HISTÓRIAS DA MINHA VIDA PROFISSIONAL, CURIOSAS E QUE MOSTRAM QUE ENTRE IDEIAS BEM-INTENCIONADAS E O PRAGMATISMO DOS QUE SABEM DA VIDA... VAI UM MUNDO...
1984. Fui nomeado CMDT Distrital da PSP de Viseu. Por inerência de funções fui também nomeado Presidente da Comissão Liquidatária do Albergue Distrital de Viseu.
Porquê? Questionei.
Declararam arrogantemente que a caridade dos Albergues era incompatível com as novas filosofias da segurança social; a solidariedade social iria substituir a caridadezinha salazarista, atentória da dignidade dos mais carenciados.
E o Albergue Distrital de Viseu, tal como todos os outros, foi liquidado. A quinta agrícola em que este se localizava e as suas instalações foram entregues à GNR/BT.
O Albergue Distrital de Viseu, tal como todos os outros, tinha custos Zero absoluto para o Estado e, eficácia igualmente total e absoluta, para as misérias sociais que a PSP identificava nas suas patrulhas e não só.
As instalações do Albergue Distrital tinham sido Doação dum filantropo, vivia de dádivas particulares e de rendimentos próprios da exploração agrícola anexa e era administrado pela PSP, a título gracioso; os Administradores eram o CMDT Distrital da PSP e agentes da PSP na reforma. Ninguém tinha qualquer salário ou benefício. Altruísmo puro.
Com a liquidação do Albergue Distrital, a Segurança Social assumiu assim, gloriosa e superiormente, as responsabilidades sociais dos albergues distritais.
O Albergue Distrital era então o Lar, de portas permanentemente abertas, noite e dia, para todos os sem abrigos, os mendigos, os desvalidos, os psiquicamente menos capazes de sobreviver, etc….
... todos ali tinham sempre e de imediato, a troco de nada, cama, mesa, banho, roupa lavada… ocupação e trabalho… se assim o desejassem e pudessem.
A Polícia quando referenciava mendigos, famintos, vagabundos, necessitados… ébrios, drogados, entregava os aos cuidados do Albergue… e ali podiam ficar para sempre. Se o quisessem.
Problema de polícia e social resolvidos ao minuto.
Em substituição dos Albergues nada, excepto um edifício gigante, o arranha-céus, dito da segurança social, muitas assistentes, inquéritos, entrevistas, resultados…. muitos empregos para os assistentes sociais.
Exemplos por mim vividos da Segurança Social versus Albergue Distrital ou a solidariedade social versus caridade e vice-versa.
Casos concretos, tal como ocorreram, sumários. (1984 e 1985)
Um dia uma senhora pede para falar com o comandante distrital da PSP. Recebi-a e disse-me. Tenho 27 anos, sou viúva, 3 filhos. Não tenho casa, nem trabalho, nem pão para os filhos.
Bati a todas as portas em Viseu, Segurança Social, Câmara Municipal, Governo Civil, Misericórdia e todas as portas se fecharam.
Procurei trabalho e nada. Não posso deixar morrer os filhos á fome.
Snr Cmdt, venho aqui dizer lhe, que a partir de amanhã vou ali para a circunvalação ganhar o pão como prostituta. Não deixe os seus polícias prenderem-me.
A PSP contactou a Segurança Social, nada, tinham pago uns meses de pensão e comida para a viúva e os 3 filhos, e não podiam mais.
As outras instituições depois de contactadas confirmaram nada poderem também.
A PSP descobriu familiares da viúva em Lisboa, contactou-os e predispuseram se a ajudar.
No entretanto, sem qualquer alojamento ou meios de subsistência e durante 8 dias, a PSP instalou a senhora e filhos nas celas (prisão) da PSP, alimentou-os nas messes e pagou os bilhetes de autocarro para Lisboa, Setúbal.
A Segurança Social não podia fazer nada… os polícias pagaram dos seus bolsos…
Outo caso, mais tarde…
A Directora da Segurança Social, revoltadíssima, telefona ao Cmdt Distrital da PSP e diz-me, parece impossível, uma idosa mendiga dormiu esta noite ali na rua direita ao frio, (era Dezembro), e a PSP nada fez…
... questionei a esquadra que me informou ser a mendiga conhecida da PSP desde há muito, ia e vinha de Tabosa frequentemente e dormia na rua, ... antes levavam-na para o Albergue, agora não havia para onde…
... foram buscá-la e mandei levá-la em carro da PSP/Viseu a Tabosa, contra as regras… a Directora esqueceu o facto de terem liquidado o Albergue e já não haver qualquer alternativa para a PSP poder ajudar…
... revistada a mendiga, tinha num saquinho de pano, umas centenas de escudos, que a Segurança Social lhe tinha dado por diversas vezes que a PSP a tinha lá levado…. prova da absoluta inutilidade prática da Segurança Social para resolver alguns casos…
E foram muitos, muitos mais…
A filosofia, a utopia, os sonhos, as fantasias quando se encontram com a realidade prática da vida não passam disso mesmo, sonhos, só sonhos, sempre só sonhos... a vida é outra coisa... menos azul ou cor de rosa.
JOSÉ LUIZ DA COSTA E SOUSA
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