Páginas

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

25 de Abril a Revolução da Vergonha.

 


A Revolução dos Cravos: «manicómio em autogestão»

Natália Correia, das inteligências mais lúcidas deste País, que nos momentos mais dramáticos e críticos do gonçalvismo (com Vera Lagoa e Fernanda Leitão), foi a voz da coragem, da firmeza, do patriotismo esclarecido, a verdadeira pedra no charco de uma revolução em epilepsia permanente - escreveu, com grande rigor de forma e de observação: «com o 25 de Abril, propiciaram os militares liberdades que excediam a capacidade para as suportar no quadro histórico em que elas irrompem?» E volta a interrogar, pondo o dedo na ferida: «Romantismo? Precipitada alternância descontractiva de um longo período de repressão? Inabilidade para suster num ponto de equilíbrio os acontecimentos que desencadearam?». E conclui: «Seja como for, as liberdades foram generosamente prodigalizadas e orgiasticamente festejadas». Por fim este seu artigo remata com esta rara felicidade: «Há que entender, finalmente, que a liberdade serve para aperfeiçoar. Não para piorar».

Para lá do desbragamento da liberdade concedida à maluca, o mais chocante e comprometedor da Revolução Traída é a ofensiva irracional, que autênticos tarados mentais, como o caso de um João Medina qualquer, desencadeiam contra os valores da nossa cultura e, no campo histórico, denegrindo os vultos e símbolos da Pátria, que somos no Mundo.



Apequenando tudo, arrazam-se os valores da cultura e os grandes feitos da História. Elimina-se, na Escola, a disciplina de história, porque alienante e fascizante, porque não democrática, como se chegou fingidamente e lorpamente a dizer-se. Cometeram-se atentados abomináveis, nesse domínio, sem que força alguma ou qualquer assomo de uma autoridade responsável o impedissem. Deixou-se de ler Camões e outros poetas e escritores de antologia, que tantos e tão belos temos - pondo-se a crianças a ler Fidel Castro e até essa figura simiesca de Samora Machel. Em cadernos editados pelo Ministério da Educação e Cultura, para divulgação do Fundo de Apoio aos Organismos Juvenis (FAOJ), através do Movimento Alfa, escrevia-se, em letra de forma, como ofensa aos sentimentos religiosos do Povo Português, o sacrilégio máximo que, com perdão de Deus, transcrevemos para edificação de um processo revolucionário inclassificável:

Esta ofensa gratuita ao que de melhor e mais puro existe na alma e no coração dos portugueses: o seu sentimento pela religião e pelos símbolos e valores supremos da Pátria, condenaram, inexoravelmente, para sempre esta Revolução da Vergonha, este Enxovalho, este Capitólio de lama, em que se transformou!

Com efeito, quer ao tempo do gonçalvismo, quer já ao tempo do governo constitucional, essa ofensiva de nos amesquinharmos e de nos apoucarmos como identidade histórica, como povo culturalmente adulto - procura abalar a nossa crença de povo, a nossa «imagem» nacional. Um tal João Medina, produto espúrio do meio cultural português, escreveu no «Diário de Notícias», de 22 de Setembro último, um artigo intitulado «Portugal, Portugalinho», em que avança considerações deste jaez, depois de afirmar que «não somos uma nação com maiúsculas, não somos já Portugal, somos um Portugalinho»: «somos uma espécie de arménios, somos superficiais, não temos profundidade - somos um País sem distância, e, apesar de contarmos com uns quantos poetas, ensaístas, romancistas ou "intuidores", somos talvez uma choldra, como dizia o escarninho Eça e ainda por cima somos um Povo sem pensamento, isto é, somos muito pouco, quase nada, somos nada».

Esse espírito repugnante e asqueroso, como diria em resposta a única voz digna que se saiba ter vindo à estacada, contra o reles escrevinhador - referimo-nos ao brilhante ensaísta António Quadros - «apesar de agressivamente antiportuguês mas publicado com destaque num grande jornal é infundamentado e gratuito», além de que, pelas conclusões do articulista, «fica assim resolvido o famoso problema da identidade portuguesa: o País não é nada».



Este «Portugal, Portugalinho», além de um escarro infecto, é uma inadmissível afronta feita à Pátria de todos nós, aos nossos mortos, a todos quantos no passado, de geração em geração, a ergueram às culminâncias da glória e das gestas imperecíveis.

Antes deste escrevinhador desvirilizado, outros, no Outono de 1974, a poucos meses do 25 de Abril, em clara e aberta obediência à destruição dos nossos valores históricos, patrocinados sempre pelas mais altas instâncias oficiais deste País, se insurgiam ao que entendiam «contrariar o processo de democratização», como é o caso de Manuela Alves, no «Diário de Lisboa», em que se referiam, graficamente, as «enormidades» que se continham ainda em alguns manuais do ensino primário, «servindo o fascismo», e que terão sido entretanto possivelmente reduzidos a cinzas pelo célebre despacho desse infeliz secretário de Estado, Rui Grácio, de seu nome, cognominado como o «Grande Incendiário» de toneladas de obras literárias que pelo fogo puderam ser purificadas...

No «grito de alarme» dessa esclarecida Manuela Alves, e como se encontra devidamente posto em evidência, consideram-se ultrajes à democracia, um pequeno trecho de Trindade Coelho, de «Saudação à Bandeira» nacional; um outro, ilustrado pela reprodução de um mapa, em que se situa Portugal no Mundo; a condenação de uma referência, num livro da quarta-classe, ao facto do Estado da Índia ter sido violentamente ocupado pela União Indiana; outro, ainda, por num texto escolar se exaltarem como «heróis» os chefes indígenas timorense e goês: D. Aleixo Corte-Real e Aniceto do Rosário; em que se contesta a legitimidade da entrega de condecorações por feitos de campanha a militares brancos e de cor, no «Dia de Portugal», etc., etc., - perante o qual não sabemos que mais espantar e como se tornou possível que tais coisas ocorressem, num País dito civilizado, na época que vivemos. Triste, mas verdadeiro!

(...) De toda uma conduta de excessos e de trapaças pseudo-revolucionárias se podem entretanto totalmente ufanar os desavisados e ignorantes «capitães» do MFA e com eles todos os oportunistas e medíocres que tortuosamente se lhes colaram: o de terem efectivamente destroçado o País, traindo o Povo, e ganho, em escassos meses, de desordem e anarquia, a olimpíada do disparate revolucionário.



Foi Tocqueville quem escreveu que o movimento democrático se faz, com o auxílio do cesarismo, pelo concurso de dois movimentos: uns descem, outros sobem ... Num dado ponto intermédio, ocorre o encontro, e tudo se funde numa espécie de mediocridade: e temos aí a mediocracia.

O 25 de abril da traição, conduzido em condições primárias, por celerados mentais, forjou a sua «balalaika»: de início, o desenho para um projecto de democracia, que abriria de par em par aos portugueses a prosperidade e a abundância, uma antecâmara do Paraíso; instalada esta fase anedótica do processo revolucionário na engrenagem manipuladora das massas a canção passou a ser outra - um misto de liberdade, que depressa virou libertinagem, e de socialismo também em liberdade ... temos portanto instaurado o culto da santíssima trindade: democracia, liberdade e socialismo, o endeusamento das respectivas palavras, a sedução da demagogia que passou a fazer-se, despudoradamente à sua sombra, confundindo e transviando as pessoas e com elas o País.

Pretendia-se e incensava-se uma prática democrática, de amplas liberdades, como forma insidiosa de abrir caminho, de atropelo em atropelo, predeterminando-se o povo português, por uma acção repetitiva em obediência às melhores técnicas de manipulação - às «vias» para ... aos «projectos» para ..., às «pistas» para ... Nesta conversa fiada, o 25 de Abril deixa de ser uma Revolução: é um enxovalho, um ultraje, à inteligência e à dignidade dos Portugueses.

(...) Ora, na perspectiva do tempo, aquele 25 de Abril da utopia, não é mais do que um 16 de Março (o pronunciamento das Caldas) que desce de Sacavém ao Terreiro do Paço, sem um disparo, sem qualquer oposição de natureza militar. A História faz-se por vezes destas bagatelas, com pequenos e insignificantes factos. A História é um acidente, por vezes sem grandeza nem símbolos. São os acasos que fazem a História. Em 25 de Abril, os homens de uma determinada época, de um determinado estilo social - capitularam pura e simplesmente, sem condições. Não há feitos gloriosos nem heroísmos a exaltar: nem de um lado nem de outro. Há pusilanimidade, um encolher de medo de farda para farda, uma certa perplexidade e uma certa expectativa. O acaso ditaria uma vez mais a História, quase sem se dar por isso...



A Revolução criara a sua mitologia: fez-se por si. Nascera de um parto sem dor. Não há homens, ensandecidos, a combater outros homens. Não há disparos mortíferos. Não corre sangue. A Revolução que vence no Largo do Carmo, não é uma ideia: é a imagem da resignação, que se transformaria no calvário da Pátria. É deste modo, tão frouxo, que se vira uma página de história, para um destino desconhecido, que se antevê cruel.



(...) PARTICIPAÇÃO COMUNISTA NO PROCESSO


(...) Destruir para edificar de novo

Vascolejada, a vida nacional, de ódios e de ambições, cedo começou a desenhar-se a traição do 25 de Abril: traição descabelada e torpe à Revolução, traição abjecta e iníqua ao Povo Português. Com efeito, tudo começaria, de forma atrabiliária e trágica, admitida que fora a participação do Partido Comunista no primeiro Governo Provisório, sob a chefia do Prof. Adelino da Palma Carlos. A aceitação dos comunistas, como parceiros democráticos, não lembraria ao diabo. De inspiração stalinista, portanto da linha ortodoxa, de total obediência a Moscovo, colocar comunistas no governo do País era abrir logo uma grande fenda no processo revolucionário com vista à democracia burguesa, pluralista, que teria de ser o primeiro projecto sério a realizar no pós-revolução.

Destruído pela traição de alguns dos seus destacados membros de cúpula, o PCP estava, por altura de 1974, praticamente desfeito ao nível de direcção. Não era, e estava mesmo bastante longe de ser, a força que a sua «imagem» sugeria por anos de luta clandestina e subversiva. Os quadros de que dispunha em 25 de Abril, eram escassos e pobres. Sobrevivia com base nos chamados «históricos» do Partido, indivíduos sem o mínimo de craveira mental e política para o desempenho de cargos na governação do País - país esse que, pela prolongada clandestinidade dos seus membros mais influentes, desconhecia por completo. Para mais viviam na obsessão do ódio, primeiro do regime salazarista e depois do caetanista. Não representavam uma potência, uma força: eram um «bluff» ... Um balão cheio de ar.



Inicialmente relutante a aceitar uma participação comunista ao nível de governo, que se lhe oferecia como prematura e arriscada, o general Spínola terá tentado ainda tornear essa tentação. Com efeito, aceitara o general como mau prenúncio que, logo no dia 26 de Abril seguinte à Revolução, e da responsabilidade do grupo pró-comunista CDE, tivessem sido profusamente espalhados pela cidade e noutros pontos do País manifestos de empolamento demagógico nos quais se escrevia, com notório destaque, que «o caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua»... Que no apelo lançado pela direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP com vista à manifestação programada para o 1.º de Maio, se apontassem as transformações que no entender do referido partido se tornavam inadiáveis, nomeadamente, entre outras, «o fim da guerra colonial pela suspensão imediata de todas as operações militares nas colónias, pela abertura de negociações com o MPLA, PAIGC e Frelimo» (em aberta e flagrante oposição ao Programa e às normas fixadas ao Governo Provisório). Isto quatro dias depois do 25 de Abril! Na mesma data, a 29 de Abril, logo que chegado do seu exílio, ainda no Aeroporto de Lisboa, Álvaro Cunhal entre várias tarefas prioritárias ou urgentes, que enumerou, indicou como uma delas o fim imediato da guerra colonial.

Pressões de vária ordem se fizeram no entanto sentir junto do General por forma que fosse dado um lugar de relevo ao PC no Governo Provisório, empolando-se ao presidente da Junta de Salvação Nacional a força de mobilização de que aquele partido dispunha, o que, como se disse mais atrás, não passava então de um descarado «bluff». As sucessivas eleições a que aquele partido tem concorrido revelaram isso mesmo: que o PC continua a jogar com uma força que não tem, autêntico «tigre de papel»...

O próprio líder socialista, Mário Soares, tornou público logo que em 28 de Abril regressou do seu exílio de Paris, o que depois faria na visita que daí a dias empreenderia a algumas capitais europeias, que o Partido Socialista não tomaria parte no Governo Provisório caso os comunistas nele não estivessem representados. Idênticas e não menores pressões se fizeram no mesmo sentido por parte do sector «progressista» das Forças Armadas. Tal facto a verificar-se, como se verificou - os acontecimentos que se lhe seguiram no processo revolucionário são bem eloquentes - viria a abrir caminho, como abriu, à desdita imensa que se abateu como um pesadelo sobre o Povo Português, da Metrópole e do Ultramar.

Amparados pela linha chamada progressista do MFA, que havia de dar quase toda em pantanas no 25 de Novembro, e de que apenas alguns mais cobardes se escaparam por um triz - os comunistas foram sacando dividendos de uma força e de um prestígio falsamente fabricados, pelo que, sentindo-se reconfortados começaram logo, como diria deles Barros Queiroz, no parlamento da Primeira República, «a deitar os corninhos de fora»... Nem outra coisa seria de prever!



Regressado a uma legalidade tumultuária, com o País sem rei nem roque, apoiando-se nalgumas das suas células, o PCP desencadeou sem perda de tempo (como vimos, a 4 dias do 25 de Abril, começou a deitar balões...) uma actividade organizada, com os olhos fitos na subversão que desde logo lhe interessava alimentar a nível do País. Daí o aproveitamento que fez da total ausência de autoridade, do vácuo político que, entretanto, e apesar das «penteadas» palavras do Programa e do decreto-lei n.º 203/74, se fizera por força dos acontecimentos e da confrangedora incompetência de grande parte dos militares que detinham o processo. Por outro lado, as forças políticas de «direita», face à onda de feroz demagogia que varria o país de uma ponta a outra, imobilizaram-se pelo medo e bem assim muitos milhares de portugueses que, por motivos ideológicos ou pela simples prestação de serviços anódinos, receavam vir a ser, como sucederia em inúmeros casos, considerados «comprometidos» com o regime deposto.


(...) Bases para uma conquista do Poder

O assalto à direcção dos sindicatos e a ocupação metódica que começou por fazer de grande parte dos orgãos de administração local (câmaras municipais e juntas de freguesia) por militantes seus ou por activistas do CDE, ao serviço do Partido, depressa conferiria aos comunistas uma aparência de força que, habilmente explorada, desequilibraria, a seu favor, tal como sucedeu, o quadro político do País abstracto que não real. O quadro político desse País «imaginado» serviu de escudo aos militares semi-ignorantes e semi-analfabetos do processo, que na altura ocupavam posições influentes nos sectores de decisão, para imporem, pouco a pouco, a hegemonia do PC em todos os escalões da hierarquia do Estado. Esses mesmos militares, ao fazer abertamente o jogo do Partido, autoconvenceram-se da impossibilidade de poder o País ser conduzido para os objectivos extra-Programa do MFA e do próprio Governo Provisório Civil, sem uma cooperação íntima com os comunistas...

Vendo-se como por encanto numa posição oferecida de mão beijada e que há um mês atrás seria de todo em todo impensável, chefiado por um homem obstinado, que de português só conservava o nome - Álvaro Cunhal - que se aureolara de um halo de mistério e de martírio, vivendo em Moscovo num «exílio doirado», com todas as honras de cidadania, considerado um herói soviético, o Partido Comunista passou praticamente a mexer todos os cordelinhos do processo revolucionário em curso, pondo e dispondo a seu belo prazer. Começa por se proclamar hipocritamente desinteressado na construção de um socialismo marxista, de cariz totalitário, stalinista. Finge hipocritamente colaborar num projecto de uma «democracia burguesa», com que procura «ganhar tempo», até dominar todo o aparelho burocrático. Delineia todo um processo de agitação ao nível laboral, de incitamento à greve, de unidade sindical (unicidade), de reivindicações salariais, usando e abusando do método leninista de repetição de «slogans» demagógicos, explorando o baixo instinto das massas proletárias, dando-lhe a falsa ideia de que a revolução somente se tornará possível quando os trabalhadores controlarem todo o processo produtivo. Propõe uma luta irracionalmente antimonopolista e destrutiva das grandes empresas, incluindo a banca e os seguros. Lança desse modo a semente do ódio e toda uma seara cresce a partir daí. Não é mais a revolução: é o inferno...

Curiosamente, estávamos a poucos dias, menos de um mês, do 25 de Abril e já o PC era o patrãozinho. Adoptando o melhor da sua técnica e usando da maleabilidade ajustada a cada circunstância, procurava paralisar toda e qualquer reacção dos sectores militares menos permeáveis ao canto da sereia comunista, grande parte dos quais na altura eram os únicos detentores legítimos de uma certa força real. Daí os expurgos levados a cabo nos diversos ramos das Forças Armadas, de oficiais de carreira, passados compulsivamente à reserva com a cobarde conivência de camaradas e amigos. Eram depurações, à boa maneira stalinista!



(...) O PC propõe as grandes linhas de actuação - É o caos...

Em entrevista concedida em 28 de Janeiro aos orgãos de Informação em pleno surto gonçalvista, e o Partido Comunista vive aí o seu período de maior triunfalismo, é Álvaro Cunhal quem afirma, ao referir-se à grave situação económica e financeira, situação essa que, no seu entender, exige medidas que capitula de urgentes e operativas:

«O País aguarda com profundo interesse o programa de emergência que o Governo prepara (1). É legítimo esperar medidas enérgicas para restabelecer o equilíbrio financeiro e para atacar e impedir a sabotagem económica com que o grande capital e os grandes agrários (2) estão minando a economia portuguesa». E acrescenta sempre a mesma ladaínha: «Os monopólios retiram das empresas os capitais criados pelos trabalhadores e aumentam as fortunas privadas, deixando que as empresas caminhem para a falência e o encerramento. Os grandes agrários abandonam as culturas». Finalizando, diria ainda que «Portugal não poderá sair das dificuldades actuais sem uma consequente política antimonopolista e antilatifundiária e sem a intervenção criadora das massas trabalhadoras nas actividades económicas nacionais»...

Todo o Povo Português teve ocasião de viver horas de amargura e inquietação justamente por se ter pretendido, inconscientemente, transferir para as massas trabalhadoras a responsabilidade da direcção das actividades económicas da Nação. Viu-se, à saciedade, até que ponto a intervenção criadora das massas conduziu este País... Algumas dessas acções, apreciadas à distância dos factos que as geraram, permite-nos a possibilidade de avaliar, com maior serenidade e objectividade, até que ponto foi possível, num clima tumultuário, anárquico e irresponsável, fazer imperar a mediocridade, a incompetência, o espírito mesquinho de vingança, o nu das frustrações, dos recalcamentos, a demagogia, e, sobretudo, a porca necessidade de mentir, grosseira e indigníssimamente!



(...) PARTICIPAÇÃO SOCIALISTA NO PROCESSO


(...) Mário Soares, motor da desgraça Nacional...

Não é possível dissociar a pessoa do dr. Mário Soares do número daqueles exilados que, de regresso à Pátria, mais poderosamente contribuíram para precipitar o processo político na situação de anarquia e de irresponsabilidade que o País viveu tumultuariamente até ao 25 de Novembro. De certa maneira, não poderá isentar-se o líder socialista da situação de desgoverno actual e da iminência dum colapso do corpo social da Nação.



Verdadeiramente, à data do 25 de Abril, o Partido Socialista não era uma organização hierarquizada de quadros: mas um rebanho tresmalhado, por aqui e por ali. Algumas da suas ovelhas baliam no estrangeiro, atacando e denegrindo a Pátria, numa conspiração permanente. Em Portugal a única «presença» viva era a dos chamados «republicanos históricos», alguns de inspiração socialista, mas de um socialismo sério e patriótico que nada tinha a ver nem com o de Paris e menos ainda com o de Argel. Carlos Vilhena, Prof. Dias Amado, dr. Aresta Branco, dr. Aníbal de Castro, Comandante Cabeçadas, Moreira de Campos, Almirante Ramos Pereira, Eng.º José Hermógenes do Rosário, Roberto e Rui de Brito, e tantos outros, com igual estatura moral e política, são exemplos de fidelidade a um ideal, mas totalmente incapazes de vender-se por 30 dinheiros...

Com Mário Soares, dá-se este caso espantoso: a revolução foi a 25 de Abril e já a 28, três dias depois, ei-lo que, febricitante e apressado, rompe em Santa Apolónia, vindo de Paris, onde comprazera a sua solidão de político frustrado. Logo que chegado, entre palmas e vivas, apertado pelos braços de uns e outros, ao sol lusitano, começou por declarar ao «Diário de Notícias» que, como era evidente, «não trazia um programa na manga do casaco», repontando: «Mas, enfim, quais serão esses problemas a resolver? Naturalmente, visto em linhas gerais, a crise económica, a inflação, a imigração, as actividades sindicais e, com certeza, a guerra em África»... Nessa mesma miniconferência de imprensa, improvisada em Santa Apolónia, aproveita para acrescentar ser «o general António de Spínola um militar corajoso e respeitador a quem todos devemos estar gratos», esperando, por seu lado, «fazer do povo socialista português um verdadeiro povo socialista europeu» e concluía grandiloquentemente: «O Exército fez a revolução - agora o povo manda»...

Regressando, portanto, a 28 de Abril, vindo também, como o seu camarada Cunhal, de um «exílio doirado» - só que um de Paris e outro de Moscovo - logo a 3 de Maio arranca célere em direcção a Londres, para uma viagem «relâmpago» por algumas capitais europeias, para onde viajava não a título oficioso nem oficial mas apenas como enviado do seu Partido, fazendo-se acompanhar da mulher, Maria Barroso, e de Jorge Campinos.

Quatro dias depois, em conferência de imprensa, devidamente organizada, extensiva à rádio e à televisão portuguesa e estrangeira, Mário Soares iria desenvolver os resultados positivos da sua viagem, a posição do seu Partido face ao movimento político, do Governo Provisório a constituir em breve, a posição do PS perante o problema colonial, dispondo-se a satisfazer algumas questões que lhe fossem formuladas.



A personalidade do líder socialista, o seu estofo moral, a sua categoria mental, o oportunismo político que, ao longo do processo revolucionário do pós-25 de Abril, havia de caracterizar, com rigorosa precisão, a sua trajectória em equilíbrio instável - começou verdadeiramente por se definir nesse contacto em grande com os orgãos de comunicação social. Efectivamente, sem tirar nem pôr, Mário Soares está todo ali, em corpo inteiro.

(...) Não à participação de homens comprometidos...

Aproveitou o chefe socialista para declarar que Portugal tinha já uma imagem (não haviam passado ainda 15 dias do 25 de Abril...) completamente diferente da de há duas semanas atrás, tendo o seu Partido contribuído em grande parte para esse volte-face. Relatou mesmo que os ingleses lhe terão dito que se o general Spínola quisesse ir a Londres seria ali recebido em apoteose (sic)...

No período de perguntas e respostas, que se seguiu, declararia que o PS não estava disposto de forma nenhuma a aceitar no próximo Governo Provisório qualquer antigo governante do regime fascista, embora considerasse que o seu Partido saberia, em qualquer caso, separar o trigo do joio...

Curiosas, esclarecedoras e não menos edificantes, para o que fizera «correr» na altura Mário Soares, são o feixe de revelações feitas, hoje aqui, amanhã ali, em nome do seu país, à medida que cirandava por algumas capitais da Europa, ora tendenciosas, ora disparatadas, reveladoras de um descoroçoante «infantilismo» político, característico aliás de certos homens de oposição que ainda arrastam as penas da sua profunda frustração. De jornais ou de simples despachos de agências noticiosas, aqui ficam alguns exemplos entre cómicos e confrangedores...

Soares e Spínola

Londres, serviço da «Reuter», 3 de Maio de 1974, dia em que Mário Soares empreenderia a sua famosa viagem-relâmpago:

O secretário-geral do Partido Socialista Português, afirmou nesta capital esperar o mais cedo possível um cessar-fogo entre as forças armadas do seu país e os movimentos de libertação em África. «Devemos negociar o mais depressa possível com os movimentos de libertação», observou o dr. Mário Soares a jornalistas londrinos. Respondendo a perguntas na conferência de Imprensa, declarou-se firmemente contra qualquer solução unilateral de independência nos territórios portugueses de África, semelhante à da Rodésia, em 1965. Disse que ficara enormemente impressionado com as duas entrevistas pessoais que tivera em Portugal com o general Spínola, chefe da nova Junta de Salvação Nacional, que assumiu há pouco o poder em Lisboa, e exprimiu a confiança que os socialistas depositavam nesse ilustre militar. Interrogado acerca de notícias de que poderia vir a sobraçar a pasta dos Negócios Estrangeiros num novo Governo português - o dr. Mário Soares retorquiu que ninguém lhe falara sobre isso e que o assunto não fora discutido no seio do seu partido. Tornou, porém, bem claro que os socialistas esperariam ter certa influência em qualquer nova união das forças democráticas em Portugal.

Em declarações prestadas à mesma agência de notícias, definiu as duas maiores dificuldades que o Portugal Novo enfrentava como sendo a de evitar uma divisão entre as diversas forças políticas e a possibilidade de paralisia ou deterioração económica (3)... Pensava deverem os comunistas participar no futuro político de Portugal, porque pertenciam à comunidade nacional e representavam uma tendência política, salientando que os socialistas nunca participariam num governo não eleito, nomeado pela Junta de Salvação Nacional, se esse mesmo governo não incluísse partidos da oposição...

Em entrevista concedida em 8 de Maio, no próprio dia da conferência de imprensa a que aludimos, à «Newsweek», publicada em Portugal em exclusivo de «O Século», pode ler-se como proferido por Mário Soares em respostas a perguntas que lhe foram sucessivamente apresentadas:

P. - Estaria disposto a fazer parte de um Governo Provisório que incluísse comunistas?

R. - Absolutamente, embora saibamos o que os comunistas defendem; eles têm um partido forte, que se manteve na vanguarda da luta contra a ditadura. Não podem ser excluídos.

P. - Vê qualquer possibilidade de formar uma Frente Popular com os comunistas?

R. - Não temos um programa comum com os comunistas. De momento, não há uma Frente Popular, e não sei se viremos a estabelecer um pacto com os comunistas para as eleições. Para já, temos muitos e grandes problemas a resolver. Embora disponhamos de uma forte base (trabalhadores e intelectuais), temos de garantir a adesão de outras da vida portuguesa à nossa aliança. Precisamos da classe média, porque o seu apoio é essencial se quisermos alcançar a mudança revolucionária da nossa sociedade, que há tanto tempo nos é negada.

P. - Em sua opinião, qual o maior problema que Portugal tem de enfrentar nos próximos meses?

R. - A libertação das colónias africanas. Temos de começar a trabalhar imediatamente, no sentido de obtermos um cessar-fogo com as guerrilhas. Não podemos esperar doze meses por um Governo eleito, para tratar este assunto. É um problema que o general Spínola e o Governo Provisório devem tratar sem demora...




(...) Independência pura e simples para o Ultramar - Maio/1974

P. - Segundo o general Spínola, audeterminação não significa independência. Essa linha de orientação não será muito diferente da que o Partido Socialista está a tomar?

R. - O general Spínola conhece a nossa posição. É a de independência pura e simples...

P. - Vê qualquer possibilidade de os colonos brancos dos territórios africanos tomarem o Poder, se sentirem que Portugal tenciona afastar-se?

R. - Devo avisar os separatistas brancos dos nossos territórios africanos que queiram seguir esse rumo de que os esperam novos Vietnames. Tenho-me encontrado com dirigentes dos movimentos de libertação, em conferências internacionais, e eles dizem-me que a sua luta não é contra o Povo Português, mas contra o fascismo e o colonizador... (4)

P. - Se o Partido Socialista vier a alcançar o Poder político em Portugal, que espécie de política económica pensa seguir?

R. - Não devemos afastar a burguesia. Mas a situação é explosiva, perante os chocantes contrastes entre riqueza e pobreza, neste País. Como sabe, o nosso nível de vida é o mais baixo da Europa Ocidental (5). Se nada se fizer para atenuar as evidentes diferenças de riqueza, as tensões aumentarão rapidamente, agora que o povo pode exprimir livremente os seus pontos de vista. Sob o anterior regime, tínhamos uma classe económica «dirigista» que lucrou enormemente com a ditadura. Os seus privilégios ser-lhes-ão retirados...

P. - No campo da política externa: prevê qualquer modificação da atitude de Portugal para com a aliança ocidental?

R. - Enquanto o outro lado mantiver o Pacto de Varsóvia, creio na cooperação com o Ocidente e na aliança de segurança colectiva que a NATO representa. Quanto à base dos Açores - é assunto que pode esperar. Temos coisas mais importantes a resolver neste momento.

P. - Receia qualquer contragolpe da parte dos que ainda acreditam no antigo regime?

R. - Temos de estar atentos. Creio na tolerância. Mas não podemos permitir a ameaça de uma contra-revolução que venha fazer do País um novo Chile. Penso que devemos depurar todos os responsáveis pelo assassínio de tantos dos nossos dirigentes políticos durante a ditadura. Se nada fizermos, eles podem subir, tomar o poder e executar-me, como aconteceu no Chile...


(...) Situação catastrófica da economia - Maio/1974...


Entretanto, na rádio belga, no mesmo dia, declarou o líder do PS viajar por algumas capitais europeias com o objectivo de «informar o mundo da situação do seu País» e mais: «Há que agir agora em duas direcções: salvar a catastrófica situação financeira de Portugal (6), recebendo por isso auxílio dos países aliados e amigos, e encetar o processo de descolonização, acabando com a guerra nos territórios portugueses de África». O dr. Soares pronunciou-se no sentido da independência dos territórios ultramarinos e de negociações imediatas com os movimentos africanos de libertação. Um dos pontos salientes do comunicado final das suas conversações com os dirigentes socialistas belgas aponta justamente para a esperança de que Portugal democrático ocupe o seu lugar dentro das organizações europeias...



O chefe do PS, por sua vez, pediu, também, o reconhecimento rápido, por parte de todos os países, do novo Governo militar de Portugal e mais auxílio financeiro e técnico para a sua Pátria (7). O jornalista que o entrevistou na rádio belga ter-lhe-ia perguntado se era a favor de uma Federação ou da Independência, ao que aquele respondera prontamente: «Sou abertamente pela independência e na minha opinião e na do meu partido é necessário negociar urgentemente com os Movimentos africanos de Libertação»...

(...) Soares, quando não mente - inventa...

Terminado o retrato, a corpo inteiro, feito por Soares a ele próprio, que mais dizer do novo astro que, vindo de Paris, sôfrego de ambição e do poder, surgiu luminoso, enriquecido pelo exílio, por entre as chaminés da Pátria?

A filosofia do homem, como escreveu Ficht, depende da espécie de homem que ele é. A deste é assim: com tanto articular, desarticulou-se de todo. Viajando por conta e risco, ainda em cima do 25 de Abril, por essas capitais europeias, perorou de alto, como se fosse já o primeiro-ministro que pensaria ser... Era esse o seu alvo. Em aceleração contínua, despejando hoje aqui, amanhã ali, opiniões levianas e desmioladas, comprometeu, com frequência, o futuro Governo Provisório a constituir, especialmente quanto a questões de fundo, de grande melindre, que inconsequentemente avançou. No seu inveterado vício de «globe-trotter», deslumbrou-se amiúde na asneira piramidal, proferindo hoje neste país, amanhã naquele, chorrilhos de despautérios, de mentirolas, de grosseiras e inqualificáveis distorções da realidade portuguesa à data do 25 de abril, numa palavra: todo ele se desencaixou, sem o mínimo aprumo, numa apojadura irreprimível de disparates e leviandades. Na sua ignorância, ou na sua esperteza saloia, no sectarismo hermético que não lhe permitia uma réstea de luz ou de razão - não era fonte donde brotasse a água cristalina e pura da verdade humilde, mas um chafariz de água salobra, inquinada de escorrências fétidas.

Dizia Swift que para sustentar uma mentira é preciso forjar pelos menos vinte. Nunca Mário Soares iludiu essa exigência: quando não multiplica a mentira, inventa dislates sem conta...

Ler à distância afirmações por si produzidas, quer quando da sua viagem-relâmpago, quer quando do regresso do seu exílio «valorizador» («eu próprio sou hoje outro homem»), é sentirmo-nos perplexos, sem saber que mais admirar: se a sua ignorância, se a sua bonomia. Se este homem não desempenhasse o alto cargo que desempenha, não valia a pena gastar dez réis de tempo com ele. Atirávamo-lo para o caixote do lixo da história política deste País, como a um Cunhal, e outros tantos cáca-ralas que, em carne limpa, não valem dois vinténs...

Não será este o caso. O líder socialista, no transcurso da sua chegada a Portugal, a 28 de Abril, até à primeira crise do processo revolucionário, em Julho de 1974, somou erros sobre erros, concorrendo largamente, pela sua fatuidade, para o descalabro da descolonização, para a destruição das estruturas económicas do País, para uma prática política confusionista, na sombra do Partido Comunista, o seu grande complexo - que acabaria por conduzir à desgraça que se abateria inclemente sobre a Pátria.



(...) Lusaka: A Traição

É como ministro dos Estrangeiros que vai a Lusaka apunhalar o Programa do MFA no respeitante ao problema do Ultramar e dar satisfação a compromissos firmados, há muito, com os seus comparsas do estrangeiro, decidindo nas costas do Povo Português sobre a questão mais transcendente da vida nacional.

Tem consigo a rabulice do advogado citadino, mas falta-lhe o quid que define os grandes homens de Estado: sagacidade, poder de previsão, inteligência ponderada. As suas mais espectaculares intervenções públicas - retratam-no como um político sem dimensão e sem craveira, confinado nos estreitos e apertados limites de uma capacidade mais do que duvidosa. A demagogia é a sua grande arma, a sua força. Utilizou-a quanto pode em seu favor e do seu partido, e dela vai fazendo o mau uso que, umas vezes em nome da democracia e, noutras, em nome do socialismo sem liberdade, se lhe consente.

Quanto se desprende deste homem, em termos de acção política consequente, é toda uma situação de vazio, de desconsolo e de desconforto. Estamo-nos nas tintas com as suas «habilidades» forenses. Sentimo-nos é cada vez mais alarmados por nos darmos conta de que estamos a ser «dirigidos» por homens deste coturno. Terão aprendido muito nos seus exílios, a cinquenta contos por mês, ou lá o que fosse. Vida grande não se faz com pouco dinheiro. São homens que o exílio «valorizou» imenso, que muito aprenderam e deram nas vistas nessas universidades famosas da Europa e da América. Certo: os cérebros eram deles, nós uma casta de burricegos; seriam eles que defendiam e davam o nome a Portugal, o melhor mesmo da nossa massa cinzenta...

(...) Do elogio dos exilados às borracheiras de Soares...

Ao contrário do que seria de esperar, nesta viagem da história pátria, em vez de remediados descemos à pobreza extrema; em vez de fortalecidos estrategicamente, debilitámo-nos, amputando-nos a nós próprios na geografia das fronteiras seculares; em vez de glorificarmos através da Revolução os símbolos da Pátria, apoucámo-nos, rebaixando-nos na escala dos valores humanos; em vez de mais riqueza, empobrecemo-nos sem remédio - e de tudo quanto nos foi demagogicamente prometido somente nos deixaram, até ver, liberdade, liberdade para destruir, para criar ódios, forjar vinganças, cavar abismos sociais...

Esqueceram-se os «dirigentes» desta nova época histórica que esse supremo bem que é a liberdade não enche barrigas. Como diria Ramalho, nas Farpas, «porque a liberdade, por mais bela que ela seja, é na existência uma circunstância; a ordem é a condição essencial - intrínseca - da vida, a garantia do trabalho e a segurança do pão».



Os quatro anos e meio de exílio de Mário Soares, bem exprimidos, não deram mais do que a porcaria que está aí bem à vista de todos os portugueses. A sua estultícia de que iria escrever história e fazer a felicidade de um Povo terá sido fatal, não só para este homem como para todos os que, iludidos na sua pequenez pigmaliónica, parvamente se autoconvenceram de que seriam capazes de governar minimamente este País, em termos de eficiência e de dignidade. Ilusões que têm o seu preço. Ilusões que se pagam caro. Ilusões que se matam a si próprias.

Com muito acerto diria Jules Lamaître: «A tolice triunfante faz quezílias à gente, mas por muito que nos arrelie, que se lhe há-de fazer? Porque os tolos nunca saberão que são tolos senão no outro mundo, quando já não serve para nada»...

(...) Anarquia do Estado - O Poder na rua...

Referimos já que ainda o Povo Português se não apercebera completamente do ocorrido a 25 de Abril e logo no dia seguinte se faziam distribuir pelos militantes do CDE panfletos incendiados a clamar vinganças, a convidar ao atropelo e à violência revolucionária, apontando que «o caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua»...

Quando se fizer a história miúda do 25 de Abril da traição, hão-de surgir à superfície os responsáveis, os que consentiram, com a sua pusilanimidade, na destruição do País. A demagogia delirante dos chefes socialistas e comunistas, orquestrada ao nível dos orgãos de comunicação social - levaram rapidamente a uma rotação de 180 graus do corpo social da Nação. As contestações de rua, os plenários nos locais de trabalho, os saneamentos selvagens nas empresas e nos próprios organismos públicos, a desarticulação nos orgãos administrativos do poder local, o retraimento das forças de segurança pública, a quebra da autoridade e do respeito da lei - teriam fatalmente que gerar o caos, a desordem institucional, as reivindicações irrealistas, a agressividade dos trabalhadores, numa palavra: o pandemónio da desorganização total. Teimava-se chamar a isto uma revolução. Mas revolução de quê? Revolução da vergonha, dos ódios, das vinganças, das ambições desmedidas de certos homens pela inversão completa dos valores supremos. Apoucam-se os símbolos da Pátria na pessoa dos seus heróis, dos seus santos, dos seus grandes poetas e escritores, dos seus homens de arte, dos seus estadistas eméritos, que a História projecta no tempo, na dimensão que só o tempo dá!

Qualquer cáca-rala vindo de exílios equívocos, entre políticos e homens de letras e de ciência, de cambolhada com desertores, refractários, salteadores de bancos - os «grandes cérebros" de que falava Mário Soares -, arrogava-se falar de alto sobre complexos problemas da vida nacional, com tamanho desgarro e atrevimento, que as pessoas de bem quedavam-se perplexas e aturdidas. Foi a essa ralé, a essa escória entornada do esgoto de uma Europa em crise, que se fez presente do País que éramos em Abril de 1974!



(...) Carta de um Português a Galvão de Melo...

Menos de um mês depois do 25 de Abril, a 22 de Maio, recebia o general Galvão de Melo, membro da Junta de Salvação Nacional, uma carta escrita por um só português e que, conforme foi referido aos écrans da televisão, onde foi lida pelo general, poderia ter sido escrita por todos os portugueses autênticos. Vivia-se já então uma situação de desordem e de anarquia, de desencadear de ódios e de ambições reprimidas por anos de frustração, de inveja, de recalcamento. Estávamos a viver já o 25 de Abril da traição, da insídia, do golpe baixo, do saneamento, do tira-te daqui tu, para me pôr cá eu. Faziam-se apelos ao baixo instinto das multidões, adulando-as, apontando-lhes metas utópicas, impossíveis. Esse trabalho teve o seu tenebroso início logo em 26 de Abril, menos de 24 horas depois do pronunciamento militar. De facto, num panfleto, de pequeno formato, profusamente distribuído, o CDE dava o grito de ordem: «o caminho da liberdade é, hoje, o caminho da rua»... Com efeito, antes de 22 de Maio o poder estava mesmo na rua, e assim se manteve por muitos tempos e bons, como alimento dos mais vorazes revolucionários da nossa praça.

Vamos, no entanto, reproduzir o texto integral da alocução ao Povo Português que o general Galvão de Melo proferiria frente às câmaras da RTP, por elucidativa do processo, que bem cedo começaria a degradar-se:

«Com data de 22 de Maio, recebi uma carta que, embora dirigida à Junta de Salvação Nacional, vinha ao meu cuidado. Escrita por um português, poderia ter sido escrita por todos os portugueses autênticos. Vale a pena torná-la conhecida. Por isso aqui estou. Ora escutai»:

À Junta de Salvação Nacional -

«Aderi desde a primeira hora, ao Movimento das Forças Armadas e ao programa da Junta de Salvação Nacional. Não represento ninguém, senão eu próprio. Mas, passadas quatro semanas sobre o 25 de Abril, começo por perguntar, e não obtenho resposta, se isto será a Liberdade que o Povo Português sonhava. Isto, que é libertarem-se terroristas sem pátria e transformá-los em heróis. Isto, que é permitir-se e fomentar-se a "caça" ao homem, o insulto gratuito, as ofensas corporais, o saque de casas. Isto, que é o boicote de "alguns", criado nas estações de rádio e televisão, com noticiários vergonhosos e impunemente parciais, em que aos próprios locutores se permitem atitudes mais impróprias e nos martelam com programas e reportagens de nível baixo de todos os limites, não permitindo pôr a claro as meias verdades e as mentiras propagadas nas emissões que são pagas por todos nós; e tudo isto sem que nenhum locutor ainda tenha sido suspenso, como já teria acontecido em qualquer País civilizado. Isto, que é permitir-se a ignóbil transcrição em jornais que estão ao alcance de qualquer criança, do comunicado das prostitutas e dos homossexuais, numa demonstração de imoralidade sem precedentes em qualquer país, em que a família e a moral existem ainda como valores.

Isto tudo será a liberdade?

A resposta a isto tudo começam a dar os jornais estrangeiros e bem insuspeitos que já troçam e nos apontam como a "democracia carnavalesca".

Em consciência, portanto, não podia deixar de me dirigir à Junta de Salvação Nacional e manifestar as minhas enormes apreensões pelo clima de anarquia que se vive e respira a todos os níveis e que está em total desacordo com a liberdade responsável que o Movimento das Forças Armadas veio trazer aos portugueses da Metrópole e do Ultramar.

Por último, pergunto: Poderá o País aguentar a crise económica que dia a dia se vai desenhando diante de todos, com a paralisação da indústria e do comércio, com o aumento de desemprego, consequência da falência inevitável de pequenas e médias empresas que soçobram perante as exigências demagógicas de oportunistas que se dizem representar o trabalhador honesto, o qual, na sua boa fé, assim se deixa enganar por gente sem escrúpulos? Que Deus guarde Portugal!».

(...) Spínola em dificuldade para salvar a Revolução...

Ao tentar a recomposição de um novo gabinete ministerial, o presidente Spínola experimenta no entanto dificuldades inusitadas, com que não contaria, enquanto por outro lado suporta pressões fortes que o impediam de consumar a nomeação de um Primeiro-Ministro de sua escolha e confiança, como viria a suceder com o tenente-coronel Mário Firmino Miguel. Contra a sua vontade, é praticamente levado a aceitar para idêntico cargo o então obscuro oficial de engenharia, tenente-coronel Vasco Gonçalves, apenas conhecido num meio militar muito restrito como de uma linha pró-comunista. Em circunstâncias quase idênticas, prisioneiro da mesma teia de que não consegue já desembaraçar-se, Spínola cede manifestamente ao chamado sector «progressista» do MFA e subscreve a nomeação para governador militar de Lisboa e adjunto do comando do COPCON (força militar recém-formada e que se achava na dependência directa do Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, general Costa Gomes), o então major de infantaria, Otelo Saraiva de Carvalho, que não navegava nas mesmas águas do presidente, bem pelo contrário.



(...) é conferida posse ao presidente da Junta Governativa de Angola, Almirante Rosa Coutinho. Em curtíssima cerimónia, o presidente da República lembra ao empossado as responsabilidades do «orgão agora criado em hora particularmente difícil da vida desse território, conturbada nos últimos dias por convulsões cujas origens se encontram detectadas»... Nessa mesma cerimónia, e no seu discurso, Spínola dá a entender de que algo vai passar-se relativamente à sorte dos territórios portugueses de Além-mar, quando diz: «Aliás, o País vai tomar muito brevemente conhecimento, em toda a a sua extensão, dos novos horizontes que se lhe abrem». A finalizar a sua curta alocução, o general lembrava ao empossado que a «população de Angola carece de ser devidamente esclarecida, pois presentemente vive-se ali um ambiente de dúvida, de incerteza, de inquietação, e de legítimos e justificados anseios. Cabe, portanto, a Vossa Excelência Senhor Almirante levar uma palavra de confiança ao povo de Angola, esclarecendo-o acerca das perspectivas dum futuro próspero em ambiente de paz e de convivência humana no quadro do desenvolvimento de um processo de descolonização que estamos vivamente empenhados em levar a bom termo».


(...) «27 de Julho»: entrega do Ultramar aos inimigos de Portugal

Efectivamente, três dias depois, em solene comunicação ao País, amplamente divulgada, o presidente Spínola, a 27 de Julho, fazia perante milhões de portugueses, emocionados e estupefactos, o seu «hara-kiri» político. Cedendo definitivamente a pressões internas e externas, acabava de proceder por esse modo brutal à entrega pura e simples do Ultramar aos inimigos da pátria portuguesa, com grave atropelo ao estabelecido no Programa do MFA e no decreto-lei n.º 202/74. Satisfazia-se, desse modo, a aspiração máxima de socialistas e comunistas, de Soares e de Cunhal: deixar, por qualquer preço, os territórios, com vidas e haveres de milhões de negros e de brancos portugueses, à voracidade de interesses neo-colonialistas estranhos a Portugal, com todas as suas dolorosas consequências. Seria o começo da descolonização exemplar...

A Lei constitucional n.º 7/74, decretada pelo Conselho de Estado, promulgada na véspera, havia criado o quadro de legitimidade constitucional à perpetração deste crime de lesa-Pátria. Removida essa última barreira, era reiterado assim o reconhecimento do direito dos povos dos territórios ultramarinos portugueses à autodeterminação, incluindo o reconhecimento do seu direito à independência.



(...) Quem fez «Trair»?

(...) Igualmente é de espantar que, em Dezembro de 1974, Almeida Santos, na ONU, apresentasse um calendário completo para as independências de Moçambique, Angola e Guiné. Não menos espantosa a revelação feita pelo ministro português de que Portugal havia já contribuído, ou dispenderia, até final do ano, 230 milhões de dólares (seis e meio milhões de contos) com a assistência financeira, não reembolsável, para apressar o processo de descolonização...

Quem faria, pois, «correr» estes homens?!

(...) Perda do Ultramar por abandono - Crime sem perdão!

Uma certa falta de preparação política tornou António de Spínola presa fácil dos que, por ambição e sem escrúpulos, o rodearam e lisonjearam, servindo-se, apenas para os seus tenebrosos desígnios, do seu prestígio e da sua farda honrada de militar e de patriota. No que se refere às teses relativas ao Ultramar e que já haviam levado o anterior regime a sustentar, no interesse do País, uma luta de guerrilha imposta de fora para dentro dos nossos territórios africanos, era de uma transparência cristalina que tudo se passaria como passou logo que franqueados esses territórios ao apetite e às cobiças que há muito se exerciam sobre eles. A política de defesa promovida nesses territórios, impondo uma guerra de mato desgastante e incómoda, não resultava de um mero capricho de dirigentes teimosos, obstinados ou pouco esclarecidos. A resistência, de armas na mão, constituía, na circunstância, um dever nacional indeclinável. Jogava-se nessa guerra, que nunca quisemos e não merecíamos, o destino de Portugal. Todos os portugueses, combatentes e não combatentes, estavam conscientes que esse esforço visava acima de tudo defender, contra os golpes traiçoeiros do terrorismo, as populações, na sua vida, no seu trabalho, na sua fazenda. A defesa, de armas empunhadas, visava essencialmente preservar a unidade moral e política da Nação.

Ora, perder o Ultramar, nas condições desastrosas que se verificaram, abandonando as populações à sua sorte, permitindo autênticos genocídios - é mais do que um crime: uma traição sem nome.

Que haja serenidade possível, perante o que foi o horror da descolonização na Guiné, Moçambique, Angola e até em Timor, permitir que se intitule «conselheiro» de uma revolução um Vítor Crespo qualquer que publicamente afirme ter sido essa mesma descolonização uma tarefa tão grandiosa como a dos descobrimentos marítimos dos portugueses de quinhentos - equivale à demissão completa da qualidade de português! 

(in 25 de Abril: A Revolução da Vergonha, Literal, 1977, pp. 17-19; 33-34; 54; 56-59; 62-65; 71-75; 78-83; 88-91; 95 e 102).


Notas:

(1) Referia-se ao Programa de Política Económica e Social, conhecido pelo nome de «Plano Melo Antunes» e que apesar do seu elevado custo, estadia de técnicos no Hotel do Mar, em Sesimbra, composição, impressão e distribuição, etc., foi deitado para o caixote do lixo...

(2) A obsessão de Cunhal com «os grandes agrários» é uma mania como outra qualquer, e demonstrativa do elevado grau de desconhecimento e ignorância da situação portuguesa e de quanto o PC se serve de música de ouvido para melhor endrominar os pobres de Cristo que ainda o vão escutando. Não admira que Álvaro Cunhal e seus acólitos cometam tantas e tão frequentes gafes, especialmente o seu chefe de fila que viveu entre prisões e exílio cerca de 30 anos afastado dos problemas reais do País. Num quadro de distribuição relativo às explorações agrícolas com cultura arvense, por classes de extensão, cadastro levantado por volta dos anos 70, verificava-se a seguinte situação no respeitante ao Alto e Baixo Alentejo:




Portanto, de um total de 43.587 explorações agrícolas, considerados «grandes agrários» apenas 315, com uma média de exploração por hectare da ordem dos 2.300... além de que para alcançar as actuais relações entre homem activo por Ha. de terra arável e por número de cabeças de gado dos países desenvolvidos - ter-se-ia que reduzir pelo menos a nossa força de trabalho agrícola para um terço ou para um quarto do número actual, o que, a manter-se a taxa de momento, empolada pela pseudo-reforma agrária, levaria nada menos do que duas gerações, tempo que se entende incompatível com a existência mínima do progresso social e económico desejável.

(3) (...) a actuação irrealista dos partidos socialista e comunista, por uma série de violências praticadas nos mecanismos da economia do País, logo após o 25 de Abril, conduziriam a uma situação próxima da bancarrota; esse irrealismo teve a sua origem na ignorância por um lado e num grosseiro erro de avaliação por outro da situação real e concreta do todo nacional nos anos 70. Possibilidade de paralisia ou deterioração económica existe de há dois anos para cá - não existia de modo nenhum ao tempo do anterior regime, apesar dos encargos com a guerra colonial. Éramos um País económica e financeiramente arrumado, empenhado num bem programado plano de desenvolvimento que em breve daria os seus frutos, colocando-nos ao nível dos melhores índices europeus. Falar como falava Soares, por todo o lado, de dificuldades económicas e de necessidades de auxílios, era a capa de que desonestamente se servia para justificar uma posição de luta ideológica - que, ao fim e ao cabo, desgraçaria o País, destruindo-o.

(4) A doce ilusão de que a luta que nos era movida em África não se dirigia contra o Povo Português, mas contra o fascismo e o colonialismo, apresentava-se nas tertúlias internacionais como um isco... Morderam-no os opositores activos que no estrangeiro, exilados, desertores ou refractários, conspiravam sem descanso contra a sua Pátria. Oferecida de mão beijada a Independência - logo surgiu a manifestar-se contra o branco português o mais feroz racismo negro, como sucedera sempre, em todos os outros territórios africanos libertados. Não pode ter sido pior o comportamento dos responsáveis negros. Porquê, agora?!...

(5) Da Europa Ocidental, com certeza que sim: mas superior ao da Grécia, Jugoslávia e de todos os países socialistas do leste europeu, e a par da Itália e Espanha. É evidente que não chegara o esforço feito de recuperação de um País destroçado em 1926, para atingir o nível de vida da França, Alemanha, Grã-Bretanha, Suíça e Países Nórdicos. Só por milagre. Mas pelo que se está vendo, o Dr. Mário Soares depressa nos levará lá. A que ponto chega a ignorância e o sectarismo!

(6) Esta tecla seria obsessivamente tocada pelo líder do PS. Para falar com tamanho despudor de uma catastrófica situação económica em Portugal atinge as raias da demência. Tal facto, demonstraria, poria a nu, quanto Mário Soares desconhecia a situação económica e financeira do seu País, especialmente quanto a este último aspecto em que desfrutava de uma situação ímpar em todo o Mundo, a tal ponto que tem sustentado e amparado as loucuras e sandices revolucionárias de todos os Soares e Cunhais à beira mar plantados...

(7) Ridículo e irrisório o mercadejar por toda a parte um auxílio financeiro, quando Portugal dispunha por então de reservas em ouro e divisas que faziam a inveja de muitos países ricos. Pedir, pois, auxílio financeiro a que título? Para forçar a nota de que éramos um País arruinado ao tempo do anterior regime? Mas isso era tão estúpido, senhores!

Sem comentários:

Enviar um comentário