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quarta-feira, 9 de setembro de 2020

A "Matança da Páscoa"

 


11 de Março 1975. A casca de banana que tramou Spínola


«A referência à célebre "Matança da Páscoa" devia situar-se no capítulo dedicado ao "11 de Março". Propositadamente decido localizá-la no final do texto que nos explica como deve processar-se a "tomada do Poder" pelo PCP. Há uma razão para isso: aquele texto foi elaborado depois do "25 de Novembro". Mas muito antes, em Março de 1975, houve uma tentativa de tomar o Poder pela violência, matando, à partida, as pessoas que poderiam desencadear a oposição. Essa tentativa falhou por acção de um golpe falhado que foi o "11 de Março" Foi um golpe de antecipação que - falhando - teve pelo menos a virtude de eliminar as condições propícias à matança decretada pelo PCP.

Um relatório manuscrito datado de Abril de 1975 e redigido no Rio pelo tenente Carlos Rolo é aqui portanto, transcrito do original. Um texto para o Povo Português ler e meditar. A célebre lista da "matança" tinha sido elaborada pelo PCP/LUAR. Os "revolucionários" encarregados de organizar a sua execução teriam sido segundo o relatório, Palma Inácio e Otelo (este último candidato agora à Presidência da República!...). Costa Gomes e Vasco Gonçalves "visaram" a lista! O relatório indica nomes concretos de pessoas concretas que podem testemunhar. Parece ser tempo de os portugueses começarem a compreender o que realmente se passou e que pode vir a passar-se.

"Encontrei-me em Madrid com o sr. Agostinho Barbieri, em casa dele, na rua Juan Bravo, 75-2.º, dizendo-lhe que ia lá para saber quais os apoios que haveria de Espanha e mais informações que permitissem fazer qualquer coisa em Portugal pois havia notícias de um golpe de esquerda. Que era enviado pelo general Monteiro e que também pretendíamos saber se havia dinheiro.

Respondeu-me que o melhor seria falar com o eng. Santos e Castro marcando um encontro para as 16 horas em casa dele.

Disse-me logo que o dinheiro prometido pelo António Champalimaud (50.000 contos) ainda não tinha vindo, mas que ele (António) tinha da sua autoria prometido mais 25.000 contos, ou seja um total de 75.000 contos, que seriam administrados pelo eng. Santos e Castro, prof. Soares Martinez e Agostinho Barbieri porque se encontrava fora.

Foi-se o medo, a incerteza e o sonho | PREC | PÚBLICO

Às 16 horas houve de facto uma reunião com o eng. Santos e Castro e Agostinho Barbieri e à parte dela, já no final, apareceu o Jorge Braga.

Depois de uma apresentação o eng. Santos e Castro falou, informando o seguinte:

1. Que iria haver um golpe da esquerda, notícia que aliás já tínhamos em Lisboa, mas deu como pormenores os seguintes:

a) Seria na noite de 12/13 de Março.


b) Tinha o nome de código de "Matança da Páscoa".


c) Seriam mortas 1500 pessoas: 500 militares e 1000 civis.


d) Tinham sido requisitados dois hospitais, talvez para prisões.


e) Que na lista estavam incluídos nomes de pessoas que se encontravam presas.


f) Que tinha sabido através de "ajudante de campo" ou "oficial às ordens" do Costa Gomes da existência dessa lista, por o Otelo a ter ido dar ao Costa Gomes para visar e que nessa altura, tendo o Costa Gomes pedido mais uma cópia, foi necessário, por não a haver, fazer uma fotocópia.


1. Foram feitas duas e uma delas acabou nas mãos de um oficial A.M. de nome, possivelmente, Rui Ribeiro que estava na Cova da Moura e ia avisando pessoas. Disse ainda que essa lista tinha sido elaborada por o PC/LUAR que a teria dado a Vasco Gonçalves e este tinha feito três cópias dando uma ao Palma Inácio, outra ao Otelo e uma terceira em arquivo. Este número de listas foi confirmado por conversa tida entre os "ajudantes de campo" ou "oficiais às ordens" do Costa Gomes e Vasco Gonçalves, para "controle de cópias" dos documentos secretos.


2. Que era necessário falar com o Luís Abecassis que tinha grande número de oficiais das F. A. ajuramentados com ele. Posteriormente em Lisboa o general Tavares Monteiro não foi dessa opinião.


3. Que o coronel Varela recebia diária e directamente informações do que se passava no Estado-Maior do Exército Espanhol.


4. Que à mais pequena coisa a Espanha estava pronta a invadir Portugal. Em dez horas estaria em Lisboa. Tinha três divisões prontas com dois comandos operacionais, uma na região de Badajoz (Cáceres) com um Batalhão de blindados e uma Divisão, e outro mais a Norte (Salamanca) com o resto das forças.


5. Que o Governo espanhol tinha feito circular uma carta entre os oficiais espanhóis autorizando a criação de unidades de "Viriatos".


6. Que os antigos telegrafistas da DGS estavam a trabalhar para o Varela Gomes.


7. Que tinha contacto permanente com o comandante da região aérea de Badajoz/Sevilha e que o Governo espanhol concederia asilo político e internamento de aviões.


8. Que tinha contacto com o Árias Navarro mas que quando houvesse qualquer coisa ele só seria avisado com três horas de antecedência.


9. A seguir falou de sistemas políticos».


Alpoim Calvão («De Conakry ao MDLP - dossier secreto»).

11 de Março de 1975: Trabalhadores derrotam golpe e levam revolução à  economia | Partido Comunista Português

«O cerco continua a apertar-se e, em meados de Fevereiro de 1975, é elaborada uma lista de oficiais para serem presos, na qual consta o nome de Alpoim Calvão, segundo testemunha o capitão-tenente Geraldes Freire. "Nunca o vi como um opositor ao 25 de Abril, mas em Fevereiro de 1975 fui chamado pelo CEMA, Pinheiro de Azevedo, para ir ao COPCON [Comando Operacional do Continente: Criado a 8 de Julho de 1974, foi constituído sob o comando do general CEMGFA e destinado a intervir directamente na manutenção e restabelecimento da ordem, em apoio às autoridades civis e garantir a segurança em situações internas de ameaça à paz e tranquilidade públicas]. Lá mostraram-me uma lista de uma série de oficiais a prender. Havia vários oficiais da Escola de Fuzileiros, por isso, fui claro: 'Responsabilizo-me por eles mas não prendo ninguém. Depois, há aqui o Alpoim Calvão que não está debaixo da minha hierarquia, mas que também, deixem que vos diga, que acho uma grande estupidez prendê-lo, até porque vão fazer dele um herói'".

Quando António Spínola, desiludido, renuncia à Presidência da República e se afasta do poder, já Alpoim Calvão e os amigos estão organizados "para enfrentar o gonçalvismo, para salvar restos de uma Pátria que se desagregava". A estrutura é, porém, ainda muito incipiente e inofensiva. Para já, bem o sabem, organizar operações de envergadura é algo com que apenas podem sonhar.

11 de Março de 1975 – História de um golpe de estado da direita | CDU Soure

Pelas 15h00 do dia 10 de Março, no entanto, tudo muda. O primeiro-tenente Nuno Castro Barbieri visita o antigo camarada da Guiné e amigo Alpoim Calvão para lhe transmitir que uma informação dos Serviços Secretos Espanhóis inclui o seu nome numa lista de diversas personalidades a abater. Tivera conhecimento dela numa reunião em Madrid em que participaram figuras como o seu pai Agostinho Barbieri Cardoso, ex-subdirector-geral da PIDE/DGS, Santos e Castro, ex-governador geral de Angola, e Otto Skorzeny, o famoso ex-oficial da SS que libertara Benito Mussolini, em 1943 [Oficial da Schutzstaffel (SS) e grande especialista em operações especiais durante a II Guerra Mundial, chegou a ser considerado pelos Aliados como "o homem mais perigoso da Europa". Foi escolhido pelo próprio Hitler para libertar Benito Mussolini, missão que cumpriu a 12 de Setembro de 1943, com a operação "Carvalho", no monte Gran Sasso. No final da guerra, foi preso mas não chegou a ser julgado em Nuremberga, ficando alguns anos num campo de desnazificação. Daí saiu para Espanha, onde faleceu de cancro a 6 de Julho de 1975]. O nome de código da acção: "Matança da Páscoa", de acordo com o próprio chefe do governo espanhol, Árias Navarro.

Jornalismo: Diz que é uma espécie de democracia: NOS IDOS DE MARÇO: O  reverso dos cravos


E havia mais detalhes: as execuções começariam a 12 de Março e estariam a cargo de elementos da extrema-esquerda, apoiados pelo RALI (Regimento de Lanceiros N.º 1 de Lisboa, comandado pelo tenente-coronel Leal de Almeida) e por elementos do Movimento de Libertação Nacional - Tupamaros, que, alegadamente, se tinham deslocado a Portugal para essa missão [Movimento uruguaio de guerrilha urbana que operou nos anos 60 e 70, assaltando bancos e distribuindo comida e dinheiro nos bairros pobres de Montevideu, atacando as forças de segurança e executando raptos políticos]. Informações que seriam mais tarde dadas como provadas pelo juiz de instrução, Saraiva Coelho, no seu despacho sobre o processo n.º 12/76:

"Esta reunião tem efectivamente lugar na Rua Jau, casa do tenente-coronel Quintanilha, com o coronel Durval de Almeida, o tenente-coronel Xavier de Brito, o major Silva Marques e o tenente-fuzileiro Nuno Barbieri. Mais tarde chega o tenente Carlos Rolo acabado de regressar de Espanha. Confirma a existência de uma lista de pessoas a prender ou eliminar - cerca de 500 militares e 1.000 civis (...).

11 de Março de 1975: Trabalhadores derrotam golpe e levam revolução à  economia | Partido Comunista Português

As prisões estavam planeadas para a noite de 12 para 13 de Março com o nome de código "Matança da Páscoa". Carlos Rolo não era portador de um exemplar ou cópia de tal lista. Esta parece que nunca ninguém a viu, nem um seu exemplar consta do processo. (...) Resolvem dar conhecimento destes factos ao general Spínola.

Também este general deveria ser preso ou eliminado em Massamá onde residia. (...)" [Despacho de instrução do processo n.º 12/76, in GUILHERME ALPOIM CALVÃO, JAIME NOGUEIRA PINTO, O 11 de Março - Peças de Um Processo, Editora Futuro Presente, Lisboa, 1995, pp. 19 e 20]».

Rui Hortelão, Luís Sanches Baêna e Abel Melo e Sousa («Alpoim Calvão. Honra e Dever»).

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