domingo, 3 de maio de 2020

Conflito dos Balcãs, uma abordagem verdadeira e politicamente incorrecta!


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Fez no dia 27 de Março 28 anos que cheguei a esses Hotel em Belgrado, para servir a ONU e Portugal na guerra da Jugoslávai... estivemos aí 5 dias e depois zona de guerra.

A PSP e a guerra da Ex Jugoslávia

“Sabes filha, o teu pai vai servir a ONU, Organização de gentes e agentes do Bem!”.

Foi na hora da partida, 27 Março 92, a caminho das guerras que rugiam lá para as bandas da Jugoslávia.

Ao intrigado olhar dela, esclareci:- “Sim, a ONU é moral e eticamente superior…”; santas inocências minhas! Como me enganei! Nunca tinha servido a ONU !

Anos de Portugal nas guerras de África, descolonizações e revoluções, tinham-me afogado em mágoas de mesquinhas politiquices luso domésticas; ansiava vivências moral e eticamente superiores.

No lusco-fusco desse dia chegámos a Belgrado, chocou-me o vazio do aeroporto em ambiente pesado e cinza, a guerra e toda a sua tragédia estava ali, respirava-se, doía-se, sentia-se no ar, mas não se via, pois vivia e morria lá no longe, na Croácia, não ainda na Bósnia e nem Sérvia.

À nossa espera estavam dois escandinavos, boinas azuis, oficiais de ligação com a Polícia da ONU, que íamos integrar.

Pouco depois, Hotel Jugoslávia, nas margens dos rios Sava e Danúbio, cinco estrelas de belezas e luxos em fábulas, de um mundo em vias de fim.

Inopinados, ali estavam os meus amigos Capitães Saraiva e Gaspar da Chica, velhos companheiros das guerras de África; serviam a EUMM, missão da UE lá na Jugoslávia, falaram-me das coisas da guerra, dos refugiados da Krajina, etc.

O Saraiva tinha gabinete no Hotel. Invejei-o.

Jantar, o restaurante resplandecia em monumentais iluminações cristal, nos papillons dos empregados, nas etiquetas mil, nos sabores culinários Savo danubianos e, depois a factura, estarreci-me na barateza da coisa, levantei-me e, solene, afirmei aos meus ajantarados quatro PSP´s, comigo recém-chegados: -

“Recuso-me pagar tão pouco; isto é um insulto comunisto socialista Jugoslavo”, contra o meu capitalismo superior; era apenas o princípio.

Bar do Hotel, as Sérvias, ah! as Sérvias, eram duma beleza irreal, inadjectivável, deusas ali sentadas; já andado eu pelo mundo das áfricas, europas e américas, o eterno feminino vivia ali noutra dimensão, nunca por mim vista ou imaginada.

Guerras entre homens com estas mulheres?! Eram loucos...

Questionei-me em porquês pertinentes e não me achei respostas.

Dias seguintes, coisas da ONU, informações de mandatos, da situação geral militar e o ver e respirar Belgrado.

Belgrado, cidade espanto, como te gosto e te gostei!

Curioso, olhei preços de coisas várias, entendi-os como mais insultos ao meu capitalismo; achava eu que que o meu capitalismo ocidental era muito melhor e mais rico,mas não , algo ali não batia certo.

A Força de Protecção da ONU, UNPROFOR, colocou-nos na Croácia, Krajina, na UNPA (Área Protegida pela ONU) do Sector Norte, Topusko.

Do aeroporto militar, em Belgrado, íamos directos para Bihac na Bósnia e depois seguíamos em viatura para Topusko.

Connosco, no aeroporto, um distinto Major do Exército Nacional da Jugoslávia, Oficial de ligação com a UNPROFOR.

Ignorante eu das razões da guerra, questionei o Major, que me disse:-

“O senhor vai ficar por aí algum tempo, observe e conclua por si próprio; digo-lhe apenas que os Alemães estão de novo a fazer o mesmo jogo sangrento da 2ª GM.”

Por ali se ficou, confundiu-me, não associei.

As propagandas ocidentais afirmavam culpas dos nacionalismos, religiões, antecedentes históricos, conflitualidades étnicas e políticas e maldades do Presidente Milosevic.

O aeroporto vivia uma desusada azáfama de aviões militares…

Neles vi a guerra, estava ali em gritos de alma lancinantes, espelhados nos rostos amortalhados, dos desembarcados refugiados sérvios da Krajina.

Os aviões despejavam friamente nas pistas, ás centenas, fúnebres sérvios fugidos da Croácia/ Krajma, vivos por fora e mortos por dentro, ficara-lhes a vida nas terras de onde fugiam à morte, terras que eram séculos de suas, e às quais nunca mais regressariam… eles sabiam. E assim foi.

Eram olhares de morte, dor, incompreensão, terror… olhares de fim de Mundo, do mundo deles.

À minha memória vieram imagens horror de outros tempos e lugares, Moçambique, Angola, descolonização, os mesmos olhares de morte e de fim de mundo na partida dos aeroportos de Luanda e Nova Lisboa… do quase milhão de retornados… eu estava lá também, capitão paraquedista….

Enfim, lá embarcámos, connosco, seguiam polícias do Bangladesh e da Polónia… impressionou-me o respeito quase religioso dos polícias Bangladesh pela hierarquia… traziam malas enormes, metálicas, cheias de arroz…

E também a extraordinária pureza humana dos Polacos, vindos duma sociedade socialista menos competitiva que a capitalista, curioso. Já não são assim hoje em dia. O capitalismo mudou-os radicalmente para pior. Factos.

E depois destes primeiros dias, fiquei por lá nas guerras e pós guerras 14 anos… um quinto da minha vida..

Vivi-lhes as guerras, com todas as diversas etnias e religiões, e os terrores dela decorrentes, as dores e as lágrimas consequentes… as tristezas inenarráveis daqueles que tudo perdiam… vidas, famílias, casas, terras, nacionalidades, identidades, fé, esperanças e sonhos... e depois o vazio, o nada… absoluto.

Foram sacrificados no altar dos poderes e hegemonias psicopatas de americanos e alemães… do ocidente em geral...

Os crimes inqualificáveis cometidos pelos Ocidente contra os povos eslavos da Jugoslávia… (150.000 mortos) ficam a pesar no Karma de europeus e americanos… há-de haver uma qualquer justiça cósmica, tem de haver; um dia vamos pagar... se é que já não estamos...

José Luís da Costa Sousa
Intendente da PSP em 92,
Comandante do Contingente da PSP na missão da ONU na Jugoslávia

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