««Nos finais de Agosto de 1974 cresciam o fanatismo, a intransigência e o ódio a todos quantos se opunham ao domínio do marxismo; estava em marcha o que veio a ser conhecido pela "perversão totalitária" do 25 de Abril e cujo primeiro grande passo viria ser dado com o 28 de Setembro e com o derrube de Spínola.
Escrevi então para uma nova revista, o Tempo Novo, um artigo verberante do que se estava a passar, sobretudo no campo da informação. O texto intitulava-se "A Agressão Ideológica" e nele dizia que a actual "agressão ideológica é o sucedâneo da 'caça às bruxas' e das denúncias do Santo Ofício. Trata-se antes de mais nada, para os virtuosos zeladores de uma ideologia, de nomear as bruxas ou os heréticos, sobrecarregando-os de uma carga moral e psicológica negativa, para depois os destruir com o assentimento ou mesmo o aplauso popular". Foi o que se fez antes do 25 de Abril? Foi. Mas hoje "nasceu e imediatamente proliferou a agressão ideológica de sinal contrário à do anterior regime"... "Mudaram os alvos e mudaram os caçadores de bruxas, mas o processo moral e psicologicamente inferior e inferiorizante" mantinha-se afinal, se é que não se agravava [e de que maneira!].
Este artigo foi publicado a 23 de Agosto de 1974. Cerca de um mês mais tarde dava-se o golpe totalitário do 28 de Setembro e algumas centenas de pessoas eram encarceradas no Forte de Caxias. É que toda a agressão ideológica, efectivamente, constitui o fogo de barragem que prepara a agressão física, a repressão, a prisão, procurando dar uma cobertura moral à violência e à intolerância do Estado de ditadura.
Quando o crítico Eduardo Prado Coelho, algum tempo depois, e a propósito desse artigo, me veio acusar do pecado de anti-comunismo, em artigo insolentemente intitulado "O anti-comunismo em patinhas de lã", a sua "agressão ideológica" não era inocente, visto que, já com Vasco Gonçalves no poder, visava justificar a boa consciência do neo-totalitarismo em formação. O que no seu artigo polémico verdadeiramente pesava, não era o seu discurso retórico em prol do marxismo, da luta de classes, da democracia popular, etc., era a nomeação dos réus - em suma era a denúncia.
Assim, depois de algumas palavras condescendentes e irónicas a meu respeito, Eduardo Prado Coelho, prestava a informação de que "o vemos aqui, nas páginas do Tempo Novo, ao lado daqueles que apoiaram activamente o Governo fascista ou que dele um pouco se afastaram por não o acharem suficientemente fascista", para mais adiante se me dirigir farisaicamente: "Agora já viu qual a função que a tal conversa do costume tem aqui nas páginas do Tempo Novo, entre as colunas militantes do fascismo? Já viu a figura que faz? A do raposinho fascista que não é". Nunca dei por que o director do Tempo Novo, José Hipólito Raposo, outra coisa fosse do que um monárquico liberal. Mas o que era afinal se não fascismo de esquerda, a criação de um ambiente de violência, de suspeita e de denúncia, cuja consequência imediata seria a prisão de intelectuais da oposição e o encerramento dos jornais ou dos editores que não alinhavam com a ortodoxia revolucionária?
Se o Tempo Novo foi depois proibido pela ditadura gonçalvista, se José Hipólito Raposo foi parar com os ossos a Caxias e se eu próprio viria a encontrar dificuldades editoriais e jornalísticas, é claro que Eduardo Prado Coelho pode lavar daí as suas mãos como Pilatos e proclamar a sua inocência.
Mas a verdade é que o terror gonçalvista e otelista, quase liquidatário da pátria e deixando sequelas que tornam dificílima, se é que não impossibilitarão em termos democráticos a recuperação nacional, precisou de uma atmosfera para se tornar possível. E infelizmente houve escritores e jornalistas que colaboraram a fundo».
António Quadros («A Arte de Continuar Português»).
E com pezinhos de lã, eles aí estão , basta ver as tristes imagens de cidades portuguesas no dia de ontem. Bandeiras do Partido Comunista em exibição nas ruas das nossas cidades, tudo em nome da comemoração dos 100 anos do Partido do Regime, até parecia que estávamos na Coreia do Norte. E tudo isto com o conluío do governo e das autarquias. LAMENTÁVEL.
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