«Infelizmente, não há fome de saber como há fome de alimentos, e ao contrário do esfomeado que até ao último alento ainda procura a nutrição, o ignorante contenta-se a si mesmo com a sua ignorância, revê-se nela, ostenta-a vazio e orgulhoso e impõe-na a todo o mundo. Transitando imediatamente do estado natural em que nasce para o estado teocrático em que vive, o homem está já arriscado, se não já condenado, a não mais encontrar motivo para abandonar a ignorância.
Com o repúdio do saber, repudia-se a verdade, pois o saber é sempre saber a verdade. E perdida a relação com a verdade, perde-se a relação com todos os princípios. Impedido do exercício da liberdade e do reconhecimento da justiça, o homem ainda pode manter-se incólume na individuação que directamente radica no absoluto. Mas perdida a verdade, nada se mantém: nem “as mais elevadas e nobres propriedades do homem”, nem as virtudes éticas, nem a capacidade de pensar. Como na desolação de um campo que as fúrias saturninas devastaram, tudo são vias abertas aos “vícios do homem”, de que fala Malthus, à “sedição e ao crime”, de que fala Aristóteles, à “tirania dos homens demasiado envilecidos”, que é a teocracia sem Deus. E os vestígios que ainda restam do direito, apenas estarão sendo, agora, os contentores da catástrofe final.
Assim atingirá o homem o abismo até onde o levaram uma certa concepção da vontade, que negou o primado do pensamento, uma certa concepção da matéria, que repudiou a transcendência, e uma certa concepção da verdade, que negou a realidade do espírito.»
Orlando Vitorino («Refutação da Filosofia Triunfante»).
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