quarta-feira, 18 de novembro de 2020

O retrato do povo português por Miguel de Unamuno.

 


"Que matéria prima para um povo aqui existe! 
Que vitalidade a desta gente! E que prolíferos, santo Deus! Como se hoje a sua principal exportação fosse a exportação de homens, de gado humano, como um deles afirmou. E de homens duros, resistentes, sofridos. 
Dizia Spencer que o principal é fazer do homem um bom animal; e como o animal é uma espécie do género ser vivo, o principal é fazer dele um bom ser vivo. Como os há aqui: bons viventes, com uma robusta vitalidade de planta, como a desses pinheiros que deitam raízes nas areias das costas portuguesas. E tão submissos. Submissos até quando se rebelam. «O sentimento inato de rebeldia (que não deve confundir-se com o da independência) — diz Oliveira Martins — essa vis íntima dos celtas submissos da Irlanda e da França, existe no minhoto...» Têm a cólera do cervo ou do carneiro, que os leva a actos de violência frenética, para logo a seguir tudo voltar ao mesmo. 
Assim se explica o regicídio e as suas consequências. Rebeldia, sim; independência, não. Aqui, como na Galiza, pode florescer o anarquismo, mas não o sentimento de liberdade. 
E a anarquia é a servidão."

Miguel de Unamuno
in "Portugal, Povo de Suicidas", Letra Livre, 2012.

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