domingo, 13 de julho de 2025

Toda a Verdade Sobre o Angoche.

 





Foi graças a O DIABO que o “caso Angoche” não caiu no esquecimento. Uma série de reportagens publicadas no jornal de Vera Lagoa levantou a ponta do véu sobre uma tragédia da guerra de África, ignorada ostensivamente pelos sucessivos governos posteriores ao golpe militar de Abril de 1974. Hoje, a memória dos tripulantes do navio mercante português continua a exigir uma reparação histórica. 

A 24 de Abril de 1971, o petroleiro ‘Esso Port Dickson’, com bandeira do Panamá, encontrou à deriva, a 30 milhas da costa de Moçambique, entre Quelimane e a Beira, o navio costeiro ‘Angoche’. Desgovernado, com fogo a bordo e sem sinais dos 23 tripulantes nem do único passageiro, parecia um barco fantasma.

O ‘Angoche’, da Marinha mercante portuguesa, pertencia à Companhia Moçambicana de Navegação, subsidiária da Companhia Nacional de Navegação, e fora construído nos estaleiros da CUF, em Lisboa, em 1958, para navegar no serviço de cabotagem de Moçambique.

Às 17:30 do dia 23 de Abril de 1971, o ‘Angoche’ levantou ferro de Nacala com destino a Porto Amélia (actual Pemba), no norte daquela então província portuguesa na costa oriental de África. No porão, além de mercadoria variada, seguia um importante carregamento de material de guerra destinado ao exército português no Norte de Moçambique. A viagem era curta e a chegada estava prevista para as cinco da manhã seguinte. Mas o ‘Angoche’ nunca chegaria ao destino. Quando foi encontrado estava muito para sul da sua rota.

O navio deserto foi passado a pente fino pelos agentes da PIDE/DGS que, em África, durante a guerra, funcionava como serviço de informações. Com base nessa investigação, o director da DGS em Lourenço Marques (actual Maputo) enviou para Lisboa, a 6 de Maio, uma mensagem rádio com a classificação de “urgentíssimo”. Informava os seus superiores da Rua António Maria Cardoso, sede daquela polícia na Metrópole, que tinham sido encontrados vestígios de duas explosões no ‘Angoche’.

Uma delas fora provocada por cargas reforçadas com granadas de fosfato colocadas junto à chaminé de estibordo, por cima da ponte de comando, que ficou completamente destruída, incluindo os sistemas de comunicações do navio.

A segunda carga explodiu dentro do ventilador das máquinas. Ao contrário das instalações destinadas aos tripulantes brancos, na ré do navio, que foram “completamente pulverizadas”, o compartimento destinado aos 13 tripulantes negros dava sinais de ter sido abandonado precipitadamente: roupa, calçado e coletes de salvação estavam espalhados por todo o lado.

Nos dias seguintes, outras mensagens rádio citando informadores na Tanzânia e fontes dos serviços secretos sul-africanos (BOSS) e rodesianos (CIO) davam conta da chegada de membros da tripulação a Dar-es-Salaam, a capital tanzaniana. No entanto, este país – que era o principal apoio, no continente africano, da Frelimo, a organização que combatia a presença portuguesa em Moçambique – negou repetidamente qualquer envolvimento no assalto ao ‘Angoche’ e desmentiu ter tripulantes em seu poder.

O relatório do inspector da PIDE/DGS Casimiro Monteiro, enviado para Lisboa em Maio de 1971 com a classificação de “secreto”, acrescenta mais pormenores sobre o assalto ao ‘Angoche’. Monteiro concluiu que os explosivos foram colocados em Nacala, antes da partida, e accionados por relógio. A explosão provocou feridos ou mortos, o que foi comprovado pela presença de vestígios de sangue a bordo.

As vítimas do Angoche

Para aquele agente e para outros responsáveis da DGS – cujo relatório desapareceu misteriosamente da sede daquela polícia já depois do “25 de Abril” -, o ataque ao navio fora obra de militares portugueses em serviço na base de Nacala, ligados à Acção Revolucionária Armada (ARA), o braço armado do Partido Comunista Português, responsável por uma onda de atentados bombistas em Portugal. A prova desta ligação estaria nos explosivos usados no ataque ao ‘Angoche’ – eram do mesmo tipo dos que tinham sido roubados numa pedreira em Loures e utilizados no princípio de Março desse ano na sabotagem da base de Tancos, reivindicada pela ARA. Mais tarde, já depois do golpe de 25 de Abril de 1974, chegaram a ser apontados nomes de oficiais da Marinha ligados ao MFA como estando envolvidos no “caso Angoche”.

No entanto, a sabotagem só por si não chega para explicar o enigma do desaparecimento da tripulação e do material de guerra que se encontrava no navio. O ‘Angoche’ terá sido abordado nessa noite, depois das explosões, por um submarino russo, que recolheu o armamento e capturou os tripulantes, entregando-os depois à Frelimo. Os portugueses foram mantidos em cativeiro durante anos, na principal base da guerrilha moçambicana na Tanzânia, Nachingwea, e por fim assassinados, de acordo com o antigo inspector da PIDE/DGS Óscar Cardoso, citado por Bruno Oliveira Santos em Histórias Secretas da PIDE/DGS (Nova Arrancada, 2000).

A intervenção soviética foi pedida pela Tanzânia como retaliação pelo ataque de um submarino sul-africano a uma traineira tanzaniana, no âmbito de uma operação conjunta luso-sul-africana contra a Frelimo. Outras fontes referem que a captura dos tripulantes portugueses foi uma resposta à condenação, por um tribunal militar português, do capitão cubano Pedro Peralta, capturado em combate na Guiné e libertado pelas novas autoridades que tomaram o poder em Lisboa depois do golpe de Abril de 1974.

Para adensar o enigma, há referências a um passageiro misterioso que teria embarcado para a viagem e ainda a estranha ausência do radiotelegrafista, que, à última hora, acabou por ficar em terra. Por fim, o suicídio de uma portuguesa que trabalhava num clube nocturno da cidade moçambicana da Beira, tida como amante de um oficial da Marinha de guerra que estaria envolvido no atentado, veio acrescentar mais ingredientes conspirativos ao caso.

A participação directa do submarino russo no assalto ao navio constituía a prova de que, como Portugal sempre defendeu perante a ONU e a comunidade internacional, os auto-proclamados “movimentos de libertação” não passavam de fantoches do imperialismo da então URSS na agressão ao Ultramar português. Daí que os novos senhores do poder depois do golpe militar de Abril se tenham empenhado a fundo na tentativa de abafar o caso, negando a justiça devida à memória dos tripulantes do ‘Angoche’, vítimas de uma guerra em que não eram combatentes.

As autoridades “abrilistas” bem tentaram que a tragédia do ‘Angoche’ caísse no esquecimento. Só não contaram com uma jornalista chamada Vera Lagoa e um jornal que, então como hoje, não se verga nem se cala: O DIABO.





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