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segunda-feira, 19 de outubro de 2020

A Farsa!!!

 


«é precsiso que tudo mude para que tudo fique na mesma».

«A monarchia liberal, meu príncipe, morreu ao nascer. Foi muito festejada porque abriu as portas de algumas prisões e deslaçou o nó de algumas cordas de enforcado, além de que deu satisfação a alguns theoricos de má morte. Mais nada. Apenas entrou em funções, os portugueses voltaram-se contra ellla e declararam-lhe uma guerra que só terminou vinte anos depois. Pela victória? Nâo! Pela derrota. V.M. deve saber isto. A avó de V.M., a senhora D. Maria da Glória, só conseguiu obter a paz em Portugal, com o auxílio das armas estrangeiras.
Uma nação pacificada pela força das armas estrangeiras é uma nação morta. Não há a esperar d'ella senão os fructus da humilhação: o desanimo e o abatimento n'uns, o servilismo e a corrupção n'outros. Foi o que nos succedeu. Na occasião em que Portugal expirava viu-se de um lado Herculano chorando e do outro Rodrigo da Fonseca, rindo. O futuro é dos cynicos e por cynicos passou Portugal a ser governado até hoje. Cadaver abandonado é pertença de milhafres. Portugal foi esse cadaver abandonado. Os milhafres foram os seus governos.
Terminara o drama: começou a comedia: a comedia dos principios mortos, a comedia dos partidos que já não tinham razão de ser, a comedia das luctas simuladas, a comedia das paixões fingidas. Essa comedia se representou durante os dois reinados do senhor D.Luiz e do senhor D.Carlos. Falsificou-se um Estado - caso novo na história - e falsificou-se tudo o que lhe dizia respeito. Falsificou-se uma opinião que não havia, falsificou-se um parlamento de falsos representantes, falsificou-se um executivo que d'esta fraude recebia por sua vez mandato, falsificou-se uma imprensa e uma tribuna de governo e de oposição atribuindo-lhes anatgonismos que não tinham, falsificou-se a justiça com uma magistratura de compadres, falsificou-se a contabilidade pública, falsificaram-se orçamentos, falsificou-se a moeda.
Tudo foi simulado, tudo foi fingido. Uma só coisa era real - a ruina.
Mas os povos não teem o direito de se arruinarem, sobretudo à custa dos outros. A ruina trouxe a bancarrota. Quando o senhor D.Carlos subiu ao throno, o paiz fallia, chamava credores, entregava o rendimento das alfandegas, como mais tarde havia de entregar os dos caminhos de ferro, os dos tabacos, os dos phosphoros, até chegar aos derradeiros expedientes em que hoje se debate fazendo dinheiro pelos processos melodramaticos dos Trinta annos, ou a vida de um jogador.
Esta obra, entretanto, não produzia os seus effeitos sobre um organismo extincto. O povo, é sempre o mesmo e é sempre outro. Constantemente se renova. Constantemente renasce. O Portugal da senhora D.Maria da Gloria morreu; morreu com Herculano, com os Passos, com José Estevam e os Ribeira de Sabrosa, mas outro nasceu, filho d'esse, que, herdando as suas decepções, começo por fazer d'ellas o scepticismo bonacheirão que deu o Zé Povinho e acabou por os levarao estado congestivo de revolta que deu o Buiça. Do Zé Povinho ao Buiça que longa estrada! O Zé Povinho era o chamado - povo indifferente, povo aphatico, povo morto. Na realidade era o - Desprezo. Eram as urnas desertas, eram os cidadãsos de mãos nos bolsos, encolhendo os ombros e dizendo que "tão bons eram uns como os outros". Na realidade, era a nação recusando-se a collaborar na comedia. A ficção não era já uma ficção: era um escandalo cada vez mais clamoroso. A falsificação fazia-se a escancaras. Porque não? Porventura alguem a impedia? O povo ria. Dividia-se o paiz como os piratas dividem o producto de um saque - bulhando. os politicos tratavam-se reciprocamente de ladrões. O avô de V.M., o senhor D.Luiz, era acusado de cubrir com o seu manto, acusação injusta porque o manto era pequeno e os ladrões eram muitos. Nada se salvava, nem as apparencias, e para quê? O povo ria, ria com as mãos nas ilhargas. Os politicos gabavamn'o: Bom povo! Não ha melhor povo! E, com effeito, não havia. O povo não sabia o que era protestar e dava tudo o que lhe pediam: contribuições, soldados, victimas da Assistencia Nacional aos Tuberculosos, Albarda, real senhor! Clamavam os pamphletarios. O povo deixava-se albardar. era um jumento bom.»

É preciso nunca esquecer que as "ideias" constituem um dos mais venenosos tipos de "arma". É sempre útil ter isto em mente, especialmente ao (re)ler trechos sumamente verdadeiros como este, em epígrafe:
«Uma nação pacificada pela força das armas estrangeiras é uma nação morta. Não há a esperar d'ella senão os fructus da humilhação: o desanimo e o abatimento n'uns, o servilismo e a corrupção n'outros.»

Pinheiro Chagas


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