Natália Correia foi uma das mais inteligentes e lúcidas personagens da cultura e política deste País, nascida nos Açores em 1923, escritora, romancista, ensaísta e poetiza, foi também deputada e notabilizou-se pela defesa da cultura, património, direitos das mulheres e direitos humanos.
Politicamente foi uma mulher de extrema frontalidade e coragem, foi uma das grandes vozes que nos momentos mais dramáticos e críticos se levantaram contra o gonçalvismo, a par de Vera Lagoa e Fernanda Leitão.
Natália Correia foi a voz da coragem, a voz da firmeza e do patriotismo esclarecido e ponderado, uma verdadeira agitadora do lamaçal pestilento de uma revolução que no fundo nada revolucionou, um mero golpe de estado de contornos muito pouco esclarecidos, tendo mesmo na sua escrita ter metido o dedo na ferida, observando que:
-"com o 25 de Abril, propiciaram os militares liberdades que excediam a capacidade para as suportar no quadro histórico em que elas irrompem?"
-"Romantismo? Precipitada alternância descontractiva de um longo período de repressão? Inabilidade para suster num ponto de equilíbrio os acontecimentos que desencadearam?"
-"Seja como for, as liberdades foram generosamente prodigalizadas e orgiasticamente festejadas."
Rematando com esta rara preciosidade:
"Há que entender, finalmente, que a liberdade serve para aperfeiçoar. Não para piorar."
Algumas frases pensamentos de Natália Correia:
“Não tenho qualquer espécie de carreira. Fui deputada porque me pediram para introduzir o discurso cultural no Parlamento, o que fiz nunca abdicando de me dedicar à minha obra literária que se desdobra em vários géneros”."As primeiras décadas do próximo milénio serão terríveis. Miséria, fome, corrupção, desemprego, violência, abater-se-ão aqui por muito tempo. A Comunidade Europeia vai ser um logro. O Serviço Nacional de Saúde, a maior conquista do 25 de Abril, e Estado Social e a independência nacional sofrerão gravíssimas rupturas."
in 'O Botequim da Liberdade'.
O grande desastre que aconteceu foi a maneira como ocorreu a descolonização. Ao expulsarem os portugueses, os africanos cometeram o mesmo erro, trágico erro, que os Portugueses quando expulsaram os judeus. O nosso País ainda não se recompôs disso. Angola e Moçambique vão, porém, emendar a mão, recebendo-os de novo, o que irá intensificar-se a partir do século XXI, quando a Comunidade Europeia entrar em derrapagem, até porque nessa altura já a paz será, efectiva naqueles jovens países. Por outro lado, serão eles a salvar-nos economicamente, sobretudo Angola, um dos territórios mais ricos do mundo. Tem tudo, até água".
in 'O Botequim da Liberdade'
"A mulher deve seguir as suas próprias tendências culturais, que estão intimamente ligadas ao paradigma da Grande Mãe, que é a grande reserva, a eterna reserva da Natureza, precisamente para os impor ao mundo ou pelo menos para os introduzir no ritmo das sociedades como uma saída indispensável para os graves problemas que temos e que foram criados pelas racionalidades masculinas. É no paradigma da Grande Mãe que vejo a fonte cultural da mulher; por isso lhe chamo matrismo e não feminismo."
"Evidentemente que os partidos são um defeito necessário, porque dividem, mas é uma divisão necessária para agrupar, para reunir a ideia da democracia parlamentar que temos. Agora, o erro das pessoas é adorná-los com méritos extraordinários, porque isso faz-nos cair numa partidolatria, imprópria de espíritos livres!"
"Houve tempos em que me atribuíram as coisas mais inacreditáveis e tudo isso começou porque eu era uma jovenzinha não certamente feia, digamos que atraente e as pessoas achavam um escândalo que uma menina bonita pudesse ter ideias,que eram consideradas transcendentes para a sua idade."
"Sabe que mais? Quem devia ter-se candidatado à Presidência e estar no seu lugar não era você, era eu. Eu nunca ficaria nesse estado devido a meras derrotas nas urnas e insídias de velhacos", disse a Maria de Lurdes Pintassilgo, derrotada na primeira volta das eleições presidenciais de 1986,
in 'O Botequim da Liberdade'.
"E não seremos nós todos portugueses exilados? Mesmo na Pátria. Sobretudo na Pátria, que por isso mesmo é a Pátria da Saudade",
in "Descobri que era Europeia"
"Vai ser preciso passarem duas décadas, ou mais, sobre a minha morte para começarem a compreender o que escrevi",
in "O Botequim da Liberdade"
"Ninguém se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério. Para nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que temos no mundo"
É muito triste olhar para o panorama cultural português e dar-mo-nos conta que os grandes vultos, aqueles que não se renderam ao politicamente correcto do sistema, desapareceram quase totalmente, facto estranho, pois diz-se por aí que havia controle, havia censura no tempo do Estado Novo, mas, por que razão nos dias de hoje todos aqueles que de alguma forma divergem das directivas desta democracia de malha apertada, são de alguma forma, ou comprados, ou silenciados, todos os que fogem à cartilha desta democracia comunista são proscritos e vivem num perfeito Gulag, remetidos ao silêncio ou então sujeitos a ser figuras menores do panorama cultural e político ad eternum!
Pena hoje não haver no panorama cultural gente com a atitude dos grandes vultos de outrora, à imagem da nossa Natália Correia, de um Torga ou de um Agostinho da Silva, pois sempre assumiram as suas posições, sempre lutaram por aquilo em que acreditavam, sempre estiveram do lado da verdade, foram fieis às suas convicções, e, claro, nenhuma destas individualidades alinhou no que quer que fosse, só porque sim!
Falta-nos muita coisa no panorama político e cultural, atravessamos o deserto, o vazio das ideias, uma pretensa elite intelectual acomodada e absolutamente conformada, incapaz de fazer o seu papel dinamizador e agitador de consciências, perfeitamente inaptos para desempenhar o seu verdadeiro papel, rendidos às mordomias que os donos de sistema lhes proporcionam, estamos a caminho da morte anunciada de uma cultura própria e ancestral, o que será o mesmo que dizer, a morte de uma nação!!!
A democracia canibalizou a cultura.
Alexandre Sarmento
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