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quinta-feira, 6 de maio de 2021

Traições e Vergonhas de Abril...

 


«Logo a seguir ao bem sucedido golpe militar de 25 de Abril tornara-se evidente que o Partido Comunista Português, organização muito bem estruturada e com larga experiência de movimentação na clandestinidade, se encontrava empenhado no iminente assalto ao poder, quer na Metrópole, quer junto dos movimentos independentistas africanos.


Na Guiné, à data do 25 de Abril, são cerca de 17.000 os naturais daquela província que integram as Forças Armadas portuguesas ou constituem as milícias e, lado a lado com as tropas metropolitanas, combatem os movimentos subversivos. O destino destes homens preocupa os seus antigos chefes, pelo que estes, como é natural, procuram acautelar que nada de mal lhes suceda.

Assim, de Maio a Junho de 1974 este assunto é objecto de discussão entre delegações de Portugal e do PAIGC. Num dos encontros preliminares participam, pela delegação portuguesa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Mário Soares, e o ministro da Coordenação Interterritorial, António de Almeida Santos, o subsecretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, Jorge Campinos, e o tenente-coronel Almeida Bruno, sendo o PAIGC representado por Pedro Pires e José Araújo. E as indicações que o general Spínola dera a Almeida Bruno eram bem precisas, no sentido de proteger não só os oficiais e sargentos do Batalhão de Comandos como também os comandantes das milícias, que tinham cerca de 20 mil homens com insígnias e uniformes próprios.

No entanto, quando Portugal reconhece o estado da Guiné-Bissau através dos acordos de Argel, a recomendação de Spínola é ignorada. Nem nos textos da acta, nem nos anexos do documento que sela os referidos acordos a salvaguarda dos militares africanos é tratada com as necessárias cautelas, de modo a precaver ameaças futuras à segurança de leais portugueses, cuja diferença para os seus camaradas metropolitanos residia unicamente na melanina que lhes dava cor à pele.

(...) Como o tempo demonstraria, a incúria dos negociadores permite que centenas de militares e cidadãos portugueses africanos sejam vilmente chacinados, fuzilados na solidão das matas ou em espaços públicos, acabando por jazer em valas comuns.

Na Guiné vão, entretanto, ocorrendo confraternizações não autorizadas de alguns militares portugueses com guerrilheiros do PAIGC, enquanto se procede à transferência dos aquartelamentos para as mãos daqueles que há pouco tempo ainda eram os inimigos e que a revolução em Lisboa tornara vencedores de uma guerra que não tinham sido capazes de ganhar pela força das armas.

(...) Em Moçambique, a bandeira de Portugal é arrastada de rojo pelas ruas de Lourenço Marques. Em Angola, o major Pezarat Correia desarmara os brancos para que estes não se intrometessem ou sequer viessem a ter qualquer peso nos pratos da balança com que se havia acertado os acordos, tendo como resultado a instalação do terror e a vergonha de ver unidades do Exército serem obrigadas a abandonar os quartéis em cuecas.

Na Guiné, ainda antes da independência e à medida que as Forças Armadas portuguesas retiram, explode o sentimento de vingança do PAIGC contra os seus concidadãos que estiveram ao lado de Portugal, e começam os assassinatos. A primeira vítima é o tenente Abdulai Queta Jamanca, que pertencera à 1.ª Companhia de Comandos africanos e participara na operação "Mar Verde", um herói condecorado pelo general Spínola. Jamanca era um mito entre os africanos, um príncipe local que, servindo então na Companhia de Caçadores 21, em Babadinca, foi fuzilado naquela localidade após ter sido preso numa horta próximo de sua casa.

Os meses passam mas a situação em nada melhora. Logo a seguir ao golpe de 11 de Março de 1975, em Lisboa, o PAIGC lança uma enorme operação de limpeza entre os ex-soldados, os ex-marinheiros e os ex-milícias, portugueses e guineenses, com o argumento falacioso de que pretendiam desferir um golpe de estado na Guiné.

Largas centenas de antigos militares são presos, torturados e fuzilados (500 segundo as autoridades locais informaram posteriormente, 1.000 de acordo com os seus companheiros sobreviventes). Muitos dos prisioneiros são pendurados pelos pés e chicoteados até à exaustão; outros, obrigados a carregar às costas gigantescos pneus de Berliet, e as respectivas jantes.

Joaquim Baticã Ferreira, rei manjaco e antigo deputado da Assembleia Nacional Popular, muito querido do seu povo, credor de grande consideração por parte das autoridades portuguesas, e Didi, um sargento dos comandos africanos natural de Cadgindjaça - povoação um pouco a norte de Bissau -, ambos são fuzilados depois de um julgamento fantoche sumário. Para os humilhar, amarram-lhes as mãos atrás das costas e, de joelhos no chão, nem lhes dão o direito a defender-se. Aquilo a que chamam julgamento durou apenas um minuto.

Os fuzilamentos não páram. Nas matas, em aeroportos, nos campos de futebol, na presença das populações, centenas de guineenses cujo único "crime" foi terem sido leais à sua Pátria, acabam por ser sumariamente executados. E os linchamentos continuam até aos anos 80, sob as ordens de Luís Cabral, durante este período presidente da Guiné.

Os corpos são atirados de qualquer maneira para valas comuns nas matas de Jugudul, Cumeré, Portogole, Mansabá e Mansoa e, pretendendo que tudo tivesse um ar de natural legalidade, era então passada uma ingénua certidão de óbito - muitas vezes em papel timbrado e selado com as armas de Portugal -, na qual se atestava que "...faleceu por fuzilamento um indivíduo do sexo masculino..."».

Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna e Abel Melo e Sousa («Alpoim Calvão, Honra e Dever. Uma quase Biografia»).

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