Após a extinção da Ordem dos Pobres Cavaleiros de Cristo e do Templo de Salomão, autorizada pelo papa Clemente V, a pedido do rei de França, em 1310, em Frielas, a 14 de Abril, foi feito o tratado entre o rei D. Dinis e o rei de Castela, para impedir que os bens da Ordem dos Templários fossem dados a estranhos aos respectivos reinos. D. Dinis mandou negociar, em Roma, a criação da uma nova ordem que o servisse e o ajudasse a defender o reino. O negócio foi cometido ao cavaleiro Lourenço e ao cónego de Coimbra, Pedro Pires, com procuração datada de 14 de Agosto de 1318.
Logo em 1308, pela Bula Regnans in Caelis, o Papa se dirigiu aos soberanos europeus, denunciando os alegados crimes dos Templários franceses e ordenando a abertura de um inquérito aos de todos os reinos. No caso português, D. Dinis não só recebeu essa Bula, mas uma outra, intitulada Callidi serpentis vigil, expedida a 30 de Dezembro do mesmo ano, recomendando e pedindo mesmo a prisão dos Templários portugueses, para serem entregues aos tribunais.
O Rei mandou-lhes de imediato instaurar um processo judicial, mas, agindo com notável circunspecção, tudo fez com delongas, dando tempo aos cavaleiros para prepararem a sua defesa. Nesse período quase todos fugiram ou esconderam-se, com a sua evidente protecção. Entretanto formou-se um tribunal, constituído pelo Bispo João de Lisboa, pelo jurista Mestre João das Leis e pelo prior dos Fransciscanos.
Nenhum templário foi preso, mas, por sentença de 27 de Novembro de 1309, todas as propriedades e bens templários reverteram para a Coroa, a começar pelas propriedades de Pombal, Soure, Ega e Redinha, mais tarde Idanha-a-Velha, Salvaterra do Extremo, Rosmaninhal, etc.
Um perigo se avolumava no entanto para a Coroa portuguesa, o de que, depois da extinção oficial da Ordem, o Papa e os Bispos pudessem reclamar a «herança» dos seus avultados bens, o que além de tudo o mais, pela transferência de castelos e praças fortes para fora da jurisdição real, podia colocar em risco a paz do Reino. Foi então que D. Dinis congeminou um entendimento com o seu genro, o Rei D. Fernando de Castela, que resultou na Convenção de Salamanca, de 22 de Janeiro de 1310, a que aderiu pouco depois o Rei D. Jaime II, de Aragão.
Esta aliança dos reis peninsulares relevava toda a consideração que tinham pelos Templários. Era, no fundo, uma barreira levantada para a sua defesa e ao mesmo tempo para garantia dos direitos dos soberanos aos seus bens.
A inquirição ordenada por D. Dinis aos Templários portugueses, à sua vida, aos seus costumes, às suas práticas e à sua fé, ilibou-os totalmente. Também os nossos Prelados, reunidos, os declararam inocentes de quaisquer crimes. E assim pouco a pouco, começaram todos a regressar à pátria, recebendo pensões sobre os bens penhorados e sendo tratados com respeito por toda a gente, como «antigos Templários». (quodam Milites).
A aliança dos reis peninsulares foi extraordinariamente efectiva. Assim, quando a Ordem do Templo foi extinta, em 1312, concedendo-se muitos dos seus haveres aos Hospitalários, o Papa abriu uma excepção em favor dos três soberanos, D. Dinis, D. Fernando e D. Jaime II, fixando um prazo para concertar com a Santa Sé a aplicação dos bens. Para entretanto os administrar em Portugal, o Papa nomeou o Bispo do Porto, D. Estêvão, personalidade de ambicioso que anteriormente tivera o favor real, mas que se mostrava agora indigno da sua confiança. Por isso o nosso monarca rejeitou tal nomeação e, pondo os tempos entre os males, foi atrasando as negociações.
E, quando a Bula da suspensão foi enfim publicada, já não podia ter entre nós qualquer efeito. Os cavaleiros haviam desaparecido; os bens estavam em poder de D. Dinis; o administrador do Papa achava-se repudiado. Os Hospitalários não podiam ter a ousadia de chamar a si os territórios templários (1).
Não cessaram porém as pressões da Ordem de S. João do Hospital, de alguns Bispos e da própria Igreja de Roma, considerando-se com direitos à herança templária. D. Dinis não esquecia que o próprio Papa João XXII, em 1317, tinha tomado a liberdade de doar ao Cardeal Bertrand, um dos seus prelados favoritos, nada menos do que a povoação e o castelo de Tomar, com todas as suas rendas. No lance, como sempre habilíssimo, D. Dinis instigou o príncipe herdeiro e alguns nobres do reino a apresentarem um protesto, decisivo e formal. O cardeal desistiu da posse, para que estava autorizado por uma bula, e não se falou mais nisso (2).
Por outro lado, ao defender de forma tão sábia e eficaz os Templários em desgraça e ao conservar sem perdas, mesmo mínimas, todo o seu património, D. Dinis não fez como os seus pares de Castela ou de Aragão, que absorveram na Coroa todos os bens templários. Pelo contrário, tudo indica que, desde o princípio, teve a ideia preconcebida e o propósito de restaurar de algum modo a Ordem, que lhe prestara bons serviços e sobretudo na qual via uma força de primeira importância para os seus planos, se é que estes não tinham uma das suas fontes principais na própria herança espiritual da Ordem.
Não o soube a tempo Dante Alighieri, que no Canto XIX do Paraíso, na Divina Comédia, condena duramente o de Espanha (3) (provavelmente D. Fernando IV, de Castela e Leão) pela sua luxúria e vida de moleza, os reis de Aragão, Sicília e Maiorca (provavelmente Jaime II e Frederico II), cujas obras ignóbeis (...) desonraram uma raça ilustre e duas coroas (4), e ainda o nosso D. Dinis, também por obras ignóbeis (5).
Eram os reis peninsulares que tinham assinado o pacto de guardar os bens templários, resistindo às pressões de Clemente V para a sua absorção no património eclesiástico, através dos Hospitalários ou dos Bispos. Mas Dante foi duplamente injusto para com o Rei português. Não se sabe exactamente quando concluiu, no exílio, a sua Divina Comédia. Os primeiros Cantos, o Inferno e o Purgatório, terão sido escritos entre 1290 e 1313. O Paraíso, muito possivelmente entre 1313 e 1317-1320, isto é, nos últimos anos da vida do grande poeta e pensador, que morreu em 1321. O certo, contudo, é que, se foi tão severo para com D. Dinis, associando-o a outros reis, foi por o ter julgado, como eles, um ambicioso, que se apropriou para seu proveito dos bens dessa Ordem pela qual tinha particular reverência.
Não teve Dante tempo para saber que, ao invés de ter acrescentado a sua fortuna com as propriedades e tesouros templários, D. Dinis foi o Príncipe justo e sábio (denominação pelo poeta reservada para os habitantes, no Paraíso, do Sexto Céu ou Céu de Júpiter) que salvou a Ordem dos Templários, que resgatou e restaurou todos os cavaleiros do país e, mais do que isso, que preservou o seu legado, cumprindo-o em superabundância e dando-lhe um sentido amplificante e universal ao transformá-la na Ordem de Cristo.
Sampaio Bruno tocou neste ponto, embora ao de leve, no seu artigo D. Dinis e os Templários, postumamente inserido no livro Os Cavaleiros do Amor, ao escrever que se Dante, tendo acabado os seus dias em 1321, conhecimento teve da nobre conduta do Rei português, houve de levar com ele o desgosto de ter mal-entendido um benfeitor dos seus confrades (6).
Duplamente injusto, escrevemos. É que, se houve soberano europeu do seu tempo que tivesse entendido, perfilhado e assumido o pensamento doutrinário e poético do autor da Divina Comédia, ou que com tal pensamento se tivesse encontrado pela convergência joanina, joaquimita e templária, esse soberano foi como veremos D. Dinis, irmão espiritual de Dante, seu contemporâneo, homem da mesma geração, companheiro da mesma confraria invisível e sonhador do análogo desiderato escatológico das duas beatitudes.
D. Dinis foi contudo mais lúcido na sua visão política, ao conceber antes no futuro, mas preparando-o, o seu Império do Espírito Santo, do que no presente existencial e conflituoso, como quimericamente o chegou a projectar o arrebatado Alighieri, ao ver em Henrique VII de Luxemburgo, eleito Rei dos Romanos em 1308 e coroado Imperador em S. João de Latrão em 1312, a cabeça carismática de um Império dentro do qual ele próprio, o gibelino, o «branco», o adversário de Bonifácio VIII e depois de Clemente V, não só poderia voltar à sua Florença natal de onde fora exilado pelos «negros», como poderia (julgava) doutrinar o Imperador. Dante recebeu Henrique VII em Vercelli e acompanhou-o a Pisa nesse mesmo ano, procurando inspirar-lhe o projecto de uma soberania terrena de Deus-Espírito na Verdade, na Fraternidade e no Amor, enquanto para o Sumo Pontífice ficaria reservada a soberania no espiritual, isto é, para um a representação da primeira, para o outro a da segunda beatitude.
Mas este Imperador tão frágil, tão precário, no qual tão excessivamente investira o seu sonho o poeta, veio a morrer pouco depois, a 24 de Agosto de 1313 em Buoncovento, perto de Siena, dessa Siena grata onde o imortal florentino passou, desterrado, os últimos anos da sua existência, escrevendo o Paraíso e as Questões da Água e da Terra.
Pouco depois, em Portugal, D. Dinis preparava discretamente a sua jogada. Com procuração sua e instruções esplícitas, partiu para Avinhão uma embaixada portuguesa, constituída por João Lourenço, cavaleiro de Monsaraz e Pedro Peres, Cónego de Coimbra, encarregados de expor ao Papa João XXII (que em 1316 tinha sucedido a Clemente V) as razões por que o nosso Rei tinha conservado na Coroa as propriedades e os bens templários e porque, atendendo «às graves injúrias, inúmeros danos e outros diferentes e enormes males, os quais tinham feito e não cessavam de fazer os sarracenos, inimigos pérfidos da Fé» (7), sarracenos que vizinhavam no sul (os Califados de Sevilha e Córdova), era necessário criar uma milícia capaz de lhes fazer frente, para tal usando os haveres e rendimentos templários e aproveitando para sua sede o lugar muito fortificável de Castro Marim, nas margens do Guadiana, fronteiro à Espanha muçulmana.
Os embaixadores expuseram de viva voz ao Papa esta pretensão, sublinhando que no castelo de Castro Marim poderia sediar uma santa milícia cujos cavaleiros e professos, deixando as vaidades do mundo e incitados com zelo de verdadeira Fé, prestariam grandes serviços ao nome de Deus e desalojariam os sarracenos, que tanto dano causavam ao seu rei e reino (8).
Está-se a ver o alcance do ardil de D. Dinis. Perante a forma como era apresentada a ameaça muçulmana, tanto mais que o poderio da Espanha moura era ainda uma realidade e o Algarve, só recentemente reconquistado para a fé cristã, corria sempre o perigo de uma invasão, João XXII, concordou com a proposta e, pela Bula Ad ea exquibus cultus augeatur divinus, dada em Avinhão a 14 de Março de 1319, proclamou o estabelecimento de uma nova Ordem de Cavalaria, a Ordem da Milícia de Jesus Cristo («Ordo Militiae Jesu Christi), sendo os seus cavaleiros denominados Cavaleiros de Cristo (Milites Christi).
A sede seria em Castro Marim, devendo os cavaleiros seguir a regra cisterciense, tendo como superior espiritual o Abade de Alcobaça, que poderia quando e como quisesse inspeccionar o chefe e membros da Ordem. Os Mestres deveriam prestar juramento e fidelidade ao Rei, não podendo, eles ou os cavaleiros, alienar os bens da Ordem. Por outro lado a citada bula outorgava, doava e unia, incorporava, anexava e aplicava para todo o sempre à dita Ordem de Jesus Cristo: Tomar, Castelo Branco, Almourol e todos os outros castelos, fortalezas e outros bens móveis e de raiz, homens, etc., etc., que a Ordem do Templo tinha e havia e devia ter nos ditos reinos de Portugal e Algarves (9).
Era afinal a restauração da Ordem do Templo, tanto mais que todos os antigos templários se incorporaram na nova ou renovada Milícia, incluindo o seu último Mestre, D. Vasco Fernandes. E tal foram o desinteresse e rectidão demonstrados por D. Dinis nesta ocasião, sublinhou o historiador alemão Henrique Schaeffer, que a 26 de Novembro daquele mesmo ano, não só mandou entregar à Ordem de Cristo todos os antigos domínios templários, como também mandou restituir nos cavaleiros de Cristo os rendimentos cobrados pelos almoxarifes régios nos bens dos Templários desde a sua extinção (10). Eis o que indica eloquentemente a disposição e os planos, do Rei para a nova Ordem.
Foi a 5 de Maio de 1319 que, dando quase imediato cumprimento à bula do Papa (que ele praticamente tinha ditado), foi celebrada em Santarém a instituição da nova Milícia, tendo como Mestre, nomeado por João XXII sob proposta de D. Dinis, o também Mestre da Ordem de Avis, D. Gil Martins, homem sobre cuja pureza de vida, valor de pessoa, inteireza de Fé e de outros merecimentos de sua natural bondade tinha o Papa louváveis testemunhos (11).
Inaugurava-se deste modo a aproximação entre as duas Ordens de Cristo e de Avis, seguindo esta, aliás, a mesma regra de Cister, colaboração que viria a atingir o seu ponto mais alto no tempo de D. João I, Mestre de Avis, e bem assim em vida dos seus sucessores, até D. Manuel I. Só desta vez foi o Mestre de Cristo nomeado pelo Papa, porque a partir da morte de D. Gil Martins (que sucedeu pouco depois, em 13 de Novembro de 1321), passaria a ser eleito pelos cavaleiros.
Naquele dia 5 de Maio de 1319, em Santarém, com grande pompa, o próprio Rei recebeu pessoalmente o juramento do Mestre de Cristo, D. Gil Martins, que ali foi armado cavaleiro da nova Ordem.
Foi a 11 de Junho de 1321 que se realizou o seu primeiro capítulo, no qual se lhe arrolaram todos os bens (10 cidades e 46 vilas e coutos) e se lhe fixou em 84 o número dos membros, dos quais 69 seriam Freires Cavaleiros, 9 seriam Freires Clérigos e 6 Freires, Serventes ou Sargentos.
Um pequeno grupo, como se vê. Grupo de Freires-Cavaleiros que nunca foi muito maior, visto que no tempo do mestrado do Infante D. Henrique apenas subiria para 100. Mas um corpo de elite, uma aristocracia da coragem, da dedicação total a uma causa e sobretudo do espírito, na continuidade do antigo pensamento templário, mas renovando-se com a influência decisiva de D. Dinis, não podendo esquecer-se que, durante os 11 anos de dormência da Ordem do Templo em Portugal (1308-1319), o Rei e a Rainha lançaram e desenvolveram o Culto e as Festas aristocráticas e populares do Esprito Santo, com a coroação simbólica de um Imperador-homem pobre ou de um Imperador-menino, de um Veltro representante do Evangelho Eterno. Ambas as iniciativas são indissociáveis e complementares, tanto assim que, como já apontámos, nas naus de descoberta e de povoação, capitaneadas por Cavaleiros ou Comendadores de Cristo, as Festas do Espírito Santo eram instauradas (in ob. cit., pp. 125-131).
No tempo de Sancho II ainda as Ordens Militares portuguesas prestaram relevantes serviços à Coroa, combatendo sempre na vanguarda das sucessivas batalhas que levaram à conquista das principais praças do Alentejo. Também sob Afonso II coadjuvaram o Rei na conquista de Faro e do Algarve.
Com a ocupação total do território, contudo, houve um período de natural declínio da sua acção, visto que desaparecera um dos seus propósitos principais. Com o seu olhar de lince, D. Dinis apercebeu-se imediatamente do problema: estas Ordens dependiam da jurisdição exterior, com autoridade sobre os cavaleiros portugueses. Deviam pois obedecer a um centro de poder estranho ao Reino e dificilmente o Estado podia ter alguma autoridade sobre elas.
Urgia completar a independência portuguesa, que assim não era total, tanto mais que por diversas vezes algumas das nossas Ordens, já sem a missão específica da reconquista cristã perante o inimigo comum a todos os Estados peninsulares, tinham actuado ao serviço de interesses estrangeiros.
Era o caso da Ordem de Santiago, por exemplo, que possuindo castelos fronteiros, uma organização, uma preparação, uma força económica inclusivamente, por mais de uma vez, em lugar de servir interesses nacionais, obedecendo a directrizes alheias, chegara a combater contra Portugal e a exercer outras funções desfavoráveis, como sublinha Shaeffer (12).
Havendo praças-fortes essenciais à nossa defesa em sua posse, esta obediência a um mestre castelhano era perigosa, razão porque D. Dinis se resolveu a tudo fazer para conseguir a separação total.
Habilmente enviou uma embaixada ao Papa Nicolau IV e dele conseguiu por Bula de 16 de Setembro de 1288, que os cavaleiros portugueses de Santiago escolhessem um mestre privativo para Portugal, muito embora subordinado à inspecção do Grão-Mestre peninsular. Uma segunda Bula, de 1290, confirmou esta disposição, elegendo-se como primeiro mestre da Ordem em Portugal D. João Fernandes, entre 13 cavaleiros portugueses com direito de voto. Observe-se que D. Dinis conseguiu esta difícil regalia, no mesmo ano em que iniciou as suas diligências para fundar a Universidade. Tinha 27 anos.
Difícil, dificílima regalia, contestada vivamente pelo Grão-Mestre castelhano, que conseguiu obter do Papa Bonifácio VIII a anulação daquelas disposições de Nicolau IV, confirmadas por Celestino V, indo ao ponto de ordenar aos nossos cavaleiros de Santiago que, sob pena de excomunhão, demitissem o seu mestre português. A partir daí, houve numerosas vicissitudes. Logo que morreu Bonifácio VIII, os cavaleiros lusos voltaram a eleger o seu mestre, o qual, a instâncias dos castelhanos, foi de novo suspenso no Pontificado de João XXII, escrevendo a D. Dinis (por um Breve de 17 de Abril de 1317), para que demitisse o mestre português eleito e obrigasse os cavaleiros da Ordem a obedecerem de novo ao Grão-Mestre de Leão e Castela.
Contudo, D. Dinis não cedeu, no que foi apoiado pelos sucessivos mestres portugueses depois de João Fernandes: Lourenço Annes e Pedro Escacho. Até que, depois de nova embaixada ao Papa, na qual se integrou o Almirante Manuel Pezagno ou Pessanha, obteve enfim o que desejava. Pedro Escacho foi confirmado pela Santa Sé como Mestre de Santiago por uma Bula de 1320.
Quanto à Ordem do Templo, a situação era diferente, até porque, de todas as nove províncias templárias, tanto as simples (Portugal, Aragão e Maiorca), como as duplas (Castela e Leão, França e Auvergne, Inglaterra e Irlanda, Alemanha e Hungria, Itália do Norte e do Sul, Puglia e Sicília) Portugal formava um grupo aparte (13), com cavaleiros obrigatoriamente portugueses. Nunca os templários portugueses, escreveu Schaeffer, se afastaram da lealdade devida ao seu Rei; e, enquanto em Castela e Leão se sublevavam contra seus soberanos, declarando-lhes guerra aberta, mostravam-se em Portugal sempre possuídos de afeição pelo imperante e pela pátria (14).
Aliás, se os Templários tiveram entre nós grandes privilégios e regalias, por outro lado, desde o início que a sua vinculação à Coroa no temporal era absoluta: sem licença do Rei não podiam enviar nada dos seus bens para fora do território, fosse para a Palestina; não podiam dispor livremente das suas propriedades, que ficavam sob a jurisdição real; a eleição do mestre tinha de ter o beneplácito do Monarca, não podendo sair do Reino sem a sua autorização; os mestres eleitos da Ordem tinham de prestar homenagem ao Rei e ao príncipe, jurando reconhecê-lo como herdeiro; só podiam ser admitidos cavaleiros portugueses na Ordem; e o Capítulo da Ordem só podia realizar-se em lugar designado pelo soberano e em presença de um delegado régio.
Mesmo assim, D. Dinis também não descansou enquanto não se deu a separação da Ordem do Templo de todos os restos de jurisdição exterior, o que sucedeu também em 1288. A partir daqui redobrou a colaboração entre os Templários e D. Dinis, que teve ocasião de experimentar pessoalmente a força espiritual e mesmo combativa da Ordem. Foi muito provavelmente a partir do mestrado de D. Afonso Gomes, que D. Dinis realizou a importância de ter a colaboração de uma Milícia como a do Templo, com todo o seu idealismo cavaleiresco, o seu espírito de luta e de sacrifício, o seu finalismo joanino e graalista. Em seu proveito reedificou Nisa, vila templária. E os Templários, por seu turno, foram a sua principal força de choque (15) no litígio que o opôs ao seu irmão D. Afonso, pela posse das vilas de Arronches, Marvão e Portalegre, que recebera em herança de seu pai, com direito de as poder transmitir por morte; devido aos casamentos castelhanos do irmão, tais vilas arriscavam-se na verdade a passar para a jurisdição de Castela (16). O caso só foi resolvido com o auxílio dos Templários e do seu mestre, sucessor de D. Afonso Gomes, D. Lourenço Martins (17).
Entretanto, na França de Filipe o Belo, graves acusações ameaçavam os Templários franceses. Não nos esqueçamos de que, depois da queda de Acre, o último baluarte cristão na Palestina, a sede do Grão-Mestrado fora deslocada para Chipre e, em 1306, para a França. O seu tesouro e os seus arquivos foram transportados para uma fortaleza próxima de Paris, cidade onde se instalaram, a convite de Filipe o Belo, o Grão-Mestre, Jacques de Molay, e os principais comandantes templários.
A Coroa francesa atravessava a sua maior crise financeira de sempre e, para resolver o problema, Filipe IV, o Belo ou o Formoso, lançou os olhos ávidos sobre os bens dos Templários, que eram de facto imensos (18), devido à sua política bancária. Sentava-se então no trono de S. Pedro o Papa Bonifácio VIII, carácter forte e ambicioso, que afastara, enquanto Cardeal Gaetani, o joaquimita e «espiritual» Celestino V. O conflito era inevitável e, no choque de vontades entre os dois partidos, após vicissitudes várias, ultrajado, esbofeteado e preso no seu palácio de Anagni, pelos partidários de Filipe o Belo e dos seus aliados italianos, os Colonna, o então octagenário Bonifácio VIII acabou por sucumbir, cumprindo-se o anátema dos partidários de Celestino V: entrou como lobo, reinou como leão, morrerá como cão (19).
Depois do breve pontificado de Bento XI, foi eleito Papa Bertrand de Goth, Arcebispo de Bordéus, com o nome de Clemente. Esta eleição de um Papa francês, na cidade francesa de Lyon, onde foi coroado, deve-se à estratégia de Filipe o Belo, que, tendo sido tão contrariado por Bonifácio VIII, pretendia agora dominar a própria Cúria romana. E consegui-o, mediante uma série de estratagemas, numa das fases mais conturbadas da história da Igreja.
Ao que parece, Filipe o Belo fizera um pacto secreto com o então Arcebispo de Bordéus, num encontro realizado numa floresta perto de S. João de Amely, mediante o qual se propunha assegurar-lhe a eleição como Sumo Pontífice, desde que se comprometesse a satisfazer seis condições, entre as quais as de criar Cardeais os que o Rei indicasse e de restituir os irmãos Colonna, destituídos por Bonifácio, à dignidade cardinalícia, o que daria ao Rei de França maioria influente no Sacro Colégio. Haveria também uma sexta cláusula, secreta, a cumprir só depois da eleição, e que seria a extinção da Ordem dos Templários (20).
Uma vez eleito, Clemente V satisfez todas as cinco primeiras cláusulas, mas, receando voltar a Roma, onde não tinha suficientes apoios, instalou-se sucessivamente em Poitiers, em Toulouse e por fim em Avinhão em 1309, de onde ele e os seus sucessores, durante 70 anos, governaram a Igreja. Foi o que muitos historiadores eclesiásticos chamaram o novo Cativeiro da Babilónia, pela deslocação da Cúria para fora de Roma e sobretudo por ter caído debaixo da influência dos soberanos franceses.
À luz destes acontecimentos, compreende-se como pôde Filipe o Belo, com a ajuda do seu braço direito Nogaret, criar o cenário dentro do qual lhe foi possível conseguir a extinção, em seu benefício, da Ordem dos Templários, apoderando-se dos seus bens.
A Vieira d'Areia, que estudou cuidadosamente o processo, ao qual dedicou um livro, coligindo no final um resumo das declarações, apensas, de 231 testemunhas, ouvidas de 11 de Abril de 1310 a 26 de Maio de 1311 pela comissão de inquérito nomeada por Clemente V, escreveu que os Templários eram os banqueiros do rei. Haviam-lhe concedido um grande empréstimo, fixando um prazo cujo fim se aproximava com assustadora velocidade (21).
Foi então que o Rei concertou com o Papa o golpe contra os Templários, que não só anularia a dívida, como encheria os cofres reais. Decerto a Ordem, privada da cruzada na Terra Santa, liberta a Europa dos sarracenos, parecia não já ter finalidade clara ou, pelo menos, consensual. Tinha enormes riquezas. Funcionava, no económico, como um Banco. A inactividade reforçava, em vez de atenuar, o orgulho dos cavaleiros, pelo menos em França, tornando-se, estribada nos seus privilégios, arrogância e altanaria perante os poderes real e eclesiástico. Em suma, perdia pouco a pouco a popularidade, além de que o transporte do tesouro palestino para Paris ainda mais aguçara o apetite real.
Foi neste momento que dois antigos freires-cavaleiros do Templo, que tinham sido expulsos da Ordem devido a várias infracções e delitos e que tinham sido presos e acusados de assassínio pela justiça secular, fizeram revelações extraordinárias.
Verdadeiras, exageradas, deturpadas ou forjadas por Nogaret e outros cúmplices do Rei? É esse o enigma, até hoje controverso. Segundo eles, em súmula rápida, deviam os cavaleiros, no momento da sua iniciação, cuspir na Cruz e renegar o nome de Cristo; por outro lado, adorariam um ídolo chamado Bafomet e entregar-se-iam a orgias e práticas de sodomia.
Baseado nas declarações de dois criminosos confessos, o Rei agiu rapidamente e com inteligência, enviando comissários seus com cartas de prego, fechadas, para Troyes, Bayeux, Caen, Ruão, Carcassone e todos os pontos onde havia Conventos, Comandarias ou Centros Templários. No mesmo dia e à mesma hora, para que não houvesse «fuga», os Templários deveriam ser todos presos. E assim foi. No dia 13 de Outubro de 1307, oficiais da polícia real apresentaram-se nas sedes da Ordem em nome do Rei, do Papa e com um mandato da Inquisição. Colhidos de surpresa, sem informações, não sabendo quais as acusações ou se o seu caso seria único, admitindo que tudo se deveria a um equívoco que depressa seria desfeito, os Templários franceses deixaram-se prender sem resistência. E de imediato começou a instrução do processo, um dos mais volumosos, demorados e - porque não o dizer? - também um dos mais iníquos de todos os tempos (22).
Os inculpados deveriam responder a 127 perguntas, que implicavam acusações extremamente sérias, não só as já citadas, como muitas outras, tais as de que era ensinado aos cavaleiros que Cristo era um falso profeta, que não deviam acreditar nos sacramentos, que os padres da Ordem omitiam no cânone da Missa as palavras da consagração, que no momento da recepção dos Irmãos, estes deviam beijar os iniciados na boca, no ventre ou noutros lugares do corpo, que adoravam ídolos, etc.
Sob terríveis torturas (23) e sob as ameaças e pressões tremendas a que foram submetidos nas prisões, depois de meses inteiros a pão e a água, numerosos templários confessaram os seus «crimes» de heresia, de blasfémia ou de sodomia. No entanto, mais tarde, perante a comissão pontifical, muitos se retrataram, negando tudo o que anteriormente tinham confessado. Mas estes foram os primeiros a morrer!
Não entraremos na discussão sobre a veracidade ou inveracidade de tais acusações, para as quais foram encontradas pelos comentadores diversas explicações. Contariam algumas delas semiverdades? Tratar-se-ia nalguns casos de «praxes» ou brincadeiras como as da recepção aos caloiros nas Universidades ou na tropa? Pretendia-se testar a fé e a convicção dos iniciados? Ou, por exemplo, no caso da alegada praxe de cuspir na cruz, tratar-se-ia de uma prova de anti-idolatria, inspirada na repugnância islâmica e bizantina (durante o Iconoclasma do século VII, pelo menos) pela adoração das imagens, já que a pura fé prescinde das imagens visuais e artísticas, reducionistas da grandeza ou da infinitude divinas? Teria havido abusos da parte de alguns templários?
Não pretendemos de modo algum analisar a fundo todas estas questões, até porque tal nos levaria longe demais... Mas não é crível na verdade, como escreve Louis Charpentier, que não tenham sido verdadeiros homens de fé esses cavaleiros que durante duzentos anos - ou quase - lutaram, bateram-se, derramaram sem regatear o seu sangue pela Cristandade e que, quando eram feitos prisioneiros, antes se deixavam executar pelos Muçulmanos do que renegar a sua fé católica (24).
Isto sem esquecer que sempre comungaram regularmente segundo os preceitos e que, na prisão, suplicavam que os deixassem assistir à Missa e receber a Eucaristia (25). Aliás, o que demonstra não ter havido provas de heresia que satisfizessem a Comissão Pontifical, os Templários foram condenados, mas não excomungados (26).
Não obstante, e apesar da visível relutância de Clemente V, que acabou por ceder às chantagens e pressões do Rei, os Cavaleiros do Templo começaram rapidamente a ser sentenciados e a ser entregues à justiça secular depois de 11 de Maio de 1310, quando em Sens foram queimados na fogueira os primeiros cinquenta e quatro acusados. A partir daí a escalada sinistra só terminou a 18 de Março de 1314, quando o próprio Jacques de Molay, o Grão-Mestre, cujos depoimentos conhecidos são entre si extremamente contraditórios, foi queimado vivo no adro da Catedral de Nossa Senhora de Paris.
Ao ouvir nessa ocasião a leitura pública das acusações, o Grão-Mestre tomou a palavra para desmentir tudo quanto até aí se tinha dito, ou o tinham obrigado a dizer, ou constava das suas confissões, afirmando que assinara documentos sem os ler, que eram falsos todos os crimes atribuídos à Ordem e que estava inocente.
Segundo a tradição, ao ser atingido pelas chamas da fogueira, Jacques de Molay teria emprazado o Papa e o Rei a comparecerem, com ele, dentro de um ano, perante o tribunal divino (27). O certo é que nesse mesmo ano, a 14 de Abril (menos de um mês depois), morreria Clemente V, e a 29 de Novembro Filipe, o Belo, apenas com 46 anos, sem que os médicos da Corte tivessem sido capazes de fazer um diagnóstico sobre as causas da morte.
Antes, porém, pela Bula Vox in excelso, submetida ao Concílio de Viena, a 3 de Abril de 1312, o Papa extinguiu a Ordem do Templo, sem contudo se pronunciar pela sua condenação canónica, decerto devido às irregularidades do processo (28). A Bula Ad providam fez conhecer a decisão a todo o mundo cristão.
Só houve execuções em França, contudo, visto que os restantes países tiveram para com eles uma outra consideração, apesar de nalguns casos os soberanos terem aproveitado para se apoderar dos seus bens. Assim, se em Inglaterra Eduardo II confiscou em proveito da Coroa todos os bens da Ordem, havendo um inquérito, mas sendo os acusados absolvidos, se na Itália houve reacções variáveis, desde Nápoles e o Piemonte onde foram perseguidos, até à Sicília, onde foram igualmente absolvidos, já na Alemanha o concílio de Mogúncia se pronunciou pela inocência dos freires, sendo os seus bens, contudo, distribuídos pelos senhores feudais e pela Ordem dos Cavaleiros Teutónicos.
O certo é que mesmo com este atributo geral de benevolência, a Ordem foi extinta. E na Península Ibérica? E em Portugal - que se passou realmente? (in ob. cit., pp. 117-124).
Notas:
(1) H. Schaeffer, História de Portugal, I Vol., ob. cit., p. 135. Estes elementos foram colhidos principalmente, não só na História de Shaeffer, cap. Os Templários e a Ordem de Cristo, abonando-se principalmente da Monarquia Lusitana, mas também nos mencionados livros de Vieira Guimarães e A. Vieira d'Areia, respectivamente sobre A Ordem de Christo e O Processo dos Templários.
(2) H. Shaeffer, ob. cit., p. 316.
(3) Dante, Divina Comédia, ob. cit., Paraíso, 19, 124.
(4) Ibid., 130 e 136.
(5) Ibid., 139.
(6) Sampaio Bruno, D. Dinis e os Templários, A Águia, n.º 40, Abril de 1915, in Os Cavaleiros do Amor, Guimarães Ed., Lisboa, 1960. p. 169.
(7) Vieira Guimarães, A Ordem de Christo, ob. cit., p. 58.
(8) Ibid.
(9) Ibid., p. 59.
(10) H. Shaeffer, História de Portugal, ob. cit., p. 318.
(11) Da Bula Ad ea exquibus, cit. por Vieira Guimarães, A Ordem de Christo, ob. cit., p. 559.
(12) H. Shaeffer, História de Portugal, ob. cit., pp. 300 a 305.
(13) Louis Charpentier, Les Mystères Templiers, Ed. Robert Laffont, Paris, 1967, p. 128.
(14) Ibid., p. 310.
(15) Vieira Guimarães, A Ordem de Christo, ob. cit., p. 51.
(16) Veríssimo Serrão, História de Portugal, I Vol., ob. cit., p. 249.
(17) A Ordem de Christo, ob. cit., p. 51.
(18) Calcula-se que o rendimento do Templo atingia a soma, espantosa para a época, de dois milhões de libras, contrastando por exemplo com o da Casa Real francesa, que não ultrapassava as oitenta e quatro mil libras. Vieira D'Areia O Processo dos Templários, Livr. Civilização, Ed., Lisboa, 1949, p. 86.
(19) Ibid., pp. 25 a 29.
(20) Ibid., p. 35.
(21) Ibid., p. 39.
(22) Ibid., p. 43.
(23) Só em Paris, escreve Vieira d'Areia, os tormentos mataram trinta e seis freires da Ordem, enquanto em Troyes vinte e cinco morreram nos interrogatórios, ibid., pp. 50 e 51.
(24) Les Mystères Templiers, ob. cit., p. 212.
(25) Ibid.
(26) Ibid., p. 61.
(27) O Processo dos Templários, ob. cit., p. 65.
(28) Quando o Concílio de Viena marcava passo, pois os delegados não se resolviam a tomar uma decisão clara à manutenção ou extinção da Ordem do Templo, Filipe o Belo marchou sobre esta cidade, acompanhado do seu irmão Carlos, dos seus filhos e de tropa fortemente armada. Assustado, Clemente V convocou a comissão principal deste Concílio e pôs à votação saber-se se a Ordem deveria ser extinta imediatamente, mesmo sem ouvir a defesa dos Templários. Todos os delegados, excepto, honra lhes seja prestada, os delegados da Catalunha e de Aragão, pronunciaram-se pela dissolução sem defesa, o que sucedeu a 22 de Março de 1312, confirmado a 3 de Abril. Foi o sufrágio do medo, Les Mystères Templiers, ob. cit., p. 66.
Pelo que já li , há uma nova Ordem Templária , só não atua como fizeram os Nobres Templários do passado .
ResponderEliminarO que existe é uma nova ordem a fazer-se passar por Templária, coisas da franco-maçonaria!!!
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