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terça-feira, 20 de abril de 2021

A traição, por Franco Nogueira.

 


«... Ora, Portugal foi vítima de um ludíbrio gigantesco, os portugueses foram enredados num logro colossal. As forças que atacavam Portugal, e os seus agentes, criaram na consciência colectiva, quanto à visão do País, uma fractura entre o consenso nacional histórico e o consenso nacional contemporâneo. Não foi por acaso que se procurou, e ainda procura, apagar e fazer esquecer a história de Portugal, e deste facto é a tentativa de destruir a figura de Camões, o símbolo mais expressivo: àquelas forças importa que Portugal se transforme numa terra sem história. Essa fractura levou a uma visão a curto prazo, e a permitir que se sacrificassem os interesses futuros para satisfação de interesses imediatos. Julgou-se que ambos coincidiam - e não coincidiam. Parece que hoje alguns, se não muitos, estão arrependidos: mas é irreversível o que se fez e o arrependimento não modificará a realidade das coisas. Por outro lado, um outro facto não era perdido de vista: os interesses gerais de um Ocidente em que Portugal estava inserido. Que a descolonização portuguesa, no momento em que foi efectuada e pela forma por que o foi, afectou gravemente os interesses ocidentais, parece não carecer de demonstração. E é seguro que muitos no Ocidente estão igualmente arrependidos. E também se afigura não carecer de prova o facto dessa descolonização não haver garantido a paz nos territórios, o seu progresso, a sua independência efectiva, o respeito pelos direitos humanos dos seus habitantes.

Estamos hoje perante factos consumados. Angola e Moçambique, e os demais territórios, foram proclamados independentes em condições deploráveis, e antes que fosse completado um processo sociológico evolutivo que daria base sólida a essa independência. Deverá lamentar-se o facto: porque não foram defendidos interesses legítimos portugueses, que em nada ofendiam a soberania ou afectavam a independência das antigas províncias: e porque as populações destas têm sido vítimas, nos planos político, económico e humano, de sofrimento sem conta. Em face das realidades, todavia, caberá agora afirmar e desenvolver uma cooperação entre todos - se os Portugueses quiserem, se os Angolanos e Moçambicanos quiserem - pondo nessa cooperação absoluta lealdade, boa-fé, espírito de fraternidade e entreajuda, para benefício de todos. Se se partir de uma base realista; se se encararem os problemas numa perspectiva de longo alcance; se não se misturarem preconceitos ideológicos nas questões em aberto: se, precisamente no respeito pela independência de todos, não se procurar interferir nos negócios internos de cada um; se a cooperação entre Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné e S. Tomé puder ser expandida sem que se olhe ao regime interno vigente em cada momento; se for criado um clima de confiança recíproca, na certeza de que nenhum tem o que quer que seja a recear dos outros - uma grande e larga política poderá ser feita para vantagem de todos».

Franco Nogueira («Diálogos Interditos. A Política Externa Portuguesa e a Guerra de África», Vol. I).

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