abastecimento de arroz, base primeira da sua alimentação.

Reduzida a produção local a cerca de 50% das necessidades, por aumento do consumo e diminuição da produção, como consequência da guerra e dum certo afastamento do trabalho na terra por parte da população, em especial da mais jovem, desde fins de 71, princípios de 72, a importação passou a encontrar dificuldades crescentes, por força da escassez de cereais nos mercados mundiais e da elevação de preços, quer do produto, quer dos transportes. Assim, em fins de 1973 houve necessidade de contingentar a distribuição e de elevar o preço, tabelado, de 5$50 para 7$00, suportando embora o Governo um encargo não inferior a 2$50/kg.

Estas medidas não foram naturalmente recebidas com agrado pela população, apesar de o arroz ser vendido nos territórios vizinhos a preços muito superiores ao praticado na Guiné (Senegal 14$00 e República da Guiné 22 a 26$00) e de ter havido um aumento do preço de aquisição ao produtor local de cerca de 25%.


Para atenuar uma situação de abastecimento com tendência para se agravar, dada a progressiva retracção do mercado mundial, independentemente de custos, várias acções foram empreendidas, com a diversificação da dieta alimentar tradicional, para o que se recorreu à importação de milho e feijão, a recuperação de bolanhas e uma intensificação do esforço para o aumento da produção, pelo apoio à cooperativização dos agricultores, distribuição de sementes de arroz seleccionadas e de adubos e apoio técnico dos Serviços Provinciais de Agricultura, além do aumento dos preços de aquisição ao produtor.

9. Por último assinala-se a contribuição das Forças Armadas para a vida da Guiné, em tarefas de promoção social, de desenvolvimento económico e de assistência, e na ocupação de posições nos quadros dos Serviços Provinciais, por falta de elementos civis que os guarnecessem.




Em Março de 1974 estavam desviados para funções exclusivamente civis 37 oficiais, 50 sargentos e 182 praças, num total de 270 militares. Em regime de acumulação de funções militares com funções civis havia 137 militares (110 oficiais, 21 sargentos e 6 praças).

- Dos 82 médicos em serviço na Guiné, 76 pertenciam às Forças Armadas e 2 eram seus familiares.

- Cerca de 75% dos professores eram militares ou seus familiares.

- As verbas dispendidas em 1973 pelas Forças Armadas no desenvolvimento sócio-económico ascenderam a cerca de 160 mil contos, assim distribuídos:


Comparticipação directa:

Saúde: 18 000 contos
Educação: 3 000
Desenvolv. rural: 20 000


Comparticipação indirecta:

Vencim. a civis: 61 000 contos
Transportes: 61 000



- No Plano de Empreendimentos para 1974 foi atribuída às Forças Armadas a construção de 1 500 casas em 44 reordenamentos, 11 postos sanitários e 30 edifícios escolares, bem como a continuação da construção da estrada Aldeia Formosa-Buba, já em fase adiantada.

- Até fins de 1973 as Forças Armadas haviam construído, no sector do Desenvolvimento Rural, 15 700 casas, 167 escolas, 40 postos sanitários, 56 fontenários e 3 mesquitas, e aberto 144 furos para abastecimento de água».


Fonte: fotografia tirada por Tiago Castela a uma página do jornal Expresso de 10 de fevereiro de 1973. Edição consultada na BLX-Hemeroteca Municipal de Lisboa.


(...)«1. Em paralelo com a guerra, e naturalmente sofrendo condicionamentos por ela postos, desenvolvia-se a vida política, económica e social da Guiné.

Embora sob a influência daqueles condicionamentos, que em maior ou menor grau, punham questões de segurança de pessoas e bens, ampliavam margens de incerteza nas previsões, criavam distorções nos mecanismos de gestão, afectavam relações sociais:

- funcionavam os orgãos de governo próprio;

- a rede administrativa cobria todo o território;

- os orgãos de administração local exerciam as suas funções de gestão;

- os serviços de saúde e de educação cumpriam as missões próprias;

- as comunicações de transporte e de relação asseguravam os contactos entre localidades, permitiam os deslocamentos de pessoas e garantiam os circuitos de comercialização, no interior e para o exterior;

- estavam em curso obras de fomento nos sectores da educação, saúde, vias de comunicação, agricultura e melhoramentos rurais e urbanos;

- a produção agrícola satisfazia parte das necessidades da população;

- cobravam-se impostos;

- cumpria-se um orçamento.

(...) 2. A contribuição das Forças Armadas era vultosa e decisiva, incidindo praticamente sobre todos os sectores da vida da Província.

Militares em regime de ocupação exclusiva ou em acumulação, ocupavam posições nos Serviços Provinciais, responsabilizavam-se pela assistência sanitária, exerciam funções docentes, empenhavam-se na execução de melhoramentos rurais e urbanos, auxiliavam a gestão das comunidades, executavam trabalhos de mão-de-obra especializada, criavam postos de trabalho, dinamizavam iniciativas nos mais diversos campos.

Tinham parte destacada e relevante na comunidade civil e eram elemento essencial da sua promoção e desenvolvimento.



3. O Teatro de Operações da Guiné tinha as seguintes características principais, algumas das quais se não podiam encontrar nos Teatros de Operações de Angola ou de Moçambique:

- Envolvimento por Estados, declarada e nitidamente, hostis, onde as forças inimigas dispunham de todo o apoio e de total liberdade de acção;

- Extensa fronteira terrestre (700 km), aberta em toda a sua dimensão, dum extremo ao outro; da conjugação deste factor com o antecedente resultava, para o inimigo, facilidade de penetração no território da Guiné e de ataque às guarnições de fronteira e, para as Forças Nacionais, acrescida vulnerabilidade destas guarnições e dispersão de esforços na vigilância da faixa fronteiriça;

- Reduzida superfície, que assim não punha ao inimigo, por isso e pelo apoio recebido nos países vizinhos, problemas de alongamento das suas linhas de comunicações, de dispersão de efectivos e de complexidades logísticas;

- Dos pontos de vista de comando, de manobra e de apoio logístico, com centralização em Bissau, compartimentação, por obstáculos naturais, em 3 zonas: 


- a norte do rio Geba
- entre os Rios Geba e Corubal
- a sul destes dois Rios



Esta compartimentação do Teatro de Operações por rios de envergadura, nenhum deles com pontes entre as suas margens e com a navegabilidade condicionada, em absoluto, pelo regime de marés, implicava fortes limitações à acção de comando, ao deslocamento de forças e ao apoio logístico, e lançava um pesado ónus sobre os meios navais e aéreos;

- Clima e terreno não favoráveis às operações, em particular na metade ocidental do território, com as suas quase impenetráveis zonas de mangal e densas florestas tropicais, e com as marés a penetrarem diariamente pela terra dentro, alagando as terras e causando nos rios desníveis de metros;

- Um mosaico de etnias, mais de trinta, diferenciadas entre si, com características e organizações específicas, seus problemas, seus anseios próprios e suas rivalidades.

Por outro lado, o empenhamento das unidades militares na manobra sócio-económica conduzira a uma inconveniente mistura da tropa com a população, que manifestava toda a sua acuidade quando de acções por parte do inimigo.

4. O inimigo evoluíra progressiva e significativamente no seu conceito geral de manobra (concentração de forças sobre objectivos seleccionados ao longo da fronteira, procurando conjugar concentrações maciças de fogos com acções de isolamento dos objectivos atacados) e no seu potencial militar, tanto humano como material, neste dispondo até de superioridade em algumas armas.

O inimigo punha, portanto, uma ameaça séria sobre as guarnições de fronteira, em particular daquelas com mais difícil acesso pelas Forças Nacionais, para reforço e reabastecimento.

5. As características naturais do Teatro de Operações, a evolução do inimigo e a sua liberdade de acção do outro lado da fronteira aliadas a, por parte das Forças Nacionais, reduzidas forças de intervenção e dificuldades de manobra de meios, limitavam em grau considerável a capacidade de iniciativa do Comando das Forças Armadas Portuguesas.

A necessidade de manter forças disponíveis para o eventual reforço, em tempo oportuno, dum objectivo seleccionado pelo inimigo constituía uma preocupação permanente do Comando, aliás traduzida em progressivo aumento das forças em reserva, e um condicionamento pesado da sua liberdade de manobra. Por outro lado, porém, o empenhamento de forças de intervenção nos sectores em que o inimigo decidira fazer o esforço, aumentava a probabilidade de actuação contra as forças que, como norma, se esvaíam e contribuía assim para a desarticulação do sistema adverso.

6. A listagem das características principais do Teatro de Operações da Guiné, feita no n.º 3, só por si conduz naturalmente à noção da grande dificuldade duma acção militar em tal teatro de operações.

Se a essa dificuldade se adicionarem as que resultavam de se defrontar um inimigo com as características que foram referidas, facilmente se deduz a gravidade da situação militar que se vivia na Guiné no 1.º trimestre de 1974.

Era uma situação extremamente exigente para os Comandos e também extremamente exigente e muito dura para as tropas, a requerer em curto prazo a adopção de medidas de âmbito local e no plano da Defesa Nacional, umas em planeamento ou já planeadas e outras em vias de execução.




7. No campo rigoroso do concreto, nega-se frontalmente a veracidade de algumas afirmações que sobre a Guiné têm sido produzidas.

Nomeadamente, aponta-se como rotundamente falso que, no 1.º trimestre de 74, dois terços do território estivessem sob o domínio do PAIGC; que as tropas portuguesas estivessem entrincheiradas em algumas cidades e algumas bases; que as Forças Nacionais estivessem acantonadas na capital e em mais dois ou três pontos.

Pelo contrário, afirma-se sem receio de desmentido, que as tropas portuguesas tinham acesso a quase todos os pontos do território, com medidas de segurança de intensidade variável; que os comboios auto, de reabastecimento, circulavam pelas estradas; as tropas se movimentavam em campo aberto, com maiores ou menores dificuldades, efectivos mais ou menos numerosos, apoios tácticos mais ou menos desenvolvidos; que o dispositivo militar cobria todo o território; que as Forças Nacionais ocupavam, com guarnições militares ou de milícias, 225 localidades.

8. A guerra estava militarmente ganha? Evidentemente que não. Nunca ninguém o disse, nem pretendeu fazê-lo crer.

A guerra, na Guiné, "estava perdida no campo militar", como se tem afirmado com alguma frequência? Estávamos, na Guiné, "à beira dum desonroso colapso militar", como também se declarou?

A situação na Guiné, no 1.º trimestre de 1974, concedia base àquela primeira afirmação ou apontava irremediavelmente para a segunda?

Estas "notas", no rigor da sua objectividade, poderão ser, julga-se, elemento de informação útil para quem procure obter resposta a estas questões.

Certo é que as guerras sempre foram e continuarão a ser lutas de vontades... e não só das vontades dos combatentes».

General Bethencourt Rodrigues (in «África: A Vitória Traída»).

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